direitos dos sócios minoritários

Quando se opta em fazer parte de uma sociedade, independentemente de sua natureza, existem três espécies de sócios que são possíveis de se identificar, o Sócio Controlador, o Sócio Majoritário e o Sócio Minoritário.

A figura do sócio controlador é caracterizada pela Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976) como “(…) a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.”[1]

Por sua vez, a figura do sócio majoritário representa aquele que possui a maior quantidade de ações/quotas da sociedade e tem preponderância nas deliberações sociais, ao passo em que, o sócio minoritário, objeto de estudo deste artigo, é o sócio que conta com um percentual de participação insuficiente para deliberar sozinho sobre os assuntos da sociedade, ou seja, é aquele que não possui o controle da sociedade.

Dessa forma, tendo sido evidenciada a diferença entre o majoritário e o minoritário, torna-se visível a diferença de patamar existente entre ambos, resultando em uma impotência decisória do minoritário, que faz com que ele esteja, em algumas situações, refém das decisões tomadas pelos sócios majoritários.

Assim, visando equilibrar um pouco a situação entre os sócios foram criados alguns instrumentos de uso exclusivo dos sócios minoritários que podem ser utilizados em determinadas situações trazidas pela Lei. Nas palavras de Carvalhosa[2]:

“(…) os direitos da minoria, que pressupõe ante de tudo a titularidade de um número mínimo de ações, conforme a matéria do interesse dos minoritários. Pressupõem mais que o acionista não faça parte do grupo controlador, ou seja, isoladamente, controlador. São prerrogativas que, da mesma forma, têm caráter de inderrogabilidade e intangibilidade, não podendo, portanto, ser alteradas, senão por lei. Também não podem ser objeto de renúncia ou disponibilidade dos acionistas”.

Tendo em vista a busca do fornecimento de instrumentos aos sócios minoritários, passamos a expor adiante alguns dos principais instrumentos conferidos a eles por meio da legislação atual.

Direitos essenciais dos sócios minoritários

A Lei das Sociedades Anônimas, em seu artigo 109 elenca os chamados “Direitos Essenciais” a serem conferidos a qualquer acionista/sócio de qualquer sociedade, dispondo o seguinte:

Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembleia-geral poderão privar o acionista dos direitos de:

I – participar dos lucros sociais;

II – participar do acervo da companhia, em caso de liquidação;

III – fiscalizar, na forma prevista nesta Lei, a gestão dos negócios sociais;

IV – preferência para a subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição, observado o disposto nos artigos 171 e 172;     

V – retirar-se da sociedade nos casos previstos nesta Lei.

Assim, os direitos acima qualificados são irrenunciáveis por parte dos sócios minoritários e não podem ser removidos, sob qualquer justificativa ou documento, pelos sócios majoritários.

Direito de recesso

O direito de recesso é um dos instrumentos mais importantes e mais protetivos conferidos aos sócios minoritários, conferindo a eles a faculdade de retirar-se da sociedade mediante a ocorrência de algumas situações legalmente previstas nos artigos 136 e 137 da Lei das Sociedades Anônimas, como por exemplo a alteração de objeto social da companhia, fusão, incorporação ou cisão da companhia e redução do dividendo obrigatório.

Contudo, esse direito deve ser encarado como de caráter excepcional, uma vez que, para exercê-lo, o sócio deverá demonstrar os prejuízos oriundos das diretrizes da companhia, demonstrar, inegavelmente, sua titularidade sobre as ações e consequente posição de sócio e exercer o direito de recesso dentro do prazo fixado.

Direito de voto

O princípio e regra geral de aplicação é que cada ação/quota está acompanhada de um direito a voto nas deliberações sociais, presumindo-se que o voto está integrado na própria ação, de forma que qualquer exceção a essa regra, seja estatutária ou legal, deve ser expressamente mencionada.

O artigo 111 da Lei das Sociedades Anônimas[3] prevê a existência das chamadas “ações preferenciais”, que, por sua vez, desde que expressamente previsto no estatuto social da companhia, poderá deixar de atribuir o poder de voto às ações preferenciais. Contudo, tal supressão do direito de voto somente será considerada válida nos casos em que haja efetiva vantagem patrimonial na distribuição dos dividendos pela companhia.

Cabe dizer ainda que, nos termos do parágrafo primeiro do artigo acima mencionado[4], nos casos em que não tenha sido realizada a distribuição dos dividendos prevista no estatuto social, as ações preferenciais passarão a possuir o poder de voto até que seja realizado o pagamento que está em atraso.

Assim, a Lei permite a criação de ações preferenciais que não prevejam o direito a voto dos sócios, desde que haja uma compensação financeira com relação a distribuição de dividendos da companhia, sendo que, o número de ações preferenciais não poderá ser superior ao equivalente à 50% das ações da companhia.

Direito de preferência

O direito de preferência conferido aos sócios, envolvendo neste aspecto todas as suas categorias e não só os minoritários, prevê que, no caso de aumento de capital da sociedade, os sócios poderão optar por adquirir, na proporção de sua participação atual, as ações a serem emitidas para o aumento de capital, conforme tratado no artigo 171 da Lei das Sociedades Anônimas.[5]

O direito de preferência foi ainda utilizado como uma forma de proteção dos sócios minoritários contra a diluição de sua participação na sociedade, de forma que o direito de preferência não se restringe à emissão de novas ações pela companhia, mas abarca também a preferência à subscrição de bônus, de partes beneficiárias conversíveis em ações e de debêntures conversíveis.

Ainda, nos casos em que exista previsão no estatuto social da sociedade, o direito de preferência também será aplicado na hipóteses de alienação de ações por parte de um dos sócios, fazendo com que os demais sócios que forem permanecer na sociedade tenham o direito de realizar a compra das ações ofertadas na proporção de sua participação atual na companhia.

Direito ao “Tag Along”

O direito ao Tag Along confere ao sócio minoritário a possibilidade de, no caso de uma alienação de controle da companhia, realizar a alienação de suas ações de forma conjunta com o vendedor com uma oferta que seja de um valor de, no mínimo, igual a 80% do valor pago por cada ação ordinária (ação com direito a voto). Neste sentido, o artigo 254-A da Lei das Sociedades Anônimas dispõe o seguinte:

 Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.

De forma complementar, para efeitos práticos entende-se como alienação do controle da sociedade a transferência, direta ou indireta, das ações que integram, ou venham a integrar por meio de futura conversão, o bloco de controle da sociedade.

Ainda, a Lei das Sociedades Anônimas[6] permite que o comprador do controle da companhia ofereça aos sócios minoritários a opção de permanência da empresa por meio do pagamento de um prêmio equivalente à diferença entre o valor de mercado das ações e o valor pago por cada ação que antes integrava o bloco de controle da sociedade.

Demais direitos relevantes

De forma complementar aos direitos já mencionados acima, trazemos também alguns dos direitos considerados como relevantes por Modesto Carvalhosa[7] atribuídos aos sócios minoritários:

Para os acionistas titulares de ações representativas de 5% ou mais do capital social, a Lei Societária reserva os seguintes direitos:

  • requerer em juízo a exibição de livros (art.105);
  • requerer por correspondência a convocação de assembleia geral da companhia fechada (art. 124);
  • requerer cópia dos documentos que se acham à disposição dos acionistas, na sede social, para a realização de assembleia geral;
  • solicitar informações aos administradores de companhia aberta sobre os interesses patrimoniais deles, representados por valore mobiliários de emissão da companhia, bem como benefícios ou vantagens recebidas e condições dos contratos de trabalho e, ainda, quaisquer atos ou fatos relevantes nas atividades da companhia (art. 157);
  • propor ação de responsabilidade contra os administradores (art. 124).


