Por: Paulo César Veiga
A reforma trabalhista instaurou importantes debates sobre temas antes sedimentados, como o que ora se apresenta pelo art. 10-A da CLT.
De singela redação, o art. 10-A da CLT promoveu importante aproximação conceitual entre o direito empresarial e o direito do trabalho, especialmente quanto à extensão da responsabilidade dos sócios e ex-sócios por dívidas da sociedade.
Mesmo que o art. 10-A da CLT tenha se referido apenas à extensão temporal da responsabilidade trabalhista dos ex-sócios, os seus efeitos transcendem da aparente simplicidade redacional, e define novos critérios.
Assim, é diante desse novo cenário, quanto à compreensão da extensão da responsabilidade dos sócios atuais e ex-sócios por dívidas trabalhistas, que se desenvolve a presente abordagem, tendente a suscitar a aproximação de conceitos e soluções acerca de temas correlatos ao direito empresarial e trabalhista.
1. A RESPONSABILIDADE DELINEADA NO ART. 10-A DA CLT
Da redação do art. 10-A da CLT, para logo se observa que ali é tratado o sensível assunto da responsabilidade trabalhista dos sócios atuais e ex-sócios, perante os empregados da sociedade:
“Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência: I – a empresa devedora; II – os sócios atuais; e III – os sócios retirantes. Parágrafo único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato”.
O citado dispositivo refere-se à projeção temporal bienal da responsabilidade trabalhista do ex-sócio que, independentemente do motivo, se desligou do quadro de sócios da sociedade de que antes participava.
A extensão dos efeitos dessa responsabilidade não é novidade em nosso ordenamento jurídico, como já previam os artigos 1.003 e 1.032, ambos do Código Civil.
Porém, a redação do referido art. 10-A da CLT ultrapassa a simples definição temporal da responsabilidade trabalhista por ex-sócios, introduzindo na legislação do trabalho regras de identificação desses responsáveis, e de extensão dessa responsabilização.
Afinal, o citado dispositivo expressamente define uma obrigatória ordem de gradação a ser observada quanto à identificação dos responsáveis pelos débitos trabalhistas, além de bem divisar as hipóteses de responsabilidade subsidiária e solidária.
A figura do ex-sócio protagoniza a redação do art. 10-A da CLT, e talvez essa tenha sido a intenção. Mas uma análise mais detida revela que o sobredito dispositivo igualmente menciona os sócios que ainda integram o quadro societário, para lhes atribuir expressa responsabilidade subsidiária quanto aos débitos trabalhistas de incumbência da sociedade.
Importante destacar que há uma ordem de execução a se cumprir até alcançar o sócio retirante, iniciando-se com o patrimônio da sociedade, aos sócios ativos e por fim o sócio retirante, caso as tentativas anteriores restem frustradas.
O art. 10-A da CLT veio para reforçar o entendimento do CC, com o objetivo de limitar a responsabilidade do sócio retirante por débitos trabalhistas originários no período em que era sócio, de forma subsidiária, delimitando-se a ações propostas até dois anos após a averbação da alteração contratual, desde que observada à ordem da execução.
Com isso, resta claro que o sócio retirante poderá responder pelas responsabilidades trabalhistas da antiga empresa, desde que a ação trabalhista tenha sido proposta dentro do período de dois anos após a sua saída.
Na seara tributária cumpre-nos registrar também que o Colendo Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o simples inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração legal, razão pela qual não há que se falar em responsabilidade tributária de ex-sócio somente por este fato.
Desta feita, o sócio que se retira licitamente da sociedade limitada, mediante transferência de suas cotas, continuando-se o empreendimento com as suas atividades habituais, não responde este por eventuais débitos fiscais contemporâneos ao seu período de permanência no organismo societário.
Todavia, se restar provado, por exemplo, que um sócio formalmente deixou a sociedade mas continua comparecendo na empresa e exercendo seu poder diretivo, ou intervém nas atividades da empresa através de pessoas a ele ligadas, de modo a aclarar que o ocorrido foi apenas uma mudança documental, estará configurada a fraude e, com ela, atraída a responsabilidade solidária em relação aos sócios atuais.
1.1. DO ELEMENTO SUBJETIVO
Por primeiro, merece ser observado que o art. 10-A da CLT não discriminou os sócios atuais ou ex-sócios das sociedades contratuais, dos acionistas atuais ou ex-acionistas das sociedades institucionais, aparentemente igualando-os quanto à responsabilidade ali definida.
Todavia, quanto aos acionistas atuais ou ex-acionistas das sociedades por ações regidas pela Lei nº 6.404/76, a responsabilização prevista no art. 10-A da CLT não lhes é totalmente aplicável.
Em termos gerais, por força dos artigos 117 e 158 da Lei nº 6.404/76, a responsabilização ali prevista não recai sobre todos os acionistas, mas apenas sobre o controlador e os administradores, e tão somente pelos danos decorrentes dos atos praticados com abuso de poder.
Tratando-se, pois, de acionista ou ex-acionista sem poder de controle, na forma do artigo 116 da Lei nº 6.404/76, salvo a prova de atos irregulares de gestão, a responsabilização decorrente da mera qualidade de acionista ou ex-acionista, é afastada.
