O Filtro de Relevância – Uma revolução no Superior Tribunal de Justiça

filtro de relevância do Superior Tribunal de Justiça

Uma mudança histórica na legislação processual brasileira aconteceu no último dia 14 de julho: a promulgação da Emenda Constitucional 125 e, com ela, a aprovação do chamado filtro de relevância do Superior Tribunal de Justiça. No que consiste este filtro? De onde veio sua necessidade de aprovação?

Qualquer defensor da democracia e do devido processo legal sabe da importância dos recursos em um processo judicial. Sem dúvidas, é primordial que nosso sistema jurídico garanta a revisão das decisões de primeira instância. Justamente por isso, de modo geral, adotamos no Brasil o princípio do duplo grau de jurisdição.

Muito se fala, porém, da existência de uma suposta terceira instância – o Superior Tribunal de Justiça. Apesar da fama, o STJ não foi originalmente criado para ser, de fato, uma terceira instância, mas sim, para uniformizar a jurisprudência nacional e garantir o cumprimento de leis federais infraconstitucionais. Até mesmo porque, em tese, não se é permitido discutir questões de fato perante a corte, sendo vedado o reexame das provas produzidas nos autos.

Ainda assim, na prática, as partes tinham maneiras de interpor o chamado “recurso especial”, direcionado ao STJ, sobre os mais diversos assuntos. Em verdade, todos os anos, o STJ recebe cerca de 10 mil novos recursos a serem julgados por ministro. Só em 2020, foram recebidos no total 354.398 recursos[1]. Por certo, essa quantidade extraordinária de processos inviabiliza o julgamento com maior rigor, além de implicar em maior lentidão para o julgamento de cada um dos casos.

O chamado “filtro de relevância” do Superior Tribunal de Justiça promete mudar este cenário. Com a promulgação da Emenda Constitucional 125, o texto constitucional foi alterado, sendo determinado que, para ser admitido um recurso especial, a parte recorrente deverá comprovar a relevância das questões abordadas para além da relação entre as partes. A ideia é que este filtro seja semelhante à “repercussão geral”, que já é requisito para a admissibilidade de recursos extraordinários no Supremo Tribunal Federal.

Caso o STJ entenda que o recurso especial não tem relevância para ser examinado pela corte, bastará que 2/3 dos ministros votem neste sentido e o recurso não será admitido. Confira o texto constitucional na íntegra:

“Art. 105, §2º, CF: No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento”.

Todavia, a mudança não valerá para todos os recursos especiais. O novo parágrafo 3º do artigo 105 da Constituição Federal determina que serão obrigatoriamente considerados relevantes os recursos envolvendo os seguintes temas:

“Art. 105, § 3º, CF: Haverá a relevância de que trata o § 2º deste artigo nos seguintes casos:

I – ações penais;

II – ações de improbidade administrativa;

III – ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos;

IV – ações que possam gerar inelegibilidade;

V – hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de Justiça;

VI – outras hipóteses previstas em lei”.

Sobre a importância deste novo requisito, bem destacou o Ministro Presidente do STJ, Humberto Martins[2]:

“A PEC corrige uma distorção do sistema, ao permitir que o STJ se concentre em sua missão constitucional de uniformizar a interpretação da legislação federal. O STJ, uma vez implementada a emenda constitucional, exercerá de maneira mais efetiva seu papel constitucional, deixando de atuar como terceira instância revisora de processos que não ultrapassam o interesse subjetivo das partes”

Ainda, o Ministro Mauro Campbell Marques destacou que a qualidade dos julgamentos na Corte Superior deve aumentar com a aplicação do filtro[3]:

“O filtro vai dar maior qualidade aos feitos que aportam no STJ. É absolutamente inconsequente o que nós temos hoje, em que a 2ª Seção se reúne para discutir se cachorros podem subir no elevador de serviço ou social. Ou a gente se reunir para discutir a execução fiscal de R$ 1,27. Esse tipo de processo não vai aportar no STJ. Não há como julgar bem e qualificadamente com esse volume processual. E a PEC corrige na raiz esse problema”.

