O processo de execução pode ser definido como um conjunto de atos que, independentemente da vontade do devedor ou dos garantidores, permite a invasão de seu patrimônio para, à custa dele, realizar o resultado prático desejado concretamente pelo direito material objetivo (DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 115).
Assim, é pela execução forçada que “(…) o Estado-Juiz invade o patrimônio do devedor de obrigação de pagar e, independentemente da vontade deste, expropria seus bens em favor do credor”. (ZAHR FILHO, Sergio. Penhora: Exame da técnica processual à luz da realidade econômica e social. Dissertação de Mestrado em Direito, Faculdade de Direito da USP. São Paulo, 2009. p. 64).
Para atingir o bem de família, ou o imóvel do devedor principal ou ele fiador, a própria lei e a constituição federal aplicam entraves, evitando que se evite a banalização das medidas persecutórias em face ao direito à moradia dos devedores.
A existência de limites é deduzida a partir do artigo 591 do CPC (dentre outros dispositivos legais), segundo o qual “O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.”
Ao analisar o referido dispositivo, Willis Santiago Guerra Filho (Responsabilidade patrimonial e fraude à execução. RP65/174) ensina que:
O disposto no CPC 591 permite inferir as seguintes regras: a) o objeto da execução são todos os bens que se encontram no patrimônio do devedor, ainda que não lhe pertencesse no momento em que se obrigou; b) as limitações à responsabilidade patrimonial somente são admissíveis quando expressamente declaradas em lei, constituindo-se em casos de impenhorabilidade de bens (g.n.).
Assim, ao mesmo tempo em que a legislação processual estabelece a regra geral da responsabilidade patrimonial do devedor, também permite que se crie – igualmente por meio de lei – exceções a tal regra.
Uma das várias exceções legais encontram-se prevista no caput do artigo 1º da Lei Federal nº 8.009, de 29 de março de 1990, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, nestes termos:
Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Dessa forma, o imóvel residencial da entidade familiar é em regra impenhorável, existindo exceções previstas na própria lei.
Entre elas, há casos que o devedor originário não possui bens para garantir a dívida, vindo a execução a atingir o fiador de contrato de locação para o seu pagamento. Em determinados casos, além da figura do fiador, a dívida é garantida pelo imóvel do fiador, dando segurança contratual ao locador do imóvel que eventual inadimplência, poderá reaver o seu crédito.
O próprio Supremo Tribunal Federal, no tema 295, entendeu da possibilidade de penhora do bem de família do fiador do contrato de locação, o qual exarou a seguinte tese:
Tese: É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, em virtude da compatibilidade da exceção prevista no art. 3°, VII, da Lei 8.009/1990 com o direito à moradia consagrado no art. 6° da Constituição Federal, com redação da EC 26/2000.
Ementa: CONSTITUCIONALIDADE DA PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR. RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA FIRMADA POR ESTA SUPREMA CORTE. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
Ante este entendimento, foi reconhecida que é legal a penhora do bem de família dado em garantia de contrato de locação, conforme recorte:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(…) VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)
Nos termos do Supremo Tribunal Federal, a decisão versava de forma exclusiva aos contratos de locação sem fins comerciais, dando validade a penhora do imóvel dado em garantia em contrato de locação do fiador deste contrato.
Agora, o entendimento é divergente quando o imóvel do fiador é dado em garantia ao contrato de locação comercial, entendendo o Supremo Tribunal Federal neste caso a impenhorabilidade do imóvel. Para tanto, segue um pequeno resumo da decisão exarada no site Conjur:
O entendimento consolidado na decisão desta segunda é que não deve se exigir sacrifício do bem de moradia do fiador para satisfazer o crédito do locador ou estimular a livre iniciativa. O fiador estaria, portanto, sofrendo consequências desproporcionais em detrimento do real devedor.
A MM. Carmen Lúcia destacou diversos julgados do próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu a impenhorabilidade do imóvel dado em contrato locação comercial. Entre os diversos julgados destacados, verifica-se que diferente do contrato de locação residencial, que visa assegurar o direito á moradia, o contrato de locação comercial visa assegurar a livre iniciativa.
Outro ponto destacado pela Ministra foi destacar que diferente do imóvel de locação residencial, nos contratos de locação comercial, o devedor principal goza de situação mais benéfica do que ao conferida ao fiador do imóvel, nos termos do trecho destacado da decisão que serviu de molde a da Ministra Carmen Lúcia.
Não se vislumbra justificativa para que o devedor principal, afiançado, goze de situação mais benéfica do que a conferida ao fiador, sobretudo porque tal disparidade de tratamento, ao contrário do que se verifica na locação de imóvel residencial, não se presta à promoção do próprio direito à moradia.
Assim, o tribunal adotou uma tese de assegurar, neste caso, o direito à moradia frente contrato de locação de comercial. Tal entendimento, visto que foi exarado em fevereiro de 2021, ainda não é possível determinar os seus efeitos práticos aos contratos existentes e eventual impossibilidade de empresas firmarem a locação de imóveis, visto que muitas vezes não existe outra garantia.
Nestes termos e conforme entendimento agora consolidado do Supremo Tribunal
Federal, o imóvel dado em garantia de locação comercial não pode ser penhorado, existindo a exceção também já exarada pelo próprio Tribunal quanto ao contrato de locação residencial. No mais, não é possível ainda prever os efeitos de tal decisão no comercial.