A REDUÇÃO DE CAPITAL SOCIAL E SUAS NUANCES NAS SOCIEDADES POR AÇÕES

Antes de abordarmos os aspectos mais específicos da redução de capital social em si, cabe trazer alguns breves apontamentos conceituais sobre capital social, os quais serão importantes para garantir a completa compreensão do tema.

 

Como sabido, o capital social é representado por um valor constante no estatuto social formado pela contribuição dos sócios e pelas reservas da companhia possuindo uma existência de direito, e não de fato, somente podendo ser alterado por meio de Assembleia Geral nos casos e condições previstos em lei.

 

Assim, sob nenhuma interpretação, o capital social confunde-se com o patrimônio da sociedade que, por sua vez, é constituído pelo conjunto de bens, direitos e obrigações da companhia. Não à toa, no aspecto contábil sob a ótica do método de partidas dobradas, enquanto o capital social encontra-se tradicionalmente representado em uma conta alocada no passivo companhia sob a nomenclatura de “Patrimônio Líquido”, o patrimônio da sociedade representa o conjunto de valores, sejam eles ativos ou passivos, que compõe a companhia.

 

Desta forma, o capital social não mais representa necessariamente a correspondência entre o número de ações que se dividirá o capital social e o valor efetivo das entradas financeiras na Companhia, tendo como função externa uma espécie de garantia de estabilidade e possibilidade de cumprimento de obrigações frente a terceiros.

 

Da redução de capital social

 

Sobre a redução do capital social, o artigo 173 da Lei 6.404/76 nos diz o seguinte:

 

Art. 173. A assembléia-geral poderá deliberar a redução do capital social se houver perda, até o montante dos prejuízos acumulados, ou se julgá-lo excessivo.

 

  • 1º A proposta de redução do capital social, quando de iniciativa dos administradores, não poderá ser submetida à deliberação da assembléia-geral sem o parecer do conselho fiscal, se em funcionamento.

 

  • 2º A partir da deliberação de redução ficarão suspensos os direitos correspondentes às ações cujos certificados tenham sido emitidos, até que sejam apresentados à companhia para substituição.

 

Assim, podemos separar as hipóteses de redução do capital social em duas espécies: i) a redução real; e ii) a redução nominal, as quais serão expostas a seguir.

 

A redução nominal caracteriza-se pela realização de uma operação contábil de redução do valor do capital social em detrimento de um prejuízo existente na companhia, permanecendo o valor patrimonial da sociedade inalterado. Além disso, a deliberação da redução do capital social em função de perda ou prejuízo acumulado somente pode ser realizada após consumida a reserva legal, caso haja.

 

Nestes casos, a caracterização de um patrimônio líquido negativo é essencial para a redução do capital social em virtude de perdas, até inclusive para preservar o equilíbrio entre o capital e o patrimônio.

 

Em resumo, no caso de uma redução nominal por meio da utilização do prejuízo acumulado para tanto, não há uma transferência de ativos de nenhuma espécie, sendo realizado somente um ajuste contábil, baixando-se o capital social no valor correspondente a baixa do prejuízo acumulado, não sendo, portanto, uma alternativa efetiva à presente situação.

 

Por sua vez, a redução real caracteriza-se pela correspondência entre o valor reduzido do capital social e uma redução do patrimônio da sociedade, existindo uma restituição do excesso de capital aos acionistas, sendo que o motivo que leva à deliberação da companhia pela redução do capital social será pela racionalização da administração da companhia.

 

A caracterização do capital excessivo, fato que enseja a redução real do capital, apresenta-se pela não produtividade do capital social, passando este a tornar-se um encargo financeiro à sociedade, devendo ser tomada bastante atenção com relação à justificativa de sua redução.

 

Desta forma, na redução real do capital social há uma diminuição do patrimônio da sociedade, sendo que esta redução será inteiramente destinada aos acionistas com a consequente diminuição do lastro patrimonial da sociedade, sendo, portanto, uma alternativa viável à realização da presente operação pretendida pela Companhia, desde que observadas as nuances apresentadas neste documento.

 

Cabe mencionar brevemente que esta alteração não é contrária ao princípio da imutabilidade do capital social que, por sua vez, é definido por Carvalhosa[1] da seguinte forma:

 

O capital social não é formado por uma massa separada do patrimônio ou por uma parte do ativo da sociedade, mas configura-se como um débito diante dos acionistas, razão pela qual consta do passivo no balanço, ainda que não exigível.

 

Tendo que permanecer sem mudanças, a não ser que seja reduzido ou aumentado na forma devida, os lucros e os prejuízos do exercício não devem ser creditados ou diminuídos da conta do capital, mas colocados em posição especial no balanço.

 

Assim, a integridade e imutabilidade do capital social representa a garantia de cumprimento das obrigações assumidas pela companhia, sendo que sua mudança (aumento ou redução), dentro dos limites legais estabelecidos, não é contrário ao princípio da imutabilidade do capital social.

 

Competência de deliberação

 

A decisão de reduzir o capital social compete exclusivamente à Assembleia Geral, enquanto esta expressa por meio do voto de seus acionistas a vontade social, sendo que, uma vez observados os procedimentos previstos na Lei 6.404/76 e sendo adequadamente garantidos os direitos dos credores, a decisão de reduzir o capital social  da Companhia classifica-se como matéria exclusiva da gestão da companhia – como já especificado –, não pode ser objeto de contestação por parte de terceiros como Junta Comercial e Comissão de Valores Mobiliários.