Não há dúvidas de que o filtro de relevância trará inúmeros benefícios ao poder judiciário, garantindo um melhor uso do STJ, além de contribuir para a razoável duração dos processos. Ainda assim, pairam algumas dúvidas sobre o tema: sobre quais assuntos, precisamente, o recurso especial precisa tratar para ser considerado relevante? O quanto a emenda efetivamente reduzirá em termos de recursos julgados no STJ? Só o tempo poderá dar as respostas.

Ainda assim, desde já, para os operadores do direito, vale destacar que a mudança já está vigente! O recurso especial interposto depois da promulgação da Emenda Constitucional 125, ou seja, depois de 14/07/2022 têm de comprovar sua relevância, sob pena de não conhecimento.

Quer saber mais sobre o assunto? Entre em contato conosco!

[1] Fonte: https://www.poder360.com.br/congresso/camara-aprova-pec-que-cria-filtro-para-stj-aceitar-recursos/, acesso em 17/07/2022

[2] Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/14072022-Filtro-de-relevancia-do-recurso-especial-vira-realidade-com-a-promulgacao-da-Emenda-Constitucional-125.aspx, acesso em 17/07/2022

[3] Fonte: https://www.poder360.com.br/congresso/camara-aprova-pec-que-cria-filtro-para-stj-aceitar-recursos/, acesso em 17/07/2022.

Escrito por Andrey Ventura

Os efeitos da (não) declaração de beneficiário final (Ultimate Beneficial Ownership – UBO) para representantes e custodiantes de Investidores Não-Residentes (INR’S)

Os efeitos da (não) declaração de beneficiário final para representantes e custodiantes de investidores não-residentes

As entidades com obrigação em declarar à Receita Federal o beneficiário final de investidores não-residentes que não a realizarem terão seu CNPJ suspenso e ficarão impedidas de transacionar com estabelecimentos bancários, inclusive no tocante à movimentação de contas-correntes, à realização de aplicações financeiras e à obtenção de empréstimos, como descrito no artigo 9º da Instrução Normativa (IN) 1.863/2018 da Receita Federal.

A obrigação mencionada nesta IN trata-se da necessidade de apresentar à Receita Federal as pessoas autorizadas a representar o CNPJ em questão, bem como toda a cadeia de participação societária até alcançar as pessoas naturais caracterizadas como Beneficiários Finais ou alguma das exceções legalmente previstas.

Para os efeitos legais, a IN já mencionada qualifica como Beneficiário Final aquele que enquadrar-se em uma das duas afirmativas a seguir: (i) A pessoa natural que, em última instância, de forma direta ou indireta, possui, controla ou influencia significativamente a entidade; ou (ii) A pessoa natural em nome da qual a uma transação é conduzida.

Decorrendo da explicação contida na IN, é necessário compreender o conceito de influência significativa para fins de UBO. Tal conceito encontra-se caracterizado quando uma pessoa natural possui mais de 25% de participação societária na entidade, ou quando exerce a preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da entidade, ainda que sem controlá-la e, em ambos os casos, direta ou indiretamente.

Considerando as regras gerais acima dispostas, existem exceções que, quando devidamente demonstradas, excetuam-se à obrigação de declaração de UBO, sendo abaixo demonstradas as exceções legalmente previstas:

 

      • Companhias de capital aberto no Brasil: Pessoas jurídicas constituídas sob a forma de sociedade por ações de capital aberto;
      • Companhias de capital aberto no exterior: As pessoas jurídicas cujas ações sejam regularmente negociadas em mercado organizado reconhecido pela CVM que exijam a publicação de seus acionistas relevantes;
      • Entidades sem fins lucrativos: As entidades sem fins lucrativos que não atuem como administradoras fiduciárias ou estejam sediadas em locais com tributação favorecida;
      • Organizações internacionais: os organismos multilaterais ou organizações internacionais, bancos centrais, entidades governamentais ou fundos soberanos, e as entidades por eles controladas;
      • Entidades de previdência: As entidades de previdência, fundos de pensão e instituições similares, desde que fiscalizadas e reguladas por autoridade governamental competente;
      • Fundos de Investimento regulados pela CVM: Os FIP’s devidamente regulamentados pela CVM que tenham informado, via e-Financeira, as informações dos cotistas de cada fundo por eles administrados;
      • Fundos de investimento destinados a acolher recursos de planos de benefício de previdência: Desde que regulados e fiscalizados por autoridade governamental competente;
      • Veículos de investimento coletivo internacional: Tais entidades devem ter cotas ou títulos que sejam negociados em mercado organizado e regulado por órgão conhecido pela CVM, bem como outros requisitos mais específicos; e Entidades Individuais: Empresário Individual, Sociedade Limitada Unipessoal, Sociedade de Advogados e demais.