Nesse sentido a doutrina de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, para quem “a companhia apresenta-se como a única sociedade na qual os acionistas jamais serão obrigados a responder perante terceiros pelas dívidas sociais. A responsabilidade patrimonial destes coloca-se tão somente no plano interno, relacionada à obrigação de integralização do preço de emissão das ações que adquiriram ou subscreveram”. [1]
A extensão da responsabilidade, pois, na forma do art. 10-A da CLT, não teria aplicação em face de acionistas ou ex-acionistas minoritários desprovidos de poderes de gestão ou de controle sobre a Companhia.
Com efeito, ainda que se trate de administrador de sociedade anônima, somente se efetivamente comprovada a ocorrência de gestão fraudulenta, em proveito próprio, é que se poderia direcionar ao mesmo qualquer responsabilização pessoal, como bem observa Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa: “Ao atuar como administrador de uma companhia, não é a pessoa do administrador que age como mandatário daquela, a partir da aplicação da Teoria Organicista. É a própria sociedade presente em cada negócio realizado, desde que o administrador esteja praticando ato regular de gestão. No entanto, o administrador responderá pessoalmente pelos prejuízos que causar à companhia em duas situações distintas: Quando atuar com culpa ou dolo, mesmo dentro de suas atribuições ou poderes, ou; Quando violar a lei ou o estatuto”. [2]
Já a responsabilização dos acionistas de uma sociedade anônima fechada, porque tal modelo assemelha-se às sociedades contratuais, as responsabilidades dos seus titulares seriam semelhantes às dos sócios quotistas.
Portanto, excetuada a hipótese dos acionistas comuns de uma sociedade anônima aberta, tem-se que o sobredito art. 10-A da CLT será eficaz apenas frente aos demais sócios das sociedades contratuais, sejam estas de natureza empresária ou simples, e, excepcionalmente, aos acionistas de uma sociedade anônima fechada.
1.2. DO SÓCIO RETIRANTE
Como se observa da singela redação do o art. 10-A da CLT, o dispositivo se refere ao sócio que se desliga da sociedade como sendo o “sócio retirante”, com a clara intenção de ilustrar a hipótese genérica de desligamento do sócio.
O termo “retirante”, contudo, carece de esclarecimentos, evitando que a responsabilização de que trata o art. 10-A da CLT seja aplicável apenas ao ex-sócio que exerceu voluntário direito de retirada.
A hipótese merecer ser interpretada de forma mais ampla, abrangendo todas as situações de dissolução parcial da sociedade, tal como preveem os artigos 1.004, parágrafo único e 1.028 a 1.030 e 1.085, todos do Código Civil.
Assim, seja pela morte (CC, art. 1.028), pelo exercício do direito de retirada (CC, art. 1.029), pelo direito de recesso (CC, art. 1.077) ou mesmo pela exclusão (CC, arts. 1.004 e 1.085), tenham os ex-sócios se desligado da sociedade de forma voluntária ou não, serão atingidos pela regra estabelecida no citado art. 10-A da CLT.
Obviamente, em caso de morte do ex-sócio, a eventual responsabilização patrimonial, a atingir o acervo deixado pelo autor da herança, será transmitida na forma da lei civil aos seus respectivos sucessores.
Em resumo, a hipótese prevista no art. 10-A da CLT, ao mencionar a responsabilidade do “sócio retirante”, está a se referir a quaisquer situações que sirvam a configurar a alteração da composição do quadro societário.
2. DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA E SUBSIDIÁRIA
Como já advertido, o art. 10-A da CLT não apenas definiu um limite temporal de responsabilidade trabalhista para os ex-sócios, como estabeleceu um sistema de responsabilização extensível aos sócios atuais, primordialmente subsidiária.
Considerada a literalidade da redação do art. 10-A da CLT, conclui-se que o legislador não discriminou a causa do desligamento do sócio, limitando-se a considerar que o ex-sócio (retirante) será subsidiariamente responsável pelas dívidas trabalhistas da sociedade.
Será lícito ao credor, contudo, eventualmente invocar a responsabilidade solidária do ex-sócio, como prevê o parágrafo único do art. 10-A da CLT, cabendo-lhe, nesse caso o ônus de comprovar “fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato”.
Assim, e independentemente da causa de desligamento do sócio, a sua responsabilidade trabalhista, projetada por um biênio, será em regra subsidiária, e, excepcionalmente, solidária.
A extensão dos efeitos da responsabilidade aos ex-sócios não é novidade, como bem revelam os já citados artigos 1.003 e 1.032, do Código Civil, sendo certo que o prazo de dois anos a que aludem tem natureza decadencial, como igualmente não pairam dúvidas quanto ao seu termo inicial coincidente com a efetiva averbação (requisito formal) da alteração da composição societária junto aos órgãos competentes.
Não se olvida que a projeção da responsabilidade ao ex-sócio circunscreve-se apenas aos fatos geradores dos débitos trabalhistas, e, desde que surgidos no período em que o ex-sócio integrava o quadro societário da empregadora, independentemente deste ter ou não exercido a administração da sociedade.