 

Do procedimento para a redução de capital

 

A redução de capital deverá ser deliberada em Assembleia Geral, devendo constar na ordem do dia da convocação, nos termos do artigo 124 da Lei 6.404/76, sendo que, por resultar em uma alteração do Estatuto Social da Companhia, o quórum de instalação será de, no mínimo, 2/3 do total dos votos[2], não se exigindo, no entanto, quórum qualificado para sua deliberação.

 

Não obstante, com a finalidade de proteção a credores da sociedade, o artigo 174 da Lei 6.404/76 estabelece alguns procedimentos adicionais que devem ser observados, quais sejam:

 

Art. 174. Ressalvado o disposto nos artigos 45 e 107, a redução do capital social com restituição aos acionistas de parte do valor das ações, ou pela diminuição do valor destas, quando não integralizadas, à importância das entradas, só se tornará efetiva 60 (sessenta) dias após a publicação da ata da assembleia-geral que a tiver deliberado.

 

  • 1º Durante o prazo previsto neste artigo, os credores quirografários por títulos anteriores à data da publicação da ata poderão, mediante notificação, de que se dará ciência ao registro do comércio da sede da companhia, opor-se à redução do capital; decairão desse direito os credores que o não exercerem dentro do prazo.

 

  • 2º Findo o prazo, a ata da assembleia-geral que houver deliberado à redução poderá ser arquivada se não tiver havido oposição ou, se tiver havido oposição de algum credor, desde que feita a prova do pagamento do seu crédito ou do depósito judicial da importância respectiva.

 

  • 3º Se houver em circulação debêntures emitidas pela companhia, a redução do capital, nos casos previstos neste artigo, não poderá ser efetivada sem prévia aprovação pela maioria dos debenturistas, reunidos em assembleia especial.

 

Assim, considerando as disposições acima, os efeitos da redução de capital social somente se tornarão efetivas após 60 (sessenta) dias da publicação da ata de assembleia que tiver deliberado sobre a redução do capital social.

 

Por fim, a única ressalva é que deve ser tomado um cuidado especial com relação a esta espécie de movimentação, pois, caso não sejam analisadas as características e especificidades de cada caso, existe o risco da redução ser encarada pela Receita Federal como uma distribuição disfarçada de lucros, gerando a necessidade de explicações frente ao órgão responsável.

 

Nosso objetivo aqui é trazer informação aos nossos clientes e comunidade, no caso de qualquer dúvida, nossa equipe encontra-se à disposição para dirimir eventuais dúvidas.

 

[1] Carvalhosa, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas, volume 3 – 6º ed. Rev. E atual. – São Paulo: Saraiva 2014 – p. 811

[2] Art. 135. A assembleia geral extraordinária que tiver por objeto a reforma do estatuto somente se instalará, em primeira convocação, com a presença de acionistas que representem, no mínimo, 2/3 (dois terços) do total de votos conferidos pelas ações com direito a voto, mas poderá instalar-se, em segunda convocação, com qualquer número.

PUBLICADA RESOLUÇÃO CVM Nº 175 DE 2022 QUE EDITA AS REGRAS PARA FUNCIONAMENTO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO

A resolução recém-publicada dispõe sobre novas regras de funcionamento para os fundos de investimento, regula o investimento de fundos em Criptoativos e inicia a regulamentação de fundos socioambientais.

 

Foi publicada a Resolução nº 175 da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) que servirá como o novo Marco Regulador do setor, fazendo com que os Fundos de Investimento tenham novas regras que passam a ser aplicadas a partir de 03 de abril de 2023.

 

A Resolução em comento é inicialmente composta por uma parte geral de aplicação estendida a todas as espécies de fundos de investimento, porém traz algumas regras específicas para os Fundos de Investimento Financeiros (FIF) e Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), tendo resultado na revogação de outras 38 normas específicas.

 

Com relação ao patrimônio dos investidores, as novidades trazidas são harmônicas à Lei da Liberdade Econômica, podendo destacar a limitação da responsabilidade de cada quotista ao valor das quotas subscritas, a aplicação do instituto da insolvência civil aos fundos e a possibilidade dos fundos contarem com a segregação das cotas de seu patrimônio segundo as classes de investimento.

 

Já sobre o investimento em criptoativos, a autarquia abriu a possibilidade de Fundos em Investimentos Financeiros (FIF) realizarem investimento desta espécie por meio das disposições do Anexo Normativo I da Resolução que permite a classificação de criptoativos com ativos financeiros desde que negociados em entidades autorizadas pelo BACEN ou pela CVM ou, em caso de operações no exterior, por supervisor local que possua competência legal para supervisionar e fiscalizar as operações realizadas.[1]

 

Não obstante, os créditos de descarbonização (CBIO) e créditos de carbono podem ser considerados ativos financeiros, desde que devidamente registrados no sistema de registro e liquidação financeira de ativos autorizados pela CVM ou pelo BACEN.

 

No tocante aos Fundos Socioambientais, a CVM buscou ser pouco invasiva neste sentido, buscando combater o greenwashig e restringindo a utilização de termos correlatos às finanças sustentáveis na denominação dos fundos, permitindo a utilização desde que as políticas de investimento busquem benefícios ambientais efetivos.

 

Para maiores informações sobre Fundos de Investimento e suas regras de operação e funcionamento, entre em contato com nossa equipe.

 

[1] Art. 2º, inciso d), Anexo Normativo I – Fundos de Investimento Financeiro – Resolução CVM nº 175 de 2022.