Por fim, àqueles sócios que representam 10% do capital votante da companhia, a lei prevê o direito de eleger um membro do conselho fiscal e requerer seu funcionamento e requerer a adoção do voto múltiplo para eleição de membros do Conselho de Administração.

Conclusão

Como sustentando no início desse artigo, existe nas sociedades uma disparidade natural entre os sócios majoritários e minoritários com relação ao poder decisório na sociedade, disparidade essa que ocorre, na grande maioria das vezes, por conta de os valores mais significantes terem sido aportados pelos sócios majoritários.

Contudo, buscando diminuir tal disparidade de forma a garantir o mínimo de segurança aos sócios minoritários, os direitos acima mencionados são utilizados de forma a prever eventuais injustiças ou situações de extremo risco aos minoritários.

Portanto, deixando claro a necessidade de análise documental de cada caso e as particularidades inerentes a cada sociedade, nos procure caso queira mais informações ou auxílio jurídico para proporcionar a maior qualidade possível na relação existente entre os sócios de uma companhia.

Referências:

[1] Artigo 116, Lei 6.404/1976.

2 CARVALHOSA, Modesto, Tratado de Direito Empresarial, Volume III, Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 474

3 Art. 111. O estatuto poderá deixar de conferir às ações preferenciais algum ou alguns dos direitos reconhecidos às ações ordinárias, inclusive o de voto, ou conferi-lo com restrições, observado o disposto no artigo 109.

4  § 1º As ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos, deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso.

5 Art. 171. Na proporção do número de ações que possuírem, os acionistas terão preferência para a subscrição do aumento de capital.

6 Art. 254 – A (…) § 4o O adquirente do controle acionário de companhia aberta poderá oferecer aos acionistas minoritários a opção de permanecer na companhia, mediante o pagamento de um prêmio equivalente à diferença entre o valor de mercado das ações e o valor pago por ação integrante do bloco de controle.

7 CARVALHOSA, Modesto, Tratado de Direito Empresarial, Volume III, Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 494


[1] Artigo 116, Lei 6.404/1976.

[2] CARVALHOSA, Modesto, Tratado de Direito Empresarial, Volume III, Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 474

[3] Art. 111. O estatuto poderá deixar de conferir às ações preferenciais algum ou alguns dos direitos reconhecidos às ações ordinárias, inclusive o de voto, ou conferi-lo com restrições, observado o disposto no artigo 109.

[4]  § 1º As ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos, deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso.

[5] Art. 171. Na proporção do número de ações que possuírem, os acionistas terão preferência para a subscrição do aumento de capital.

[6]  Art. 254 – A (…) § 4o O adquirente do controle acionário de companhia aberta poderá oferecer aos acionistas minoritários a opção de permanecer na companhia, mediante o pagamento de um prêmio equivalente à diferença entre o valor de mercado das ações e o valor pago por ação integrante do bloco de controle.

[7] CARVALHOSA, Modesto, Tratado de Direito Empresarial, Volume III, Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 494

STF tem voto favorável de Ministro afirmando não se incluir na base de cálculo da CPRB o valor correspondente ao ICMS.

Em um passado não muito distante o STF ao julgar o Recurso Extraordinário nº. 574.706-PR, decidiu por maioria de votos que o ICMS não poderia compor a base de cálculo para o cômputo das contribuições do PIS e da COFINS.

Desde então diversas teses jurídicas foram levadas ao judiciário visando discutir os mesmos pontos que foram debatidos no Recurso Extraordinário nº 574.706-PR, para a exclusão de um tributo da base de cálculo de outro.

Nesse sentido, em 18.09.2020, o STF iniciou o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1187264, no qual se discute a exclusão do ICMS da base de cálculo da CPRB. Destacamos que o contribuinte já possui voto favorável neste caso e que uma decisão a favor pode representar um crédito expressivo às empresas, dado que o período de cálculo destes valores contempla os últimos 60 meses de recolhimento indevido, legalmente corrigidos pela taxa SELIC.

Referências:

RE 1187264 (tema 1048)

o imposto declarado e não pago pode trazer algum tipo de responsabilidade ao sócio administrador da empresa?

SOBRE A INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 1.862 DE 2.018 E SEUS COMANDOS LEGAIS

Em 28.12.2018, foi publicada a Instrução Normativa nº 1862/2018, que dispõe sobre o procedimento de imputação de responsabilidade tributária no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Na Seção II, da IN em comento, podemos verificar que esta trata da imputação de responsabilidade a terceiros com base no simples indeferimento em relação à transmissão da Declaração de Compensação – DCOMP, o que, no mundo empresarial é muito comum de ocorrer, ou seja, o contribuinte, com base em suas apurações contábeis/fiscais, verifica a existência do direito creditório e em razão disso, utilizando as aludidas DCOMPs, realiza o procedimento de compensação, previsto no artigo 156, II, do CTN.

Nesse sentido, destaca-se aqui o quanto consignado na IN 1.862/2018, confira-se:

Art. 9º Na hipótese de não homologação da compensação realizada mediante entrega de Declaração de Compensação, nos termos do § 7º do art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996, a imputação de responsabilidade tributária será realizada no respectivo despacho decisório, que deve observar os requisitos a que se refere o art. 3º, sem prejuízo da imputação no lançamento de ofício da multa isolada a que se refere o § 17 do mesmo dispositivo legal, caso em que será aplicado o disposto nos arts. 2º ao 7º.

Deste modo, considerando o artigo supramencionado é claro o entendimento de que a Receita Federal do Brasil, ao não homologar a declaração de compensação transmitida pelo contribuinte, poderá, respeitando os ditames do artigo 3º desta mesma Instrução Normativa, atribuir responsabilidade a terceiros, que por estes entende-se como os diretores, gerentes ou representantes da empresa, haja vista o seu poder diretivo e decisório.

Após a apuração acima mencionada, o contribuinte arrolado como sujeito passivo da “suposta infração”, poderá, segundo a Instrução Normativa, defender-se mediante a apresentação de Impugnação administrativa face ao despacho decisório que não homologou a respectiva DCOMP.

E foi com base em tais atos, o de inclusão de sócios no polo passivo da “suposta infração”, pelo mero inadimplemento ou erro formal na transmissão da DCOMP, que o presente artigo se debruçou em relação à respectiva matéria em debate, buscando esclarecer quais os limites os quais serão ultrapassados pela RFB e o posicionamento do Poder Judiciário e Administrativo[1] em relação à inclusão dos sócios e afins na fiscalização/polo passivo da demanda, bem como possíveis medidas a serem adotas pelo contribuinte buscando mitigar tais riscos, ainda mais no momento instável econômico que o país vem enfrentando.

O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL NOS CASOS ADMNISTRTIVOS E JUDICIAIS

Em relação ao tema que está sendo analisado, é importante destacar que se trata de atribuição de responsabilidade a terceiros, tema este previsto nos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional, e foi com base neste tema que os estudos deste artigo buscaram se aprofundar.

Em razão disso fez-se necessária uma análise do entendimento jurisprudencial firmado tanto na esfera administrativa, quanto na esfera judiciária, CARF e Superior Tribunal de Justiça – STJ, respectivamente.