Não obstante às exceções acima mencionadas, além de outras entidades detalhadas no texto normativo, os bancos comerciais, bancos de investimento, custodiantes globais e as sociedades ou entidades que tenham por objetivo distribuir emissão de valores mobiliários, ou atuar como intermediários na negociação de valores mobiliários registrados e reconhecidos pela CVM devem prestar as informações acerca da declaração de UBO somente mediante solicitação da Receita Federal.

Além disso, as entidades constituídas sob a forma de trusts ou veículos fiduciários similares não devidamente enquadradas nas exceções legais apresentadas anteriormente devem apresentar os documentos solicitados no prazo de 90 (noventa) dias de sua constituição.

Por fim, tendo em vista a atuação e as responsabilidades presentes na atuação dos representantes legais e custodiantes de INR’s, principalmente no caso de INR’s 4.373, bem como a penalização com a suspenção do CNPJ e impedimento de movimentações bancárias do INR em caso de não entrega da declaração, a realização do UBO é fundamental para evitar problemas com as operações e ordens de movimentação de ativos vinculados aos CNPJ’s dos representados.

No caso de qualquer dúvida sobre a obrigação em declarar o beneficiário final de investidores não-residentes e a realização de declaração, entre em contato com nossa área societária através do e-mail societario@veiga.law.

Escrito por Ricardo Ferle.

O que fazer para proteger sua marca de uso indevido?

O que fazer para proteger sua marca de uso indevido

Em 2018, a empresa Muriel cosméticos foi condenada a pagar 20% sobre seu faturamento com a venda do produto ALISENA por reproduzir embalagem notadamente semelhante à marca Maizena. Em seguida as partes firmaram um acordo no valor de R$ 1.720.000,00 para pôr um fim à disputa judicial. Casos assim levam à reflexão: o que fazer para proteger sua marca de uso indevido?

Entenda o caso: a empresa de cosméticos Muriel lançou uma linha de cosméticos para cabelos chamada ALISENA, com amido de milho em sua composição e com embalagem imitando a identidade visual característica da marca MAIZENA.

O que fazer para proteger sua marca de uso indevido
O que fazer para proteger sua marca de uso indevido

A cópia da identidade visual (trade-dress) da embalagem da Maizena, com sua singularidade, distintividade e tradição, em conjunto com a semelhança fonética do nome, tinha como claro objetivo induzir o consumidor a fazer uma associação entre os dois produtos e confundi-lo, fazendo-o acreditar que estava adquirindo um produto com a qualidade e tradição da Maizena.

A marca Maizena foi lançada em 1856 nos Estados Unidos e, desde então, pouco mudou o layout da sua tradicional embalagem. No Brasil, a Unilever é a detentora dos direitos de exploração da marca desde o ano 2000. Sendo que, o primeiro depósito de pedido de registro da marca remonta ao ano de 1938, o que demonstra sua inegável titularidade e preocupação com a proteção da marca. Frisa-se que só foi possível impedir o uso indevido da marca por conta do registro vigente.

Definição de marca e importância do registro

Segundo a definição do órgão responsável pelo registro de marcas, Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), “marca é todo sinal distintivo, visualmente perceptível, que identifica e distingue produtos e serviços, bem como certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificações técnicas.”

Portanto, só podem ser registrados como marca os sinais visuais. Não é possível, de acordo com a lei brasileira, o registro de sinais sonoros, gustativos ou olfativos.

O principal benefício do registro de marcas é a garantia do direito de uso exclusivo de uma determinada marca em território nacional, o que representa para seu titular um importante diferencial competitivo no mercado.  