 

Escrito por: Ricardo Ferle

A Importância da Governança Corporativa na Identificação e Gerenciamento de Riscos

 

Todos os negócios e operações empresárias estão sujeitas a lidar com um ambiente rodeado de incertezas e riscos das mais diversas naturezas, sendo papel fundamental da direção e administração da empresa lidar com os riscos e administrá-los da maneira mais adequada possível, criando-se assim um sistema de gerenciamento de riscos efetivo.

 

Neste contexto, entende-se que o risco é a possibilidade de algo não dar certo, sendo encarado no ambiente corporativo por meio da quantificação e qualificação das incertezas, devendo ser gerenciados e analisados para subsidiar a tomada de decisão dos administradores e da direção da empresa.

 

Dada sua importância no cenário atual, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) publicou um manual para o gerenciamento de riscos e o categorizou como um sistema intrínseco ao planejamento estratégico de negócios, composto por processos contínuos e estruturados que sejam desenhados para identificar e responder a eventos que possam afetar os objetivos da organização e por uma estrutura de governança corporativa responsável por manter o sistema vivo e em funcionamento[1].

 

Não obstante, podemos constatar que a gestão adequada de riscos também faz parte das disposições aplicáveis aos programas de integridade corporativos segundo as diretrizes da Lei Anticorrupção[2], além de ser mencionada como critério objetivo no Formulário de Referência (FRE) de empresas de capital aberto (ICVM 480/09) e possuir uma obrigatoriedade de aplicação às Instituições Financeiras por meio da Resolução BACEN nº 4.745/2019.

 

Responsabilidades e Governança da gestão de risco

 

De forma genérica, podemos afirmar que o Conselho de Administração da Companhia é o principal responsável por traçar os objetivos estratégicos, o perfil e apetite ao risco da empresa e direcionar as ações corporativas segundo seu objetivo econômico, identidade corporativa e cultura da empresa.

 

Por definição e caracterização, a Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76) estabelece como competência do Conselho de Administração fixar a orientação geral dos negócios da Companhia, fiscalizar a gestão dos diretores e escolher e destituir os auditores independentes, tornando-se assim já evidente que, sob o aspecto legal, o Conselho de Administração é o principal responsável pelo gerenciamento de riscos e definição de estratégias da empresa.

 

Entretanto, esta responsabilidade não fica restrita ao Conselho de Administração, existindo algumas modalidades de gestão de risco que podem ser adotadas pelas empresas. Dentre as existentes, cabe destacar as metodologias ISSO 31000 e COSO (Committee of Sponsoring Organizations).

 

Podemos ressaltar ainda o modelo das três linhas de defesa que foi adaptado pelo IBGC da IIA (The Institute of internal Auditors) que prevê como uma primeira linha de defesa os controles da Administração, como segunda linha de defesa a criação de setores e áreas específicas para identificação de riscos (p. ex.: Controle Financeiro, Segurança, Qualidade, Inspeção, etc) e como terceira linha de defesa a criação de uma Auditoria interna para validação de procedimentos e medidas.

 

Classificação de riscos

 

Naturalmente, quando se tem por objetivo controlar ou gerenciar qualquer cenário, é necessário que seja realizada uma classificação quanto à origem ou medidas necessárias para contenção do problema.

 

Por ser algo intrínseco à atividade desempenhada pela empresa e sujeito às volatilidades e oscilações do mercado em que está inserida, os riscos são classificados e agrupados da forma mais adequada à realidade de cada empresa, mas podemos classificá-los incialmente em dois grandes grupos: Os riscos da estratégia e os riscos emergentes.

 

Os riscos da estratégia são aqueles originados pelas decisões administrativas da empresa, devendo ser identificados e previstos na elaboração do planejamento estratégico, tendo em vista as possíveis movimentações e reações do mercado e stakeholders. Por sua natureza preventiva e previsível, é possível se estabelecer um plano de ação para reduzir a probabilidade de ocorrência do evento de risco.

 

Como um exemplo desta espécie de risco podemos citar a gestão de talentos, a falta de liquidez, as reações de mercado, desenvolvimento da concorrência, desenvolvimento tecnológico/de mercado e as reações internas da empresa.

 

Os riscos emergentes, por sua vez, são externos às ações da empresa e dividem-se em duas espécies: Os riscos emergentes previsíveis e os não previsíveis.

 

Os previsíveis são aqueles originados no ambiente externo da empresa que, em certa maneira, não surgem de forma inesperada, ou seja, se bem estudados, podem ser antecipados e até utilizados em favor da empresa, como por exemplo ações de governo, inovações tecnológicas, comportamento de mercado e de consumidores e tendências sociais.

 

Os não previsíveis são aqueles que não podem ser previstos ou evitados em virtude de seus efeitos e magnitudes, atingindo não somente a atividade econômica da empresa em si, mas afetando todo o conjunto social na qual ela está inserida. Recentemente vivemos um exemplo de risco emergente não previsível com a pandemia do Covid-19, mas podemos citar como exemplo também a ocorrência de desastres naturais.

 

Não obstante, cabe realizar aqui uma distinção também sobre risco inerente e risco residual, sendo o primeiro caracterizado pelos riscos em que a empresa ainda pode tomar alguma ação para preveni-lo e o segundo como a exposição aos riscos após a tomada de todas as ações gerenciais possíveis.