Mas, antes de expor o entendimento dos respectivos colegiados, faz-se necessário esclarecer a natureza da Declaração de Compensação – DCOMP, que é sem sombra de dúvidas uma obrigação acessória, ou seja, sua função é a de informar o Fisco/RFB acerca da compensação de um possível crédito tributário, conforme acima mencionado.

A obrigação acessória está prevista no artigo 113 do Código Tributário Nacional, cujo teor é o seguinte:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

Conforme se depreende da leitura do artigo supramencionado, precisamente no §3º, pelo simples fato de sua inobservância converte-se em obrigação principal à penalidade pecuniária.

Considerando tal premissa, caso ocorra a sua inobservância, entende-se que a obrigação acessória será equiparada à obrigação principal, esta que por sua vez traduz-se no recolhimento do imposto, o qual teve o seu fato gerador mediante um ato vinculado do contribuinte, ou seja, as operações rotineiras da empresa.

Deste modo, considerando esta equiparação e ainda considerando o quanto escrito no artigo 135 do Código Tributário Nacional, em conjunto com as jurisprudências administrativa e judicial, o entendimento que se tem é o de que a Receita Federal extrapola os limites estabelecidos em lei para incluir os diretores, gerentes ou representantes da empresa no polo passivo da demanda, dada as condições acima mencionadas, sendo que tal conclusão se deu a partir da leitura de diversos julgados perante o CARF[2] e STJ[3].

É importante destacar que, após a análise destes acórdãos, proferidos nos órgãos acima mencionados, o entendimento destes são idênticos de que para haver o redirecionamento da Execução, ou a inclusão da pessoa física no polo passivo da demanda, é patente que haja evidente violação ao quanto disposto no artigo 135 do CTN, quais sejam: atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, sendo que o erro no preenchimento de uma Declaração de Compensação ou o mero inadimplemento de um tributo não configura a hipótese de redirecionamento ou atribuição de responsabilidade a terceiros.

Nesse sentido, é importante destacar abaixo o trecho retirado dos julgamentos do CARF no qual confirma o entendimento de que para que haja a responsabilização dos sócios/administradores é imprescindível que as pessoas físicas infrinjam o quanto disposto no artigo 135, do CTN, confira-se:

CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INTERESSE COMUM. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. São solidariamente responsáveis pelo crédito tributário as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, devendo ser excluídas da responsabilidade solidária as pessoas cujo interesse comum não restar comprovado.

SÓCIO-GERENTE. EXCESSO DE PODERES, INFRAÇÃO DE LEI E CONTRATO SOCIAL. CRÉDITOS RESULTANTES. RESPONSABILIDADE.

O sócio-gerente é responsável pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

SUJEIÇÃO PASSIVA SOLIDÁRIA. SÓCIO COTISTA. EXCLUSÃO DO PÓLO PASSIVO.

O sócio não se confunde com a pessoa jurídica de cujo capital participa, e o inciso III do art. 135 do CTN expressa e restritivamente só atribui a responsabilidade solidária ao sócio administrador em relação aos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos – grifamos.

Neste passo, o entendimento nas instâncias administrativas é o de que as pessoas físicas somente poderão ser responsabilizadas pelo crédito tributário quando estes forem resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, ou seja, o quanto disposto no artigo 135 do Código Tributário Nacional.

Tal análise também foi feita pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, cujo entendimento não se destoou do quanto entendido no CARF, ou seja, que o artigo 135 do CTN é um impeditivo para que o Fisco insira, arbitrariamente, os nomes dos diretores, gerentes ou representantes da empresa no polo passivo da demanda, vejamos:

Não basta, portanto, o simples inadimplemento do tributo, com a falta de seu recolhimento a fim de que se redirecione o feito executivo, mas também imprescindível a comprovação de irregularidades, que poderão ser apuradas em processo administrativo ou judicial.

Neste momento, a pergunta que se provoca para solução da controvérsia é: quais irregularidades seriam aptas a permitir a responsabilização dos sócios? Indubitavelmente, a aplicação do art. 135 do CTN é medida que se impõe. Deverá ficar claro que as irregularidades consistiram na prática de atos com excesso de poder ou quebra das normas legais, contratuais ou estatutárias[4].

Assim, a desconsideração da personalidade jurídica, com a consequente invasão no patrimônio dos sócios para fins de satisfação de débitos da empresa, é medida de caráter excepcional, sendo apenas admitida nas hipóteses expressamente previstas no art. 135 do CTN ou nos casos de dissolução irregular da empresa, que nada mais é que infração à lei.

Como se vê, o ora recorrente ingressou na sociedade após a sua dissolução irregular. Assim, não agiu com excesso de poderes, infração à lei ou ao estatuto. Não sendo cabível o redirecionamento da execução fiscal. Ressalta-se, ainda, que, nos termos da jurisprudência do STJ, o simples inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente[5].

No mais, consoante entendimento consolidado nesta Corte Superior, o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio é cabível apenas quando demonstrada a prática de ato com excesso de poder, infração à lei ou no caso de dissolução irregular da empresa, não se incluindo nas hipóteses o simples inadimplemento de obrigações tributárias, como é o caso de não repasse das arrecadações de contribuições descontadas dos salários dos empregados[6].

Deste modo, contribuindo com o quanto exposto até aqui, estão em linha as jurisprudências inerentes aos casos julgados perante o CARF e STJ.

E com maior profundidade de detalhes e riqueza tal questão foi analisada nos autos do REsp nº 1.326.221/DF, cujos principais trechos serão abordados no presente artigo, confira-se:

Contudo, da análise dos autos, percebe-se a parte recorrente tenta atribuir ao recorrido a responsabilidade pelo pagamento dos tributos não realizado pela empresa, partindo da presunção de que, se o nome do ex-sócio consta da CDA, é porque a cobrança é legítima; nada mais enganoso, pois o que se observa, na prática, é que o Fisco trata os responsáveis pelas pessoas jurídicas como devedores solidários das obrigações tributárias, incluindo seus nomes na CDA indiscriminadamente sem qualquer apuração prévia acerca da existência de atos ilícitos. Mas tal solidariedade não existe, já que a responsabilização do sócio, gerente ou administrador exsurge apenas e tão-somente quando caracterizada uma das situações previstas no art. 135 do CTN – excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou estatuto ou, em caso de dissolução irregular.

Nesse ponto, registra-se que, se a responsabilidade entre empresa e sócio fosse solidária, não haveria a necessidade dessa ressalva expressa do art. 135 do CTN, e o Fisco poderia acionar um ou outro, indistintamente; não é assim, no entanto, que disciplina a legislação tributária. O patrimônio da sociedade e do sócio são, em princípio, incomunicáveis, salvo hipóteses excepcionais e um dos pressupostos para a confusão patrimonial é a demonstração de ato ilícito praticado pelo agente responsável.

Deste modo, com base no excerto acima destacado, é imperioso destacar que além de reconhecer que o redirecionamento de dívida será possível apenas nos casos de violação ao artigo 135 do CTN, o STJ afirma categoricamente que o artigo 135 é uma espécie de trava para que o Fisco não inclua arbitrariamente as pessoas na condição de sócios ou diretores no polo passivo da cobrança.

Considerando o entendimento jurisprudencial exposto, a conclusão que se tem é a de que hoje as premissas do artigo 135 do CTN são uma garantia do contribuinte para que não haja o redirecionamento da dívida em seu desfavor, feita de forma arbitrária.