O registro garante o direito de uso exclusivo da marca em determinado ramo de atividade econômica. No entanto, é possível que um terceiro obtenha o registro do mesmo nome, porém para atuar em atividade totalmente distinta, desde que o INPI entenda que o registro da nova marca não levará o consumidor ao erro, causando confusão na hora da escolha do produto ou serviço.

Marca de alto renome

O titular das marcas amplamente reconhecidas pelo público em geral pode solicitar o reconhecimento de alto renome de registro de marca. As marcas que alcançam este patamar de reconhecimento no mercado de consumo podem garantir não somente a exclusividade de uso no seu ramo de atividade, mas sim, em todos os seguimentos de mercado.

Para obter a condição de marca de alto renome o solicitante deve comprovar três requisitos fundamentais:

      • Reconhecimento da marca por ampla parcela do público brasileiro em geral;
      • Qualidade, reputação e prestígio que o público brasileiro em geral associa à marca e aos produtos ou serviços por ela assinalados e
      • Grau de distintividade e exclusividade do sinal marcário em questão.

Alguns exemplos de marcas de alto renome que não podem ser reproduzidas, independentemente do ramo de atividade são: Coca-Cola, Nike, Red Bull, Bombril, Rexona, Itaú, Google, Visa, Omo, SBT, Havaianas e inclusive a marca Maizena.

Proteção da propriedade intelectual

A garantia de exclusividade significa que se um terceiro usar o nome de sua marca ou seu logotipo indevidamente, será possível acionar a Justiça para impedi-lo, além da possibilidade de se pleitear danos morais caso isso ocorra. Portanto, somente o registro pode afastar o uso indevido da marca, a concorrência desleal e até mesmo fraudes.

Portanto, atenção! Quem não registra a marca não é dono e corre grande risco de outra pessoa (física ou jurídica) registrar primeiro. Se isso acontecer, pode-se perder o direito de uso da marca e até mesmo ser demandado judicialmente, além de ter que pagar uma indenização pelo uso indevido.

Por outro lado, o registro além de proporcionar segurança e credibilidade a sua marca, permite a sua negociação e licenciamento para uso de terceiros, por exemplo, através de contratos de cessão de uso de marca. A depender da projeção da sua marca, estas transações podem render bons retornos financeiros.

A proteção de marcas encontra previsão na Lei nº 9.279/96 — Lei da Propriedade Industrial (LPI) e o órgão responsável pela concessão do registro de marca é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI)

O INPI é uma autarquia federal que foi criada em 1970 para substituir o antigo Departamento Nacional de Propriedade Industrial.

Além do registro de marcas, o INPI oferece proteção para patentes, desenhos industriais, indicações geográficas, programas de computador, topografias de circuitos integrados e contratos de tecnologia e de franquia.

A legislação prevê 4 formas de apresentação de registros de marca:

      •  Nominativa – forma escrita (palavra)
      • Figurativa – representada apenas por desenhos e símbolos
      • Mista – caracterizada pela combinação de letras e desenho
      • Tridimensional – a forma de um produto, quando é capaz de distingui-lo de outros produtos semelhantes

Para depositar sua marca é preciso indicar quais produtos ou serviços que se busca proteger. Para tanto, o INPI adota a Classificação Internacional de Produtos e Serviços de Nice (NCL, na sigla em inglês). Existem 45 classes (atividades) ao todo, sendo que, as classes listadas do 1 a 34 são classes de produto, e do 35 a 45 são classes de serviço. Todavia, não se trata de uma lista taxativa, existem listas auxiliares para complementar o rol de classificação.

Com o registro da marca, o titular garante seu direito de exclusividade de uso da marca pelo período de 10 anos, podendo renová-la indefinidamente, sempre por períodos iguais.

O tempo médio para a obtenção do registro é de um ano e meio e a atuação de um profissional experiente é fundamental para evitar surpresas desagradáveis e assim aumentar as chances de sucesso.

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Autoria: Everson Ferreira da Silva

Incentivos fiscais e o tratamento tributário dado a esses benefícios

Incentivos fiscais e o tratamento tributário dado a esses benefícios

Tema muito popular entre as empresas, vamos elucidar questões relativas às diferenças entre subvenções de investimento e custeio e o tratamento tributário dado para os benefícios concedidos pelos entes tributantes para este fim. Conheça os incentivos fiscais dados pelos Estados e o tratamento tributário dado a esses benefícios.