 

Medidas práticas

 

Sob um olhar mais prático, recomenda-se a adoção de algumas medidas e procedimentos que os gestores e conselheiros das empresas podem tomar para tornar mais eficiente a identificação e a gestão dos riscos:

 

  • Elaboração e implementação de um planejamento estratégico que discorra sobre os riscos inerentes à atividade da empresa;

 

  • Criar comitês e procedimentos internos que, além de verificar constantemente a existência e a ameaça dos riscos já existentes, identifiquem não só o risco, mas também sua forma de tratamento ou amenização;

 

  • Estar atento aos movimentos de mercado e governamentais para estar sempre atento aos riscos externos da empresa;

 

  • Desenvolver um programa de governança corporativa descentralizada e independente que possua autonomia para apontar os riscos estruturais, administrativos e operacionais da empresa sem sofrer qualquer tipo de retaliação; e

 

  • Avaliar periodicamente os planejamentos elaborados, os comitês criados e a implementação e ação das medidas a serem adotadas.

 

Por fim, podemos constatar que a gestão de riscos corporativos vem deixando de ser um diferencial competitivo e vem tornando-se um requisito essencial para o desenvolvimento da atividade econômica pretendida, razão pela qual se faz extremamente necessário a análise de exposição de riscos e a adoção de medidas preventivas e corretivas que diminuam a exposição da empresa a estes riscos.

Nossa equipe de Direito Societário está à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais que sejam necessários.

Escrito por: Ricardo Ferle

[1] Gerenciamento de riscos corporativos: evolução em governança e estratégia / Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. São Paulo, SP: IBGC, 2017, p.14

[2] Artigo 57, inciso V da Lei nº 12.846/13 (Decreto nº 11.129/22).

Governança Corporativa e a diversidade de gênero na composição do Conselho Administrativo das Companhias Abertas

 

A Governança Corporativa abarca uma série de tópicos, relacionados a comportamento ética, integridade, respeito aos direitos humanos e às leis trabalhistas, esforços anticorrupção, proteção de dados, privacidade e entre outros, a diversidade de gênero.

A discussão sobre diversidade de gênero nos Conselhos de Administração e cargos de alta gestão das empresas, assim como outros temas relevantes, como a equiparação salarial por exemplo, não são novidade no Brasil. Todavia, é de suma importância entendermos como outros países estão enfrentando estes desafios e o que podemos fazer para estar melhor preparados.

Antes de adentrar especificamente na questão da diversidade, faz-se necessário uma breve introdução ao conceito e histórico da Governança Corporativa.

  1. Governança Corporativa

A Governança Corporativa é o conjunto de práticas e regras que tem por objetivo melhorar o funcionamento de uma companhia através de um desenho global de melhoria da organização e seus órgãos. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) traz uma definição bem detalhada do termo:

Governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas.

As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum[1].

Em linhas gerais, não só a companhia mas os investidores, conselheiros, diretores, colaboradores e a sociedade como um todo se beneficiam com a implementação de boas práticas de governança.

1.1 Contexto (ou desenvolvimento) histórico

Este movimento teve início no Estados Unidos e ganhou mais força nos anos 90 em resposta à sérios escândalos envolvendo importantes empresas e rapidamente se espalhou pela Europa e logo para outros países.

O Relatório Cadbury, publicado em 1992 na Inglaterra, é considerado o primeiro código de boas práticas de Governança Corporativa e um ponto de partida na etapa atual da Governança Corporativa mundial. Um princípio importantíssimo que foi trazido com este código foi o “Princípio do aplique ou explique”, com ele as companhias deveriam cumprir as recomendações ou explicar publicamente o motivo do não cumprimento destas.

Atualmente, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com seus 38 países membros, tem importante papel para a evolução do tema através de comitês especializados para discutir ideias e propor recomendações, ou até a mesmo a condução de negociações que resultam em tratados ou acordos formais.

No Brasil, o interesse por implementações de boas práticas ganhou destaque com as privatizações e a abertura do mercado nacional nos anos 1990.

Em 1995, foi criado o Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração (IBCA), atual Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) com o intuito de fomentar o desenvolvimento sustentável das organizações. O Instituto é referência nacional e internacional e tem como objetivo a disseminação de conhecimento a respeito das melhores práticas em Governança Corporativa. Em 1999 o IBGC foi responsável pelo lançamento do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, considerado sua principal publicação, atualmente na sua quinta edição.

O “Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas”[2], baseado nos Princípios de Governança Corporativa G20/OCDE foi lançado em novembro de 2016 em um evento sediado pela B3. Este Código foi resultado da criação conjunta de 11 entidades do mercado de capitais. São pilares básicos deste código:

Transparência: Disponibilizar para as partes interessadas as informações que sejam de seu interesse, mesmo aquelas que a lei não obriga.

Equidade: Entre todos os sócios e demais partes interessadas (stakeholders.

Prestação de Contas (accountability): Prestar contas de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, além de atuar com diligência e responsabilidade.

Responsabilidade Corporativa: Modelo de negócios com visão de curto, médio e longo prazos levando em consideração os diversos capitais da empresa (financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social, ambiental, reputacional etc.).

  1. A diversidade de gênero nos conselhos de administração e cargos de alta gestão das empresas

A consultoria americana MSCI publicou um estudo realizado com mais de 3 mil companhias, incluindo dados de 48 países, o qual revela que em 2021 a porcentagem de mulheres em cargos de liderança nas companhias pesquisadas era de 22,6%, apenas 1,5% de crescimento se comparado com o ano anterior e somente 1,1% se comparado a 2019. O salto de 2018 para 2019 foi um pouco maior 2,1%, entretanto, no ano anterior cresceu ínfimos 0,6%[3].