É importante ressaltar, que tais conclusões se deram a partir de uma detalhada análise jurisprudencial em relação aos tribunais acima mencionados, bem como em estrita observância legal, contudo, o entendimento do FISCO pode ser adverso do quanto aqui consignado, podendo este, mesmo que o contribuinte siga estritamente a legislação vigente, entender por bem em autuá-lo.

O não pagamento de tributos em época de pandemia, pode trazer alguma consequência ao sócio administrador da empresa?

Conforme informado anteriormente e conforme é de conhecimento geral, diversos setores tiveram as suas atividades paralisadas por conta da pandemia ora instaurada no mundo, sendo percebido, inicialmente, nos setores de transporte (público e privado), nos setores de evento, industrial e por fim no comércio, ocasionando um enorme colapso econômico e levando diversos setores a reduzirem custos, mediante a demissão de diversos colaboradores, dentre outras medidas por eles adotadas.

O fato é que estes contribuintes adotaram as mais diversificadas medidas para corte de custos, mas o que eles possuem de similar entre si é a considerável queda de receita pela escassa procura de seus produtos e serviços.

O maior reflexo é visto no cumprimento de suas obrigações tributárias, tendo em vista o baixo, ou quase zero, lucro, levando o contribuinte a deixar de adimplir com tais obrigações.

Tanto é verdade que diversos destes contribuintes precisaram ingressar em juízo com ações judiciais visando a postergação da data de pagamento destes tributos, haja vista o estado de calamidade pública decretado em todo território nacional.

Visando ajudar o contribuinte neste momento de crise, à luz das considerações acima destacadas, o Governo Federal editou a Portaria nº 139/2020, que prorrogou o prazo para o recolhimento de alguns tributos federais, quais sejam: (i) contribuições previdenciárias; (ii) contribuição devida pelo empregador doméstico e (iii) contribuição ao PIS e COFINS.

Embora a administração pública venha se esforçando para manter a economia aquecida neste delicado momento, sabemos que tal ato normativo não é suficiente para ajudar as entidades empresariais, tendo em vista a elevada carga tributária incidente nas operações comerciais, industriais e de serviço.

Em outras palavras, não só a medida acima mencionada foi suficiente para sanar o problema de caixa das empresas, significa dizer que estas ainda estão deixando de pagar um montante considerável a título de tributo, sendo qualificados como inadimplentes junto aos fiscos.

Nesse mesmo sentido, conforme anteriormente exposto, é evidente que neste momento o inadimplemento tributário se dá face ao estado de força maior que  país vem enfrentando, o que nos leva a crer que tal ato é conduzido não pela vontade do contribuinte e sim pela situação caótica na qual o país se encontra.

Com base nesses argumentos entende-se que o contribuinte que deixar de proceder ao pagamento de seus impostos declarados e não pagos, não poderá ser arguido contra si o redirecionamento de uma eventual execução, haja vista (i) a não caracterização de violação ao artigo 135 do CTN e (ii) a ausência de dolo na falta de recolhimento do tributo.

Deste modo, considerando todo o estudo pertinente ao tema em debate, há de se ressaltar que as medidas acima indicadas buscam trazer maior transparência e legitimidade, em conformidade com o ordenamento jurídico, em relação às decisões tomadas pelos administradores das sociedades empresárias, de modo a mitigar os riscos de interpretação em relação à suposta violação às premissas contidas no artigo 135, do CTN, os quais, segundo a jurisprudência analisada, são uma forma de garantia do contribuinte (pessoa física), a fim de evitar a arbitrariedade estatal em incluí-los no polo passivo de uma demanda tributária.

É possível concluir desta maneira, à luz da jurisprudência firme que se forma em torno das esferas administrativa e judicial, especialmente em torno desta, cujo entendimento é o de que a responsabilidade do sócio/administrador frente às ações da pessoa jurídica apenas poderão serem invocadas em caso de evidente prova de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, frente às respectivas sociedades empresarias, ou, salvo tais hipóteses, em caso de caracterização de dissolução irregular.

Referências:

INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 1.862 DE 2.018;

Código Tributário Nacional (artigos 156,II; 134; 135; 113; 113, §3º)

Acórdãos do CARF nºs: 301-003.996 e 1401-003.491; e

RECURSO ESPECIAL Nº 1.601.373 e 1.326.221.


[1] Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF

[2] 301-003.996 e 1401-003.491

[3] AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.601.373 – DF; AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.611.500 – SC; AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.225.565 – SP; RECURSO ESPECIAL Nº 1.326.221 – DF e EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 374.139 – RS

[4] AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.601.373 – DF

[5] AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.611.500 – SC

[6] AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.225.565 – SP

prints são provas? existe outro meio de atestar a veracidade além da ata notarial?

Com o uso maciço das redes sociais, internet, ferramentas de comunicação, aplicativos e outros modos de comunicação, é comum a visualizações de mensagens, vídeos e publicações que soam ofensivas, o que poderia desencadear questões na esfera intima das pessoas jurídicas ou físicas.

Além de tais questões ofensivas, cada vez mais aumenta-se o uso indevido de imagens, fotos e marcas sem qualquer autorização de seu titular, caracterizando também abuso por parte dos infratores.

Com a população mundial necessitando estar mais em sua casa, muitas violações, xingamentos e fraudes migraram para o mundo virtual. Logo, muitas pessoas ao verificar algum ilícito, a primeira e única atitude de muitos usuários é apenas de “printar” a tela do celular ou do computador e, após um período, questionar o advogado sobre a possibilidade de entrar com algum tipo de ação e as medidas judiciais cabíveis.

Em um primeiro ponto, é importante destacar que para a simples remoção de conteúdos ofensivos, basta a indicação da URL (link) do conteúdo e o print anexado na ação judicial para comprovar as alegações, não necessitando de maiores produções probatórias nestes casos, nos termos do art. 19 do Marco Civil da Internet:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.

Assim, em ações mais simples e que não envolvam danos morais, marcas e comprovação de autoria do ilícito, muitas vezes apenas a URL com a tela da publicação é suficiente para suprir a demanda e os anseios das partes. Veja que tal questão é amplamente aplicada nos Tribunais desta federação:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DECISÃO QUE DEFERIU A TUTELA ANTECIPADA. PUBLICAÇÃO OFENSIVA EM REDE SOCIAL ADMINISTRADA PELA AGRAVANTE (“FACEBOOK”). ORDEM JUDICIAL QUE DETERMINOU A EXCLUSÃO DO CONTEÚDO. NECESSIDADE DE INDICAÇÃO CLARA E ESPECÍFICA DAS RESPECTIVAS URL’S, NOS TERMOS DO ART. 19, § 1º, DO MARCO CIVIL DA INTERNET. INOBSERVÂNCIA. CIRCUNSTÂNCIA QUE TORNA IMPOSSÍVEL O CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. PRECEDENTES. DECISÃO REFORMADA. “(.) (…) 4. Necessidade de indicação clara e específica do localizador URL do conteúdo infringente para a validade de comando judicial que ordene sua remoção da internet. O fornecimento do URL é obrigação do requerente. Precedentes deste STJ. 5. A necessidade de indicação do localizador URL não é apenas uma garantia aos provedores de aplicação, como forma de reduzir eventuais questões relacionadas à liberdade de expressão, mas também é um critério seguro para verificar o cumprimento das decisões judiciais que determinarem a remoção de conteúdo na internet. 6. Em hipóteses com ordens vagas e imprecisas, as discussões sobre o cumprimento de decisão judicial e quanto à aplicação de multa diária serão arrastadas sem necessidade até os Tribunais superiores. 7. O Marco Civil da Internet elenca, entre os requisitos de validade da ordem judicial para a retirada de conteúdo infringente, a “identificação clara e específica do conteúdo”, sob pena de nulidade, sendo necessária a indicação do localizador URL. (…)”. (REsp 1.629.255/MG, rel. ª Min.ª Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 22.08.2017). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