Logo de plano, destacamos os ensinamentos trazidos pelo Professor Souto Maior Borges, onde nos desperta a ideia de que o termo “subvenção” está intimamente ligado à ideia de um auxílio, ajuda, “no Direito Público, particularmente no Direito Financeiro, embora também se revista de caráter não remuneratório e não compensatório, deve submeter-se ao regime jurídico público relevante.[…]. É categoria de Direito Financeiro e não de Direito Tributário.

Ao analisar essa ideia, do ponto de vista estritamente jurídico, temos que a subvenção não tem o caráter nem de pagar nem de compensação. Nas palavras da doutrina predominante: “É mera contribuição pecuniária destinada a auxílio em favor de uma pessoa, ou de uma instituição, para que se mantenha, ou para que execute os serviços ou obras pertinentes a seu objeto.”

Em nossa legislação há uma definição de subvenção trazida conforme disposto no artigo 12, §3º, II, do Decreto 4.320/1964, que estatui normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, vejamos:

§ 3º Consideram-se subvenções, para os efeitos desta lei, as transferências destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, distinguindo-se como:

II – subvenções econômicas, as que se destinem a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril.

Deste modo, considerando todas as premissas, acima destacadas, é possível concluir que as subvenções são uma espécie de investimento em que o órgão publico concede ao particular, não com o ingresso efetivo de capital, mas sim com a concessão de benesses na esfera fiscal (crédito presumido, isenção, diferimento, dentre outros).

Esclarecido o conceito de subvenção, agora faz-se necessário estabelecer as diferenças entre subvenção de custeio e subvenção de investimento, que poderá impactar diretamente em sua tributação e é o que veremos, tanto pela visão jurídica quanto pela visão contábil.

Olhar jurídico e contábil em relação às subvenções de custeio e investimento

Logo de plano destacamos que a própria distinção conceitual entre ambas as subvenções está definida e positivada nas legislações tributária e societária.

Nesse sentindo cabe-se afirmar que as subvenções para investimentos distinguem-se das subvenções para custeios na medida em que as primeiras, são caracterizadas pela não tributação e prestam-se à expansão de atividades econômicas relevantes para o Estado, já as subvenções de custeio são face às despesas correntes da empresa, sendo passíveis de tributação, pelo olhar do fisco.

Ou seja, a diferença crucial entre ambas é que uma destina-se exclusivamente para o crescimento/expansão das atividades econômicas, enquanto a outra busca diminuir a janela de custos empresarial.

Sobre o conceito de receita, do ponto de vista jurídico, podemos afirmar, segundo os ensinamentos de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, que: “receita é a quantidade de valor financeiro, originário de outro patrimônio, cuja propriedade é adquirida pela sociedade empresária ao exercer as atividades que constituem as fontes do resultado, conforme o tipo de atividade por ela exercida

Em razão do entendimento acima exposto, pode-se afirmar que juridicamente a subvenção não tem o caráter de pagar nem de compensação.

A lei 4.506/1964, coadunando com o entendimento acima exposto, especialmente no tocante às subvenções de custeio, assevera que:

Art. 44. Integram a receita bruta operacional:

IV – As subvenções correntes, para custeio ou operação, recebidas de pessoas jurídicas de direito público ou privado, ou de pessoas naturais.

Porque apenas as subvenções de custeio integram a receita bruta e são passíveis de tributação

Diante da leitura do trecho acima mencionado, surge um questionamento, por que apenas as subvenções de custeio integram a receita bruta operacional e portanto passível de tributação?

Com base no entendimento contábil isso se justifica porque a subvenção de custeio faz parte do ativo circulante, ou seja, impactam diretamente no lucro líquido, reduzindo diretamente o custo operacional.

Já no caso das subvenções de investimento, ela compõe o ativo não circulante da empresa, tornando-se neutras em relação ao lucro líquido, destinando-se ao acréscimo do ativo permanente.

E para atender os preceitos da legislação vigente, em nenhuma das hipóteses o empresário não terá acesso, uma vez que ambas devem necessariamente permanecer em conta de “reserva de incentivos fiscais” junto ao PL da entidade.