O estudo concluiu que se o ritmo lento de crescimento da participação feminina nos cargos de alto escalão das empresas continuar na mesma velocidade apresentada no índice MSCI All Country World Index (ACWI), as mulheres só alcançarão o mesmo número de postos que os homens em 2042.

A equidade de gênero na composição dos Conselhos de Administração das companhias está relacionada com o equilíbrio adequado de conhecimento e competências entre os membros do conselho, tendo como objetivo evitar um pensamento único e proporcionar uma multiplicidade de visões que favoreçam uma otimização aos procedimentos de tomada de decisões voltada aos interesses da companhia.

Os primeiros códigos a incluir recomendações de diversidade de gênero foram os códigos de Governança Corporativa da Finlândia (2003), Suécia (2004), Noruega (2004) e Reino Unido com os relatórios Higgs e os relatórios Tyson, publicados no mesmo ano (2003).

Os sistemas para implementar uma política de diversidade de gênero nos Conselhos Administrativos podem ter um enfoque voluntário ou obrigatório, sendo caracterizados da seguinte forma:

2.1 Enfoque voluntário

O primeiro, traz recomendações sem caráter vinculativo (soft law), tendo como principais exemplos de aplicação os Países Baixos, Áustria, Portugal e Polônia. O que, por sua vez, não significa dizer que estes países não alcancem bons resultados, podendo citar como um exemplo a Dinamarca que possui uma representação feminina de 29,5% nos Conselhos Administrativos e a Suécia possuindo 36,9% de representação neste mesmo critério.

Este sistema pode ainda incluir a aplicação do “Princípio do aplique ou explique”, no qual as companhias devem explicar publicamente o motivo de não seguirem as recomendações de governança, como é o caso do Reino Unido, Espanha e Austrália.

2.2 Enfoque obrigatório

Os ordenamentos com enfoque obrigatório estabelecem cotas de representação que, quando não cumpridas, resultam em sanções (hard law), sendo que o primeiro país a adotar um enfoque obrigatório foi a Noruega (2003).

Outro exemplo é a França que, através do “Code de Commerce” (2011), prevê que as Companhias Listadas não podem ter menos do que 40% de representação de cada gênero no Conselho de Administração das Companhias. Em caso de descumprimento da quota a indicação indevida de conselheiro é nula.

  1. Diversidade, equidade e inclusão no Brasil hoje

Segundo a pesquisa Brasil Board Index 2021 publicada no artigo do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)[4], as mulheres ocupam 14,3% das vagas nos Conselhos Administrativos no nosso País e 65% dos conselhos têm pelo menos uma mulher em sua composição. Apesar dos avanços conquistados, o crescimento da equidade na Companhias ainda é muito lento.

Existe atualmente em tramitação no Congresso Nacional, o projeto de LEI N.º 1.801, de 2022, que dispõe sobre a participação equilibrada de homens e mulheres (não superior a 60%, nem inferior a 40%) nos setores privado e público para todos os âmbitos de tomada de decisão – embora o referido projeto se permeie com base em diretrizes globais, como as da ONU, tem gerado discussões em sentidos favoráveis e desfavoráveis uma vez que o projeto pode, dentro de seus imediatismo, gerar situações desfavoráveis na luta pela equidade de gênero.

Há, portanto, um longo caminho a ser percorrido para alcançarmos o equilíbrio na diversidade de gênero no alto escalão das Companhias no Brasil, para isso será necessária uma mudança de cultura e um esforço contínuo para a implementação de mecanismos eficazes a fim de melhorar as boas práticas de Governança Corporativa e assim agregar um diferencial competitivo para as empresas.

Nossa equipe se coloca à disposição para eventuais esclarecimentos através do e-mail societario@veiga.law.

Escrito por Everson Ferreira.

 

 

[1] https://www.ibgc.org.br/conhecimento/governanca-corporativa. Acesso em: 01 de set. de 2022.

[2] https://www.anbima.com.br/data/files/F8/D2/98/00/02D885104D66888568A80AC2/Codigo-Brasileiro-de-Governanca-Corporativa_1_.pdf. Acesso em: 01 de set. de 2022.

[3] https://www.msci.com/www/women-on-boards-2020/women-on-boards-progress-report/02968585480. Acesso em: 01 de set. de 2022.

[4] https://www.ibgc.org.br/blog/pesquisa-diversidade-mulheres-conselhos-no-Brasil Acesso em: 01 de set. de 2022.

A (não) regulamentação de criptoativos no mercado de valores mobiliários nacional, sua emissão e posicionamento da CVM quanto à posição por fundos de investimentos

regulamentação de criptoativos

Juntamente com o surgimento dos criptoativos em 2008, inúmeros foram os questionamentos, dúvidas e teorias sobre sua aplicação, utilização e regulamentação com relação a essa nova forma de transferência global de recursos. Especificamente no Brasil, apesar da primeira manifestação oficial por órgão competente ter se dado por volta de 2015, as dúvidas só aumentam e a utilização dos criptoativos em mercado regulado ou não parece cada vez mais próxima.