(TJ-SC – AI: 40129027820178240000 Itapema 4012902-78.2017.8.24.0000, Relator: Jorge Luis Costa Beber, Data de Julgamento: 09/11/2017, Primeira Câmara de Direito Civil)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. OBSCURIDAE. SANEAMENTO. ORDEM DE REMOÇÃO DE CONTEÚDO OFENSIVO. NECESSIDADE DE INDICAÇÃO DA URL VÁLIDA E ESPECÍFICA DA PÁGINA EM QUE INSERIDO. Apontada a existência de obscuridade no acórdão embargado, deve ser sanado o vício a fim de esclarecer a questão. Conforme dispõe o art. 19, § 1º, da Lei nº 12.965/14, há necessidade de indicação do endereço eletrônico válido onde foram postados os conteúdos que a parte agravada pretende a remoção. EMBARGOS DECLARATÓRIOS ACOLHIDOS, SEM EFEITO INFRINGENTE.

(TJ-RS – EMBDECCV: 70082984121 RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Data de Julgamento: 20/11/2019, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: 22/11/2019)

Agora imaginemos a situação que envolva a comprovação de publicação do conteúdo, que se discuta o dano moral, uma difamação, envio de mensagens indevidas e dentre outras situações mais complexas (como uso indevido de marca ou propriedade intelectual).

Apenas o “printar”, atitude corriqueira e mais imediata dos usuários, da tela dos aparelhos é correta, mas não deve ser única para o ajuizamento de uma ação. Conforme será demonstrado, meramente a tela, o print é uma prova sem muita comprovação jurídica e apenas a sua juntada pode ser determinante entre a procedência da ação ou não.

Para que apenas o print tenha força probante, sem que seja comprovada a sua veracidade em etapas antes da ação, muitas vezes é necessária a anexação de outras provas que podem ser custosas do ponto de vista monetário e podem postergar o regular andamento da ação.

Veja que em uma ação judicial, o juiz ou o requerido (ré) podem solicitar a perícia no aparelho (computador ou celular) para atestar a veracidade do conteúdo demonstrado no print, o que pode tornar a ação mais morosa. Tal atitude que pode parecer exagerada para muitos é o que garante a segurança da mensagem.

Imagine o caso de alguém ajuizar algumas ações arguindo a cobranças indevidas via aplicativo WhatsApp ou algum comerciante arguir que o alguém ou algum concorrente esteja usando indevidamente a sua marca, agora imagine que as telas foram montadas para comprovar tal direito? Estar-se-ia a causar verdadeiras injustiças caso o juiz, ou o próprio réu, não exigisse provas mais robustas.

Ante a fácil manipulação das imagens pelo usuário, a cópia meramente da tela torna-se uma prova fraca do ponto de vista jurídico. Em que pese o art. 369[1] do Código de Processo Civil expressar que cabem as partes empregar todos os meios legítimos, ao juiz cabe a sua valoração para verificar se o direito é cabível ou não.

Logo, a captura da tela pode ser modificada antes de sua apresentação em juízo e sua comprovação nos autos, por meio de perícia ou prova testemunhal, pode tornar o processo moroso e mais custoso.

Antes do avanço dos usos tecnológicos e das Lawtechs (aplicativos ou softwares criados para desburocratizar e aperfeiçoar o judiciário em sentido amplo) o mais usual era a confecção de ata notarial para comprovar a existência e validade do print.

A Ata notarial, para ser confeccionada, deve a parte ou o advogado comparecer ao cartório de notas. A Ata nada mais é que a representação da expressão de algo sem qualquer juízo de valor realizada pelo cartorário. Nas palavras de Paulo Ferreira:

“Ata notarial é o instrumento público pelo qual o tabelião, ou preposto autorizado, a pedido de pessoa interessada, constata fielmente os fatos, as coisas, pessoas ou situações para comprovar a sua existência, ou o seu estado.”[2]

A Ata Notarial é prova e possui força probante maior que meramente o print de uma tela, visto que a atestado por cartório que o conteúdo é visto como tal pelo cartorário. O art. 384 do Código de Processo é expresso neste sentido:

Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.

Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.

Logo, muitas empresas e pessoas começaram a adotar a Ata Notarial para comprovar uma imagem capturada na internet, ensejando maior validade jurídica aos fatos. Vejam que tal prova é valorado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:

APELAÇÃO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSUBSTANCIADA EM FORNECER PLANO NACIONAL – INEXISTÊNCIA DE PRODUTO – PROVA DIABÓLICA – INEXISTÊNCIA – Prova que poderia ser produzida com a simples juntada dos produtos oferecidos pelo grupo, inclusive com a confecção de ata notarial que emprestaria força probante a print de tela – Ré que, entretanto, nem juntou documentos nesse sentido, nem requereu produção de provas, denotando desinteresse total na instrução – Dificuldade que poderia ser superada, mas não o foi por negligência da parte – Sentença mantida – Recurso desprovido.

(TJ-SP – AC: 10178407020188260100 SP 1017840-70.2018.8.26.0100, Relator: Costa Netto, Data de Julgamento: 29/05/2019, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/05/2019)

Ação de obrigação de fazer c.c. indenização por danos morais. Sentença de improcedência. Compra e venda de aparelho televisor pela internet. Controvérsia acerca da própria existência do negócio jurídico. Ausência de prova acerca do “site” em que realizado o negócio. “Print” de tela admissível como possível indício, cuja prova contundente exigia a elaboração de ata notarial (art. 384, CPC). Fraude em ambiente virtual (“phishing”), do qual sobreveio alteração do código de barras do boleto para pagamento. Impossibilidade de atribuição de responsabilidade à ré por fato de terceiro. Sentença mantida. Apelo improvido.

(TJ-SP – AC: 10078536920178260609 SP 1007853-69.2017.8.26.0609, Relator: Soares Levada, Data de Julgamento: 26/10/2018, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/10/2018)

Contudo, a produção da Ata Notarial não é barata e a depender da ocorrência do fato, ela pode se tornar ineficaz. Quanto aos valores, o preço praticado pelos Tabelionatos no Estado de São Paulo[3] é de R$ 466,87 (quatrocentos e sessenta e seis reais e oitenta e sete centavos) somente a primeira página e o valor de R$ 235,75 (duzentos e trinta e cinco reais e setenta e cinco centavos) pelas páginas adicionais, o que torna muito caro para a maioria da população a sua produção.

Assim, a depender do tamanho do conteúdo a ser transcrito e demonstrado, o valor da Ata Notarial pode ser superior a R$ 1.000,00 (mil reais). Outro percalço da Ata Notarial é a necessidade de algumas vezes levar o aparelho que contenha a imagem para a sua confecção pelo cartorário, além da parte se atentar ao horário de funcionamento dos cartórios de notas.

Outro problema da produção da Ata Notarial existe ante a dinamicidade da internet, visto que um conteúdo postado ou mensagem enviada pode ser apagado em questão de horas ou minutos, deixando a única comprovação da violação do direito perecer e a produção da prova custosa.