Do mesmo modo, não se descuida que tais dívidas devam ser amplamente consideradas, independentemente da sua natureza, mas desde que decorrentes de uma relação de emprego, incluindo as acidentárias.
A par da clareza da norma, quanto à projeção da responsabilidade ao ex-sócio pelo biênio seguinte à averbação da modificação do contrato social, merece atenção a definição, como regra, da hipótese de responsabilidade subsidiária.
Sobre a responsabilidade subsidiária, também chamada de secundária, Ricardo Negrão explica que é “aquela que sujeita outras pessoas e patrimônios às obrigações do responsável primário. Na hipótese de constituição societária, o sócio é responsável secundário, nos termos das regras legais que distinguem cada uma das sociedades”. [3]
2.1. DO BENEFÍCIO DE ORDEM
Ao optar pela responsabilidade trabalhista subsidiária, o legislador robusteceu a personalidade jurídica da empregadora, distinguindo a responsabilidade patrimonial da pessoa jurídica e dos sócios que a compõem, ou já compuseram.
E tal reforço aos efeitos da personificação evidencia-se no art. 10-A da CLT, que expressamente estabelece que os sócios atuais e ex-sócios apenas serão instados a responder pelas dívidas trabalhistas, se a empregadora não o fizer.
Há, pois, responsabilização condicionada, pois os sócios ou ex-sócios somente poderão sofrer atos de constrição patrimonial se a sociedade da qual participam ou participavam, não adimplir o que a Justiça do Trabalho impuser.
Não se trata de hipótese relacionada à desconsideração da personalidade jurídica, mas apenas da projeção da responsabilidade aos sócios atuais e ex-sócios, sobre as obrigações da sociedade empregadora.
Portanto, estabeleceu-se em favor dos sócios atuais e ex-sócios, claro benefício de ordem, a lhes resguardar certa proteção, assim como já prevê o art. 1.024 do Código Civil.
Consequentemente, mesmo o credor trabalhista estará impedido, por disposição expressa, de dirigir as suas pretensões aos sócios atuais ou ex-sócios, sem antes esgotar as alternativas de satisfação dos seus créditos junto ao patrimônio da sociedade empregadora.
Ainda que o art. 10-A da CLT tenha silenciado a respeito, é razoável concluir, com amparo no artigo 795 do CPC, que, em caso de invocação do benefício de ordem pelo sócio atual ou ex-sócio, aos mesmos incumbirá o ônus de comprovar que a empregadora dispõe de patrimônio livre a suportar a dívida reclamada, sob pena de lhes ser imposta responsabilidade solidária.
Sobre o tema, bem observa Fábio Ulhoa Coelho: “A regra da subsidiariedade encontrava-se já no Código Comercial de 1850 e é reproduzida na legislação processual (CPC, art. 795) e Civil (CC, art. 1.024). Não existe no direito brasileiro nenhuma regra geral de solidariedade entre sócios e sociedade (simples ou empresária), podendo aqueles sempre se valer do benefício de ordem, pela indicação de bens sociais livres e desembaraçados, sobre os quais pode recair a execução da obrigação societária”.[4]
Tal solução, não obstante não se encontre definida no artigo em comento, bem se coaduna com os deveres de lealdade e boa-fé processual, sem que com isso seja desconfigurada a referida responsabilidade subsidiária.
CONCLUSÃO
Normalmente distantes em conceitos, princípios e objetivos, o direito empresarial e o direito do trabalho encontram no artigo 10-A da CLT um relevante ponto de convergência a conciliá-los.
A reflexão, ao menos, é necessária, já que a satisfação de créditos trabalhistas eventualmente inadimplidos, inevitavelmente, passa pela adequada compreensão da responsabilidade daqueles que devem suportá-los.
Identificar responsabilidades não se presta apenas a delimitar a extensão subjetiva, objetiva e temporal das eventuais dívidas trabalhistas, mas também, e principalmente, objetiva promover a concreta satisfação dos interesses dos empregados.
A adequada responsabilização igualmente se deve em favor do empresário, que merece ter a necessária segurança jurídica a inspirá-lo prosseguir no exercício de sua empresa, em realização do princípio da livre iniciativa.
Assim, o artigo 10-A da CLT revela uma nova perspectiva a ser considerada, que, certamente, conduzirá à tão almejada segurança jurídica no que respeita à responsabilidade dos sócios e ex-sócios por dívidas trabalhistas.
Notas:
[1] DUCLERC VERÇOSA, Haroldo Malheiros. Curso de direito comercial. v. 3. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 115.
[2] DUCLERC VERÇOSA, Haroldo Malheiros. Curso de direito comercial. v. 3. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 469.
[3] NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 9.ed v. 1. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 287.
[4] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2. Direito de empresa. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 50.
Referências:
CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito comercial. sociedade anônima. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 16.ed. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2012.
DUCLERC VERÇOSA, Haroldo Malheiros. Curso de direito comercial. v. 3. São Paulo: Malheiros, 2008.
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: Comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 2. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos tribunais, 2008. NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 9.ed. v. 1. São Paulo: Saraiva,