 

Ainda sob o aspecto global, os criptoativos não possuem uma padronização quanto à sua regulamentação e interpretação, sendo que cada país subjuga o tema diante de sua própria regulação. No momento, aproximadamente 20 países se dispuseram a propor uma regulamentação ao tema, estando dentre eles Estados Unidos, Israel, Reino Unido, Japão e Canadá. Contudo, apesar de existirem regulações nacionais sobre o tema, estamos longe de poder afirmar que existe uma uniformidade ou unanimidade na utilização ou tratamento desta espécie de ativos, principalmente considerando que em alguns países os criptoativos são considerados ilegais, como, por exemplo, na Bolívia.

 

Posicionamentos e entendimentos da CVM

 

Em 2018 a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) publicou um alerta de mercado sobre os criptoativos definindo-os como “(…) ativos virtuais, protegidos por criptografia, presentes exclusivamente em registros digitais, cujas operações são executadas e armazenadas em uma rede de computadores” (CVM, 2018a[1]). Contudo, apesar da definição trazida pela autarquia, os criptoativos não guardam nenhuma conexão com as moedas oficiais como dólar, euro ou real, uma vez que não são emitidos, controlados, garantidos ou regulados por qualquer autoridade monetária.

 

Apesar desta espécie de ativo ainda causar dúvidas quanto à sua natureza e regulamentação, a interpretação utilizada para atrair a competência da CVM ao assunto é baseada no artigo 2º da Lei 6.385/1976 ao estabelecer que “quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros“, tais Valores Mobiliários estariam sob a fiscalização da autarquia.

 

Mediante tal provocação de competência e considerando o cenário de início de realização das ICO (Initial Coin Offerings), a CVM passou a encarar o desafio de regulamentar a chamada de captação de ativos sem necessariamente adentrar na regulamentação de criptoativos em si.

 

Diante deste desafio, existem dois casos emblemáticos que merecem destaque e nos orientam sobre o posicionamento da autarquia, sendo eles o caso da Niobium e da Iconic. Contudo, antes de adentrar aos casos em específico, cabe mencionar o entendimento da CVM sobre a natureza dos Contratos de Investimento Coletivo (CIC).

 

Contrato de Investimento Coletivo (CIC)

 

O conceito de um Contrato de Investimento Coletivo (CIC) tem natureza instrumental e possui sua origem no direito americano, tendo seu conceito recepcionado pelo direito brasileiro. Tal recepção brasileira representou uma grande mudança no mercado mobiliário nacional, vez que o conceito americano é mais abrangente e funcional, abandonado a concepção fechada de valor mobiliário, como destacado por Luiz Antonio Sampaio Campos[2].

 

Desta forma, o conceito do CIC funciona para delimitar a competência do regime mobiliário e da CVM, abarcando negócios com os mais diversos formatos e setores. Como exemplo, podemos citar célebre caso do “boi gordo”, empreendimentos condo-hoteleiros e eco empreendedorismo em modelo de marketing multinível.

 

Casos concretos – Niobium e Iconic

 

Passando à análise dos casos práticos dos posicionamentos da CVM nos casos da Niobium e da Iconic, a autarquia buscou entender e, caso necessário, regulamentar a emissão dos criptoativos (ICO) sem necessariamente regulamentar o ativo em si.

 

Sob esta finalidade, no caso do ICO da Niobium a entidade se valeu dos precedentes constituídos em processo administrativo julgado anteriormente[3] para determinar os requisitos/critérios a serem analisados para constatar-se a existência ou não de um CIC. Dito isso, os critérios analisados neste caso foram os seguintes:

      • a existência de um investimento;
      • a formalização do investimento em um título ou contrato, pouco importando, contudo, a natureza jurídica deste;
      • o investimento deve possuir caráter coletivo;
      • o investimento deve dar direito a alguma forma de remuneração;
      • A remuneração não pode ser oriunda de atividade do investidor, mas sim do gestor, empreendedor ou terceiros; e
      • Os títulos ou contratos ofertados devem ser objeto de oferta pública.

Os requisitos acima apresentados tem sido basilares na análise da CVM sobre a emissão de stop orders em casos de ICO que se caracterizem como oferta de valores mobiliários ao mercado normalmente sob a forma de CIC, como no caso da Atlas Quantum[4].

 

Na análise de caso da Iconic, o relator da CVM complementou a questão por meio da definição dos elementos caracterizadores de um CIC, partindo do inciso IX do já mencionado artigo 2º da Lei nº 6.385/76. Assim, estes foram os questionamentos estabelecidos pela autarquia no Processo Administrativo Sancionado CVM nº 19957.003406/2019-91:

      • Buscou-se captar recursos de investidores por meio de uma oferta pública?
      • Os investidores aportaram (ou foram chamados a aportar) dinheiro ou outro bem suscetível de avaliação econômica?
      • Os recursos captados na oferta (ou que se buscava obter com a oferta) foram (ou seriam) aplicados em um empreendimento coletivo?
      • O aporte foi (ou seria) feito na expectativa de lucros, decorrentes de um direito de participação, de parceria ou alguma forma de remuneração (inclusive resultante de prestação de serviços)?
      • Os resultados esperados do investimento adviriam, exclusiva ou preponderantemente, dos esforços do empreendedor ou de terceiros?
      • Assim, por meio da resposta aos questionamentos acima elaborados, a autarquia decidiu em entender o ICO realizado como oferta irregular de valores mobiliários e multar o emissor pela irregularidade cometida.

Tendo em vista os requisitos e questionamentos estabelecidos pela CVM, pode-se concluir que a entidade ainda não possui um entendimento/regulamentação sobre os criptoativos em si, muito embora fiscalize com rigor a espécie e forma de emissão dos valores para captação de mercado.