Verificando a fragilidade da questão e dos altos custos para a Ata Notarial, surgiram lawtechs que possuem o objetivo de desburocratizar e baratear a produção destes tipos de provas com a mesma validade probatória das Atas Notariais.

Antes de adentrar as novas ferramentas que tornam o processo mais rápido e barato da captura de telas, os artigos 369 em conjunto com o art. 411 do Código de Processo Civil, considera que um documento possa ser considerado autêntico quando estiver identificado por qualquer outro meio de certificação:

Art. 411. Considera-se autêntico o documento quando:

(…)

II – A autoria estiver identificada por qualquer outro meio legal de certificação, inclusive eletrônico, nos termos da lei;

Com a Pandemia do Covid-19, muitos advogados, operadores do direito e pessoas físicas/jurídicas ficaram impossibilitadas de confeccionar a Ata Notarial, visto a perda do poder aquisitivo ou a necessidade de comparecer ao cartório, começaram a surgir novas ferramentas que tornam mais ágil a validade da captura de tela.

Atualmente, a ferramenta mais utilizada é conhecida como Verifact, cujo papel é o registro online de fatos ocorridos na internet, com a mesma confiança e integridade dada à Ata Notarial. Também existem outros aplicativos que fazem a mesma função, como a OriginalMy.

Essas ferramentas registram as telas de forma remota sem que existam contaminações das imagens, e-mail, mensagem, conteúdos, dentre outros, assegurando e garantindo a integridade pelo uso do HASH[4]. Além de outros meios de assegurar a sua integridade e anterioridade, utiliza-se certificados ICP/BRASIL para garantir mais segurança.

Logo, os usuários ao verificarem alguma situação na internet, podem remotamente, de forma rápida e menos custosa, garantir a validade e a integridade da imagem a ser capturada.

Seguindo as tendências desta nova ferramenta, que pode ser utilizada por qualquer pessoa, o Ministério Público da Bahia decidiu utilizar-se dela para a captura de provas digitais, tornando o processo mais barato e ao mesmo tempo mais ágil. No mais, outras delegacias e órgãos já a utilizam. Para tanto, recorta-se trecho de reportagem publicada no Conjur sobre o assunto:

De acordo com a CEO e cofundadora da empresa de tecnologia, Regina Acutu, a Verifact permite o registro instantâneo da prova que, entre tantas funcionalidades, poderá ser utilizada contra os chamados haters da internet — ainda que as informações ofensivas venham a ser removidas mais tarde. “E tudo isso pode ser feito por um valor 20 vezes menor que o preço cobrado pela ata notarial em vários Estados do Brasil”, diz Regina.

(…)

Avaliada por juristas como “material de alta confiança probatória quanto à sua existência, origem e autenticidade”, a Verifact vem sendo cada vez mais utilizada e recomendada por advogados e investigadores de polícia. A ferramenta é citada, inclusive, no Manual de Interceptação Telefônica e Telemática do renomado delegado Higor Jorge, da Polícia Civil de São Paulo.

“A Verifact é uma plataforma on-line que permite a captura e a preservação de técnica de fatos ocorridos no ambiente online (…), automatizando práticas comuns na área forense digital e medidas técnicas efetivas contra fraude e manipulação no processo de registro”, diz Higor Jorge nas páginas 134 e 135 de seu livro.

Portanto, ao verificar algum ilícito na internet, o ideal é contatar imediatamente o seu advogado para garantir a prova e sua integridade, o qual saberá o melhor meio para a questão. Na impossibilidade de contato, tentar utilizar tais ferramentas para garantir a sua integridade e, não sendo possível, tentar obter outras provas além do print a ser capturado.

Logo, o print pode ser meio de prova, mas ante a possibilidade de manipulação da imagem, ela é uma prova frágil e, a depender da complexidade da ação, ela deve ser evitada, devendo ser utilizada outras ferramentas ou a produção da Ata Notarial para dar robustez a prova.

Referências:

A vítima de xingamentos na internet e as providências que devem ser tomadas

Prints de Conversas no WhatsApp servem como prova em ação judicial?

Não apague as suas mensagens de Whatsapp, elas podem ser usadas como prova!

MP da Bahia assina acordo técnico para registro de provas digitais

Fundamentação

Startup combate impunidade no meio digital dando agilidade ao registro de provas


[1] Disponível em: Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.

[2] FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger; RODRIGUES, Felipe Leonardo. Ata Notarial – Doutrina, prática e meio de prova, p. 112. São Paulo: Quartier Latin, 2010.

[3] Disponível em: https://www.1cartoriosjc.com.br/?pG=X19wYWdpbmFz&idPagina=73

[4] Conforme site do Wikipedia “Um hash (ou escrutínio) é uma sequência de bits geradas por um algoritmo de dispersão, em geral representada em base hexadecimal, que permite a visualização em letras e números (0 a 9 e A a F), representando um nibble cada. … Essa sequência busca identificar um arquivo ou informação unicamente.”.

A responsabilidade patrimonial dos ex-sócios face às dívidas trabalhistas

Por: Paulo César Veiga

A reforma trabalhista instaurou importantes debates sobre temas antes sedimentados, como o que ora se apresenta pelo art. 10-A da CLT.

De singela redação, o art. 10-A da CLT promoveu importante aproximação conceitual entre o direito empresarial e o direito do trabalho, especialmente quanto à extensão da responsabilidade dos sócios e ex-sócios por dívidas da sociedade.

Mesmo que o art. 10-A da CLT tenha se referido apenas à extensão temporal da responsabilidade trabalhista dos ex-sócios, os seus efeitos transcendem da aparente simplicidade redacional, e define novos critérios.

Assim, é diante desse novo cenário, quanto à compreensão da extensão da responsabilidade dos sócios atuais e ex-sócios por dívidas trabalhistas, que se desenvolve a presente abordagem, tendente a suscitar a aproximação de conceitos e soluções acerca de temas correlatos ao direito empresarial e trabalhista.

1.     A RESPONSABILIDADE DELINEADA NO ART. 10-A DA CLT

Da redação do art. 10-A da CLT, para logo se observa que ali é tratado o sensível assunto da responsabilidade trabalhista dos sócios atuais e ex-sócios, perante os empregados da sociedade:

“Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência: I – a empresa devedora; II – os sócios atuais; e III – os sócios retirantes. Parágrafo único.  O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato”.

O citado dispositivo refere-se à projeção temporal bienal da responsabilidade trabalhista do ex-sócio que, independentemente do motivo, se desligou do quadro de sócios da sociedade de que antes participava.

A extensão dos efeitos dessa responsabilidade não é novidade em nosso ordenamento jurídico, como já previam os artigos 1.003 e 1.032, ambos do Código Civil.

Porém, a redação do referido art. 10-A da CLT ultrapassa a simples definição temporal da responsabilidade trabalhista por ex-sócios, introduzindo na legislação do trabalho regras de identificação desses responsáveis, e de extensão dessa responsabilização.

Afinal, o citado dispositivo expressamente define uma obrigatória ordem de gradação a ser observada quanto à identificação dos responsáveis pelos débitos trabalhistas, além de bem divisar as hipóteses de responsabilidade subsidiária e solidária.

A figura do ex-sócio protagoniza a redação do art. 10-A da CLT, e talvez essa tenha sido a intenção. Mas uma análise mais detida revela que o sobredito dispositivo igualmente menciona os sócios que ainda integram o quadro societário, para lhes atribuir expressa responsabilidade subsidiária quanto aos débitos trabalhistas de incumbência da sociedade.