Portanto, diante do quanto exposto, podemos concluir que: (i) a não tributação das transferências por subvenção econômica é a regra; (ii) não tributá-las não constitui benefício fiscal e por isso torna-se inconstitucional a inclusão de transferência patrimoniais por subvenção para investimentos na base de cálculo do IRPJ e CSLL e PIS e COFINS; e (iii) desde que não haja a transferência de recursos, sua contabilização em desacordo com as regras contábeis não podem acarretar a imediata tributação.

Posicionamento da Receita Federal e do Judiciário quanto ao tema

Analisamos especificamente a Solução de Consulta COSIT nº 15, proferida recentemente, em 29.03.2022.

Na aludida análise, corroborando com o entendimento acima exposto, entende a Receita Federal do Brasil que o contribuinte deve seguir as diretrizes contidas no §4º, do art. 30 da Lei nº 12.973/2014, vejamos:

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

INCENTIVOS FISCAIS. INCENTIVOS E BENEFÍCIOS FISCAIS OU FINANCEIROFISCAIS RELATIVOS AO ICMS. SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO. LUCRO REAL. EXCLUSÃO. EXISTÊNCIA, REQUISITOS E CONDIÇÕES.

A partir da Lei Complementar nº 160, de 2017, os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS, concedidos por estados e Distrito Federal e considerados subvenções para investimento por força do § 4º do art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, poderão deixar de ser computados na determinação do lucro real desde que observados os requisitos e as condições impostos pelo art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, dentre os quais, a necessidade de que tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

Deste modo, considerando e observando as diretrizes contidas na Lei nº 12.973/2014, entende a Receita Federal do Brasil.

Como Receita Federal entende tributação caso sócios desvirtuem valores

Ainda neste mesmo sentido, conforme acima pregoado, caso os sócios desvirtuem os valores oriundos destes investimentos, a Receita Federal entende pela tributação destes valores, confira-se;

LUCRO REAL. SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO. INCENTIVOS FISCAIS DO ICMS. AQUISIÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS. POSSIBILIDADE CONDICIONADA.

A aquisição de participação societárias com recursos oriundos de subvenções para investimento concedidas na forma de incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS não afasta o direito de exclusão previsto no art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, desde que respeitadas todas as condições que constam no mesmo artigo, inclusive que a aquisição esteja relacionada com o estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

Já no poder judiciário, tivemos ao longo do tempo diversas alterações de entendimentos sobre a tributação ou não de benefícios concedidos pelos entes federativos.

Inicialmente, destacamos que a 2º Turma do STJ apresentava grande divergência no seu entendimento quanto à possibilidade ou não para tributar os incentivos fiscais concedidos pelos Estados, vejamos:

2. A Primeira Turma, recentemente, por ocasião do julgamento do REsp1.210.941/RS, Rel. p/ Acórdão Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe14/11/2014, ao decidir pela impossibilidade de inclusão do crédito presumido do IPI na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, posicionou-se no sentido de que esse benefício fiscal não deve ser caracterizado como lucro da pessoa jurídica, mas, sim, como incentivo estatal para que a atividade do contribuinte seja melhor desempenhada e, por isso, não pode justificar a imposição de outros tributos, sob pena de mitigar ou até mesmo esvaziar a benesse concedida. Esse entendimento, mutatis mutandis, também deve ser aplicado ao crédito presumido de ICMS, já que constitui benefício fiscal de mesma natureza.

Consoante a jurisprudência do STJ, o crédito presumido do ICMS, ao configurar diminuição de custos e despesas, aumenta indiretamente o lucro tributável e, portanto, deve compor a base de cálculo do IRPJ e da CSLL (AgRg no REsp 1.448.693/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, …)

Incentivos recebidos não podem ser tributados

Dadas as discussões acima elencadas, os casos de igual temática foram levados à 1ª Seção do STJ, cujo entendimento foi consolidado para determinar que os incentivos recebidos não poderiam ser tributados, sob pena de ferir o pacto federativo, vejamos:

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. ICMS. CRÉDITOS PRESUMIDOS CONCEDIDOS A TÍTULO DE INCENTIVO FISCAL. INCLUSÃO NAS BASES DE CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DA PESSOA JURÍDICA – IRPJ E DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO – CSLL. INVIABILIDADE. PRETENSÃO FUNDADA EM ATOS INFRALEGAIS. INTERFERÊNCIA DA UNIÃO NA POLÍTICA FISCAL ADOTADA POR ESTADO-MEMBRO. OFENSA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO E À SEGURANÇA JURÍDICA.  BASE DE CÁLCULO. OBSERVÂNCIA DOS ELEMENTOS QUE LHES SÃO PRÓPRIOS. RELEVÂNCIA DE ESTÍMULO FISCAL OUTORGADO POR ENTE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO FEDERATIVO. ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. INCONSTITUCIONALIDADE ASSENTADA EM REPERCUSSÃO GERAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE N. 574.706/PR). AXIOLOGIA DA RATIO DECIDENDI APLICÁVEL À ESPÉCIE. CRÉDITOS PRESUMIDOS. PRETENSÃO DE CARACTERIZAÇÃO COMO RENDA OU LUCRO. IMPOSSIBILIDADE.

(…)

V – O modelo federativo por nós adotado abraça a concepção segundo a qual a distribuição das competências tributárias decorre dessa forma de organização estatal e por ela é condicionada.

VI – Em sua formulação fiscal, revela-se o princípio federativo um autêntico sobreprincípio regulador da repartição de competências tributárias e, por isso mesmo, elemento informador primário na solução de conflitos nas relações entre a União e os demais entes federados.

VII – A Constituição da República atribuiu aos Estados-membros e ao Distrito Federal a competência para instituir o ICMS – e, por consequência, outorgar isenções, benefícios e incentivos fiscais, atendidos os pressupostos de lei complementar.

VIII – A concessão de incentivo por ente federado, observados os requisitos legais, configura instrumento legítimo de política fiscal para materialização da autonomia consagrada pelo modelo federativo. Embora represente renúncia a parcela da arrecadação, pretende-se, dessa forma, facilitar o atendimento a um plexo de interesses estratégicos para a unidade federativa, associados às prioridades e às necessidades locais coletivas.

IX – A tributação pela União de valores correspondentes a incentivo fiscal estimula competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à cooperação e à igualdade, pedras de toque da Federação.

XIV – Nos termos do art. 4º da Lei n. 11.945/09, a própria União reconheceu a importância da concessão de incentivo fiscal pelos Estados-membros e Municípios, prestigiando essa iniciativa precisamente com a isenção do IRPJ e da CSLL sobre as receitas decorrentes de valores em espécie pagos ou creditados por esses entes a título de ICMS e ISSQN, no âmbito de programas de outorga de crédito voltados ao estímulo à solicitação de documento fiscal na aquisição de mercadorias e serviços.

XV – O STF, ao julgar, em regime de repercussão geral, o RE n. 574.706/PR, assentou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, sob o entendimento segundo o qual o valor de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, constituindo mero ingresso de caixa, cujo destino final são os cofres públicos. Axiologia da ratio decidendi que afasta, com ainda mais razão, a pretensão de caracterização, como renda ou lucro, de créditos presumidos outorgados no contexto de incentivo fiscal.

XVI – Embargos de Divergência desprovidos.

STJ dirimiu controvérsia

Diante do trecho acima elencado, é possível observar que o STJ dirimiu a controvérsia ora exposta para determinar que os valores obtidos a partir dos benefícios fiscais não são passíveis de tributação, no caso, pelos tributos federais.

Cabe ressaltar, inclusive, que o acórdão supracitado trouxe ao debate um ponto extremamente relevante e favorável aos contribuintes, uma vez que na decisão ora analisada é possível observar a menção ao RE nº 574.706/PR, que determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS.

Significa, portanto, dizer que o acórdão acima estudado deu respaldo ao contribuinte não só do ponto de vista legal, como também do ponto de vista fiscal, o que confere maior segurança jurídica às relações desta natureza.

Deste modo, desde que haja um planejamento tributário e contábil eficiente e eficaz, os contribuintes os quais possuem alguma outorga dos entes federativos não os submeterão à tributação, como muitos órgãos agora começam a entender.

Quer saber mais sobre este ou outros assuntos jurídicos? Entre em contato conosco.

Autoria: Richard Búffalo

 

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