 

Criptoativos em Fundos de Investimento regulado

 

Em Ofício-Circular publicado em 2018, a CVM, questionada sobre a possibilidade de investimento em criptoativos por Fundos de Investimento, posicionou-se a definir que os fundos regulados pela autarquia não podem realizar investimentos diretos nesta espécie de ativos por não serem ativos financeiros.

 

Contudo, via comunicado encaminhado aos administradores e gestores de fundos regulados em setembro do mesmo ano, a autarquia ponderou sobre o investimento indireto nesses ativos, desde que observadas alguns cuidados e diligências específicas dos administradores e gestores dos respectivos fundos.

 

Desta forma, aplica-se o disposto no artigo 23 da Instrução CVM nº 558/2015 ao estabelecer que “O gestor de recursos deve implementar e manter política escrita de gestão de riscos que permita o monitoramento, a mensuração e o ajuste permanentes dos riscos inerentes a cada uma das carteiras de valores mobiliários”.

 

Por fim, cabe-se considerar que, apesar de todas as nuances e discussões acerca da natureza e regulamentação de criptoativos, estes ativos ainda carregam incerteza e desregulamentação quanto à sua utilização, investimento e finalidade, restringindo-se, por hora, a CVM a posicionar-se sobre a forma da emissão de captação de recursos em mercado, permitindo ainda a realização de investimentos indiretos em criptoativos por Fundos de Investimento regulamentados pela CVM.

 

Possui dúvidas ou gostaria de saber mais sobre assuntos relacionados a regulamentação de criptoativos? Entre em contato.

 

Escrito por Ricardo Ferle.

 

[1] https://www.investidor.gov.br/publicacao/Alertas/alerta_CVM_CRIPTOATIVOS_10052018.pdf

[2] PA CVM nº RJ2003/0499

[3] Processo Administrativo nº RJ 2007/11593

[4] Deliberação CVM Nº 826 de 13 de agosto de 2019

O dever dos sócios de não competirem

o dever dos sócios de não competirem com a sociedade

O dever de não concorrência, em seu sentido mais amplo, deve ser abordado sob duas óticas distintas capazes de alterar totalmente o entendimento sobre o tema, sendo elas: (i) o dever dos sócios de não competirem com a sociedade; e (ii) a exigibilidade e validade das cláusulas de não concorrência em contratos específicos.

De forma geral, o dever de não concorrência, em qualquer de suas óticas, define-se por restringir um sujeito a prestar atividades, informações, ou até mesmo, financiar atividades que possam ser consideradas semelhantes ou relativas ao objeto da sociedade ou contrato em questão.

Temática ainda foi pouco explorada pela doutrina e jurisprudência brasileira

Em primeiro lugar, quando falamos da figura dos sócios de uma sociedade limitada, existem deveres fiduciários inerentes a esta função que são importantes para a compreensão do presente tema.

Por dever fiduciário entende-se o conjunto de obrigações a serem realizadas pelos sócios a fim de garantir que se alcance o melhor interesse/objeto social da sociedade. Assim, o dever de fidúcia basicamente consiste no compromisso dos sócios em serem leais à sociedade e buscarem, acima dos próprios interesses, a execução do objeto da sociedade da forma mais atrativa possível a ela, sendo este um compromisso com a própria sociedade, com os demais sócios e com eventuais investidores.

Sabendo disso, questiona-se o seguinte: considerando os deveres fiduciários inerentes à figura do sócio, estaria ele descumprindo estes deveres ao concorrer com a própria sociedade?

De fato, esta temática ainda foi pouco explorada pela doutrina e jurisprudência brasileira, aplicando-se a discussões desta natureza os deveres fiduciários de administradores em sociedades anônimas, os quais consistem em agir de modo a maximizar os resultados da companhia e atender seus interesses e dos acionistas, sendo que todas as discussões sobre este tema em sociedades limitadas ainda são obscuras.

É necessário compreender a diferença de natureza entre as sociedades de pessoas e sociedades de capital

Dito isso, para avançarmos neste assunto, é necessário compreendermos a diferença de natureza entre as sociedades de pessoas e sociedades de capital. Fato é que em todas as sociedades a serem analisadas possuem os dois elementos (capitais e pessoas) em sua criação a definição, sendo impossível a ausência de algum destes elementos. O que distingue, portanto, um tipo de outro é a sobreposição de um sob o outro, sendo que aquele que for preponderante em relação ao outro será o fator principal e distintivo do tipo societário que está sendo tratado.

A primeira espécie a ser tratada é a sociedade de pessoas, que se caracteriza por priorizar a relação humana na constituição da sociedade, o que quer dizer que é fator decisivo na constituição da sociedade a pessoa com a qual está sendo feita a associação, ficando o objetivo financeiro/pecuniário em desvantagem com relação ao objetivo pessoal.

Dessa forma, cabe dizer que os elementos materiais relacionados àquela pessoa não constituem o motivo principal de sua associação, cedendo assim lugar para a aproximação por questões pessoais, subjetivas e relacionais que motivam tais partes a se relacionarem em um ambiente de sociedade, o que qualifica a sociedade de pessoas como um tipo societário baseado no intuitu personae.

A sociedade de capitais, por sua vez, baliza toda sua criação e gestão no intuitu pecuniae, que nada mais é do que a não personificação do sócio na sociedade, passando a ser relevante sua contribuição material para a sociedade e não sua contribuição pessoal.