Importante destacar que há uma ordem de execução a se cumprir até alcançar o sócio retirante, iniciando-se com o patrimônio da sociedade, aos sócios ativos e por fim o sócio retirante, caso as tentativas anteriores restem frustradas.

O art. 10-A da CLT veio para reforçar o entendimento do CC, com o objetivo de limitar a responsabilidade do sócio retirante por débitos trabalhistas originários no período em que era sócio, de forma subsidiária, delimitando-se a ações propostas até dois anos após a averbação da alteração contratual, desde que observada à ordem da execução.

Com isso, resta claro que o sócio retirante poderá responder pelas responsabilidades trabalhistas da antiga empresa, desde que a ação trabalhista tenha sido proposta dentro do período de dois anos após a sua saída.

Na seara tributária cumpre-nos registrar também que o Colendo Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o simples inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração legal, razão pela qual não há que se falar em responsabilidade tributária de ex-sócio somente por este fato.

Desta feita, o sócio que se retira licitamente da sociedade limitada, mediante transferência de suas cotas, continuando-se o empreendimento com as suas atividades habituais, não responde este por eventuais débitos fiscais contemporâneos ao seu período de permanência no organismo societário.

Todavia, se restar provado, por exemplo, que um sócio formalmente deixou a sociedade mas continua comparecendo na empresa e exercendo seu poder diretivo, ou intervém nas atividades da empresa através de pessoas a ele ligadas, de modo a aclarar que o ocorrido foi apenas uma mudança documental, estará configurada a fraude e, com ela, atraída a responsabilidade solidária em relação aos sócios atuais.

1.1. DO ELEMENTO SUBJETIVO

Por primeiro, merece ser observado que o art. 10-A da CLT não discriminou os sócios atuais ou ex-sócios das sociedades contratuais, dos acionistas atuais ou ex-acionistas das sociedades institucionais, aparentemente igualando-os quanto à responsabilidade ali definida.

Todavia, quanto aos acionistas atuais ou ex-acionistas das sociedades por ações regidas pela Lei nº 6.404/76, a responsabilização prevista no art. 10-A da CLT não lhes é totalmente aplicável.

Em termos gerais, por força dos artigos 117 e 158 da Lei nº 6.404/76, a responsabilização ali prevista não recai sobre todos os acionistas, mas apenas sobre o controlador e os administradores, e tão somente pelos danos decorrentes dos atos praticados com abuso de poder.

Tratando-se, pois, de acionista ou ex-acionista sem poder de controle, na forma do artigo 116 da Lei nº 6.404/76, salvo a prova de atos irregulares de gestão, a responsabilização decorrente da mera qualidade de acionista ou ex-acionista, é afastada.

Nesse sentido a doutrina de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, para quem “a companhia apresenta-se como a única sociedade na qual os acionistas jamais serão obrigados a responder perante terceiros pelas dívidas sociais. A responsabilidade patrimonial destes coloca-se tão somente no plano interno, relacionada à obrigação de integralização do preço de emissão das ações que adquiriram ou subscreveram”. [1]

A extensão da responsabilidade, pois, na forma do art. 10-A da CLT, não teria aplicação em face de acionistas ou ex-acionistas minoritários desprovidos de poderes de gestão ou de controle sobre a Companhia.

Com efeito, ainda que se trate de administrador de sociedade anônima, somente se efetivamente comprovada a ocorrência de gestão fraudulenta, em proveito próprio, é que se poderia direcionar ao mesmo qualquer responsabilização pessoal, como bem observa Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa: “Ao atuar como administrador de uma companhia, não é a pessoa do administrador que age como mandatário daquela, a partir da aplicação da Teoria Organicista. É a própria sociedade presente  em cada negócio realizado, desde que o administrador esteja praticando ato regular de gestão. No entanto, o administrador responderá pessoalmente pelos prejuízos que causar à companhia em duas situações distintas: Quando atuar com culpa ou dolo, mesmo dentro de suas atribuições ou poderes, ou; Quando violar a lei ou o estatuto”. [2]

Já a responsabilização dos acionistas de uma sociedade anônima fechada, porque tal modelo assemelha-se às sociedades contratuais, as responsabilidades dos seus titulares seriam semelhantes às dos sócios quotistas.

Portanto, excetuada a hipótese dos acionistas comuns de uma sociedade anônima aberta, tem-se que o sobredito art. 10-A da CLT será eficaz apenas frente aos demais sócios das sociedades contratuais, sejam estas de natureza empresária ou simples, e, excepcionalmente, aos acionistas de uma sociedade anônima fechada.

1.2. DO SÓCIO RETIRANTE

Como se observa da singela redação do o art. 10-A da CLT, o dispositivo se refere ao sócio que se desliga da sociedade como sendo o “sócio retirante”, com a clara intenção de ilustrar a hipótese genérica de desligamento do sócio.

O termo “retirante”, contudo, carece de esclarecimentos, evitando que a responsabilização de que trata o art. 10-A da CLT seja aplicável apenas ao ex-sócio que exerceu voluntário direito de retirada.

A hipótese merecer ser interpretada de forma mais ampla, abrangendo todas as situações de dissolução parcial da sociedade, tal como preveem os artigos 1.004, parágrafo único e 1.028 a 1.030 e 1.085, todos do Código Civil.

Assim, seja pela morte (CC, art. 1.028), pelo exercício do direito de retirada (CC, art. 1.029), pelo direito de recesso (CC, art. 1.077) ou mesmo pela exclusão (CC, arts. 1.004 e 1.085), tenham os ex-sócios se desligado da sociedade de forma voluntária ou não, serão atingidos pela regra estabelecida no citado art. 10-A da CLT.

Obviamente, em caso de morte do ex-sócio, a eventual responsabilização patrimonial, a atingir o acervo deixado pelo autor da herança, será transmitida na forma da lei civil aos seus respectivos sucessores.

Em resumo, a hipótese prevista no art. 10-A da CLT, ao mencionar a responsabilidade do “sócio retirante”, está a se referir a quaisquer situações que sirvam a configurar a alteração da composição do quadro societário.

2. DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA E SUBSIDIÁRIA

Como já advertido, o art. 10-A da CLT não apenas definiu um limite temporal de responsabilidade trabalhista para os ex-sócios, como estabeleceu um sistema de responsabilização extensível aos sócios atuais, primordialmente subsidiária.     

Considerada a literalidade da redação do art. 10-A da CLT, conclui-se que o legislador não discriminou a causa do desligamento do sócio, limitando-se a considerar que o ex-sócio (retirante) será subsidiariamente responsável pelas dívidas trabalhistas da sociedade.

Será lícito ao credor, contudo, eventualmente invocar a responsabilidade solidária do ex-sócio, como prevê o parágrafo único do art. 10-A da CLT, cabendo-lhe, nesse caso o ônus de comprovar “fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato”.

Assim, e independentemente da causa de desligamento do sócio, a sua responsabilidade trabalhista, projetada por um biênio, será em regra subsidiária, e, excepcionalmente, solidária.

A extensão dos efeitos da responsabilidade aos ex-sócios não é novidade, como bem revelam os já citados artigos 1.003 e 1.032, do Código Civil, sendo certo que o prazo de dois anos a que aludem tem natureza decadencial, como igualmente não pairam dúvidas quanto ao seu termo inicial coincidente com a efetiva averbação (requisito formal) da alteração da composição societária junto aos órgãos competentes.

Não se olvida que a projeção da responsabilidade ao ex-sócio circunscreve-se apenas aos fatos geradores dos débitos trabalhistas, e, desde que surgidos no período em que o ex-sócio integrava o quadro societário da empregadora, independentemente deste ter ou não exercido a administração da sociedade.

Do mesmo modo, não se descuida que tais dívidas devam ser amplamente consideradas, independentemente da sua natureza, mas desde que decorrentes de uma relação de emprego, incluindo as acidentárias.

A par da clareza da norma, quanto à projeção da responsabilidade ao ex-sócio pelo biênio seguinte à averbação da modificação do contrato social, merece atenção a definição, como regra, da hipótese de responsabilidade subsidiária.

Sobre a responsabilidade subsidiária, também chamada de secundária, Ricardo Negrão explica que é “aquela que sujeita outras pessoas e patrimônios às obrigações do responsável primário. Na hipótese de constituição societária, o sócio é responsável secundário, nos termos das regras legais que distinguem cada uma das sociedades”. [3]

2.1. DO BENEFÍCIO DE ORDEM

Ao optar pela responsabilidade trabalhista subsidiária, o legislador robusteceu a personalidade jurídica da empregadora, distinguindo a responsabilidade patrimonial da pessoa jurídica e dos sócios que a compõem, ou já compuseram.

E tal reforço aos efeitos da personificação evidencia-se no art. 10-A da CLT, que expressamente estabelece que os sócios atuais e ex-sócios apenas serão instados a responder pelas dívidas trabalhistas, se a empregadora não o fizer.

Há, pois, responsabilização condicionada, pois os sócios ou ex-sócios somente poderão sofrer atos de constrição patrimonial se a sociedade da qual participam ou participavam, não adimplir o que a Justiça do Trabalho impuser.

Não se trata de hipótese relacionada à desconsideração da personalidade jurídica, mas apenas da projeção da responsabilidade aos sócios atuais e ex-sócios, sobre as obrigações da sociedade empregadora.

Portanto, estabeleceu-se em favor dos sócios atuais e ex-sócios, claro benefício de ordem, a lhes resguardar certa proteção, assim como já prevê o art. 1.024 do Código Civil.

Consequentemente, mesmo o credor trabalhista estará impedido, por disposição expressa, de dirigir as suas pretensões aos sócios atuais ou ex-sócios, sem antes esgotar as alternativas de satisfação dos seus créditos junto ao patrimônio da sociedade empregadora.

Ainda que o art. 10-A da CLT tenha silenciado a respeito, é razoável concluir, com amparo no artigo 795 do CPC, que, em caso de invocação do benefício de ordem pelo sócio atual ou ex-sócio, aos mesmos incumbirá o ônus de comprovar que a empregadora dispõe de patrimônio livre a suportar a dívida reclamada, sob pena de lhes ser imposta responsabilidade solidária.

Sobre o tema, bem observa Fábio Ulhoa Coelho: “A regra da subsidiariedade encontrava-se já no Código Comercial de 1850 e é reproduzida na legislação processual (CPC, art. 795) e Civil (CC, art. 1.024). Não existe no direito brasileiro nenhuma regra geral de solidariedade entre sócios e sociedade (simples ou empresária), podendo aqueles sempre se valer do benefício de ordem, pela indicação de bens sociais livres e desembaraçados, sobre os quais pode recair a execução da obrigação societária”.[4]

Tal solução, não obstante não se encontre definida no artigo em comento, bem se coaduna com os deveres de lealdade e boa-fé processual, sem que com isso seja desconfigurada a referida responsabilidade subsidiária.

CONCLUSÃO

Normalmente distantes em conceitos, princípios e objetivos, o direito empresarial e o direito do trabalho encontram no artigo 10-A da CLT um relevante ponto de convergência a conciliá-los.

A reflexão, ao menos, é necessária, já que a satisfação de créditos trabalhistas eventualmente inadimplidos, inevitavelmente, passa pela adequada compreensão da responsabilidade daqueles que devem suportá-los.

Identificar responsabilidades não se presta apenas a delimitar a extensão subjetiva, objetiva e temporal das eventuais dívidas trabalhistas, mas também, e principalmente, objetiva promover a concreta satisfação dos interesses dos empregados.

A adequada responsabilização igualmente se deve em favor do empresário, que merece ter a necessária segurança jurídica a inspirá-lo prosseguir no exercício de sua empresa, em realização do princípio da livre iniciativa.

Assim, o artigo 10-A da CLT revela uma nova perspectiva a ser considerada, que, certamente, conduzirá à tão almejada segurança jurídica no que respeita à responsabilidade dos sócios e ex-sócios por dívidas trabalhistas.

Notas:

[1] DUCLERC VERÇOSA, Haroldo Malheiros. Curso de direito comercial. v. 3. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 115.

[2] DUCLERC VERÇOSA, Haroldo Malheiros. Curso de direito comercial. v. 3. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 469.

[3] NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 9.ed v. 1. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 287.

[4] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2. Direito de empresa. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 50.

Referências:

CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito comercial. sociedade anônima. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 16.ed. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2012.

DUCLERC VERÇOSA, Haroldo Malheiros. Curso de direito comercial. v. 3. São Paulo: Malheiros, 2008.

GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: Comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 2. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos tribunais, 2008. NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 9.ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 

Entenda como ficou a resolução para investidores não residentes no mercado financeiro nacional

Resolução CMN nº 4.852 de agosto de 2020 altera a Resolução 4.373 de Setembro de 2014 do Banco Central ao dispor sobre a relação dos Investidores Não Residentes com seus custodiantes e registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).  

Por: Ricardo Ferle Castilho

Inicialmente, conforme definido na Resolução 4.373 do Banco Central, são entendidos com Investidores não residentes (INR’s) aqueles que, possuindo residência, sede ou domicílio no exterior, realizam aplicações nos mercados financeiros e de capitais, bem como suas respectivas transações financeiras para o exterior em moeda corrente ou estrangeira.

Por sua vez, o serviço de custódia dos ativos dos investidores classifica-se, segundo definição extraída do site da B3¹, como o “responsável por manter relatórios atualizados e controlar todos os ativos detidos pelo investidor internacional em contas segregadas, fornecendo tais informações, sempre que necessário, às autoridades e ao próprio investido”. Em outras palavras, a custódia é o serviço de manutenção, guarda e atualização dos títulos do investidor negociados no mercado nacional, sendo que os títulos adquiridos pelo investidor ficam depositados em seu nome sob a responsabilidade do custodiante.

Dessa forma, antes da publicação da Resolução do CMN aqui tratada e recentemente publicada, previamente ao início de suas operações o Investidor Não Residente deveria constituir sua representação no País, obter um registro válido na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e constituir ao menos um custodiante para suas operações.

Por meio da Resolução CMN 4.852 foram realizadas algumas alterações a esses requisitos prévios de operação dos Investidores Não Residentes, ao dispor que os Investidores Não Residentes pessoa física não precisa mais constituir um custodiante autorizado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para operar no mercado nacional, ficando tal obrigação exclusiva para os Investidores Não Residentes pessoas jurídicas.

Ainda, referida Resolução disciplinou que com relação à obtenção de registro dos Investidores Não Residentes pessoas físicas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a própria CVM poderá dispor sobre a dispensa do Investidor de fazer cumprir tal registro.

Para mais informações sobre o assunto, entre em contato com nossa equipe.

Referências:

¹ http://www.b3.com.br/pt_br/regulacao/investimento-estrangeiro/

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