Isto posto, cabe fazer aqui somente uma exceção à regra das sociedades de capitais, que são algumas sociedades anônimas fechadas, que por restringirem a livre circulação das ações ao mercado e a terceiros, podem caracterizar a existência do affectio societatis (característica predominante e existente nas sociedades de pessoas) em uma sociedade do tipo de capitais.

Distinção é fundamental para determinar se há ou não dever de não competição entre sócios

Assim, considerando as distinções de natureza acima descritas, esta diferença será fundamental para se compreender a existência ou não de um dever dos sócios de não competirem com a sociedade

Caso estejamos diante de uma sociedade de pessoas, o argumento dos deveres fiduciários dos sócios impedirem a concorrência ganham força, principalmente se considerarmos que na prática, atualmente, os sócios da sociedade de pessoas estão constantemente envolvidos em questões administrativas e gerenciais da sociedade, fazendo com que a concorrência se torne prejudicial à sociedade.

Por sua vez, tendo em vista que nas sociedades de capitais o aspecto material sobrepõe-se ao aspecto pessoal, na maioria das vezes estamos tratando de um mundo ideal onde existe a extrema cisão entre propriedade e controle, ou seja, o sócio passa a figurar mais como um investidor que como um administrador, razão pela qual aceita-se com mais facilidade a ideia de permitir a concorrência entre os sócios, sendo que tal facilidade de aceitação não se estende à figura do administrador.

A efetividade das cláusulas de non-compete

As cláusulas de não concorrência são, em sua grande maioria, utilizadas em contratos onde a pessoa que está deixando a operação possui informações estratégicas sensíveis, comprometendo-se a não praticar pessoalmente, ou por terceiro, qualquer ato de concorrência para com a outra parte.

Contudo, apesar de ser possível a utilização desta cláusula em contratos particulares, muito se discute sobre a exigibilidade do período de não concorrência, uma vez que tirar um sujeito do mercado de trabalho por um determinado período pode afetar diretamente sua capacidade de sobrevivência e sua saúde financeira.

Dito isso, diante das nuances envolvendo a efetividade desta cláusula, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem se posicionado no sentido de permitir a validade desta cláusula desde que respeitados e observados alguns requisitos conforme abaixo demonstrado:

A jurisprudência do TST tem se firmado no sentido de que, conquanto a estipulação de cláusula de não concorrência cinja-se à esfera de interesses privados do empregador e do empregado, imprescindível para o reconhecimento da validade de tal ajuste a observância a determinados requisitos, dentre os quais: a estipulação de limitação territorial, vigência por prazo certo e vantagem que assegure o sustento do empregado durante o período pactuado, bem como a garantia de que o empregado possa desenvolver outra atividade laboral. Tais requisitos, todavia, não restaram atendidos

Assim, pode-se afirmar que a estipulação de cláusulas de non-compete é válida desde que observados os limites territoriais e temporais adequados, bem como uma contrapartida financeira que assegure a subsistência da parte pelo período estabelecido.

Nossa equipe se coloca à disposição para mais esclarecimentos.

Escrito por Ricardo Ferle.

ATA DE APROVAÇÃO DE CONTAS EM SOCIEDADES LIMITADAS

PARA AS SOCIEDADES LIMITADAS QUE ADOTAM O ANO CIVIL (TÉRMINO DIA 31 DE DEZEMBRO) COMO ANO FISCAL, O PRAZO FINAL PARA ARQUIVAMENTO DA ATA É 29 DE ABRIL DE 2022.


O Código Civil determina, no seu artigo 1.078, que a prestação de contas do administrador, em sede de Assembleia de Sócios, deve realizar-se, ao menos uma vez por ano, até no máximo quatro meses após o fim do exercício social, e deve deliberar sobre o balanço patrimonial e o resultado econômico da sociedade.

Para Sociedades de Grande Porte (ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais), aplicam-se as regras das Sociedades por Ações no tocante a escrituração e elaboração de demonstrações financeiras, além, da obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na CVM, nos termos do art. 3º e parágrafo único da Lei 11.638/2007.

O balanço patrimonial e o balanço de resultado econômico devem ser disponibilizados pelos administradores, por escrito, aos sócios, com até 30 dias de antecedência da realização da assembleia ou reunião de sócios.

Na hipótese de não apresentação dos documentos necessários para a prestação de contas por parte do administrador, os sócios que não exercem a administração poderão propor uma Ação de Prestação de Contas, nos termos do art. 550 do Código de Processo Civil.

Todos os sócios, exceto sócios administradores, devem votar pela aprovação ou não, das contas, podendo ainda aprová-las com ressalvas.

Se a aprovação do balanço patrimonial e do balanço de resultado econômico for feita sem ressalvas, os administradores não mais poderão ser responsabilizados pelos atos praticados, salvo erro, dolo ou simulação.

Caso identifique-se qualquer hipótese de fraude, dolo, erro ou simulação na prestação de contas, após aprovadas, esta, poderá ser anulada no prazo máximo de dois anos, a partir da sua aprovação.

Importante ressaltar que, para requerimento de recuperação judicial, pedido de autofalência, defesa contra ações falimentares, bem como, para a aprovação de algumas linhas de crédito, junto a instituições financeiras, e até a participação em determinados processos licitatórios, é necessário a apresentação das contas, devidamente aprovadas.
Para maiores informações sobre o assunto, entre em contato com nossa equipe.

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