A importância da governança corporativa nas startups

Por: Luís Eduardo Veiga

Segundo pesquisa divulgada pelo Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral publicada pelo SEBRAE [1], em média, 25% (vinte e cinco porcento) das Startups morrem com um tempo de vida menor ou igual a 1 (um) ano, 50% (cinquenta porcento) das Startups morrem com um tempo de vida menor ou igual a 4 (quatro) anos e 75% (setenta e cinco porcento) das Startups morrem com um tempo de vida menor ou igual a 13 (treze) anos.

Ainda, com base no material divulgado pelo IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) chamado de “Governança Corporativa em Startups e Scale-ups: Práticas e Percepções”[2] , 59% (cinquenta e nove porcento) dos casos em que há saída de sócios de uma Startup o motivo foi o desalinhamento entre interesses particulares dos sócios a longo prazo.

Nesse cenário de mortalidade de Startups e falta de alinhamento a longo, e as vezes até curto, prazo entre sócios, surge o motivo da importância da Governança Corporativa e todos os demais institutos que a seguem para a sobrevivência e desenvolvimento da Startup.

De forma conceitual, o IBGC define Governança Corporativa como “(…) o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas.”[3] Tal definição, em um primeiro momento, pode dar a entender que Governança Corporativa é um tema a ser abordado pelas empresas em um momento onde já se tenha uma estrutura desenvolvida por envolver aspectos referentes a diretoria e órgãos de fiscalização. Contudo, este instituto de gestão deve ser formalizado o quando antes na empresa, uma vez que, por mais que eventuais conexões com órgãos fiscalizadores e conselhos de administração e diretoria pareça cronologicamente distante, a relação entre os sócios deve ser regulada o mais breve possível visando auxiliar a Startup a caminhar mais longe, com maior agilidade em tomadas de decisões e com um risco exponencialmente menor com relação a questões internas de sua gestão.

Na prática, estabelecemos como princípios básicos ou pilares da Governança Corporativa: (i) a Transparência (sendo entendida como o compartilhamento espontâneo de informações que possam ser relevantes a todas as partes envolvidas na operação); (ii) a Equidade (tratar igualmente todos os sócios e demais partes envolvidas na operação, mas considerando para tal tratamento seus direitos, deveres, necessidades e expectativas); (iii) a Prestação de Contas (os responsáveis pelo negócio e agentes de governança devem prezar por uma prestação de contas clara, concisa e compreensível as demais partes da empresa nunca se esquivando de suas responsabilidades); e, (iv) a Responsabilidade Corporativa (assim entendida como o dever de observar a viabilidade econômica e financeira das operações e alocar todas as espécies de capitais que a empresa possuir da melhor maneira possível visando sempre a obtenção de resultados satisfatórios).

Ainda, as medidas de Governança Corporativa podem assegurar às Startups um diferencial de mercado, uma vez que, conforme dados estatísticos contidos no já mencionado documento emitido pela IBGC acerca dos aspectos práticos da Governança Corporativa, a adoção de medidas de governança pelas empresas encontra-se estatisticamente da seguinte forma:

Imagem obtida em Governança corporativa para startups & scale-ups / Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. São Paulo, SP: IBGC, 2019

Claramente, ainda que a Governança Corporativa seja um tema de inquestionável relevância para a sobrevivência da Startup desde sua criação e ainda sejam por vezes um diferencial de mercado, conforme há um avanço do negócio diferentes questões devem ser abordadas pelos atos de Governança da empresa. Para exemplificar isso, utilizaremos as fases da Startups mencionada no manual de Governança Corporativa para Startups & Scale-ups do IBGC[4], que estão divididas da forma abaixo mencionada aplicando a cada uma delas as medidas de governança cabíveis em cada fase:

  • Fase de ideação: Entende-se como fase de ideação quando a Startup desenvolve a ideia do problema que procura resolver, a fase em que ainda, possivelmente, não há uma operação de fato ou formalização jurídica da existência da Startup.

MEDIDAS DE GOVERNANÇA: Nesta fase, as medidas de Governança a serem implementadas por meio de um acordo firmado entre os sócios envolvem a estruturação dos papéis e responsabilidade dos sócios, a remuneração e futura composição de participação na sociedade, prever, ainda que de forma genérica, as opções de saída dos sócios e analisar os aspectos relevantes à Propriedade Intelectual (registro de marcas e patentes).

  • Fase de validação: Na fase de validação do produto ou serviço a ser oferecido pela empresa (popularmente conhecido como desenvolvimento do MVP “Minimum Viable Product”) as soluções oferecidas encontram-se em fase de testes buscando enxergar eventuais correções e/ou adaptações que sejam necessárias.

MEDIDAS DE GOVERNANÇA: As medidas relevantes a serem tratadas nesta fase fazem referência à regular constituição da empresa, organização formal dos direitos e deveres dos sócios e administradores (para maiores informações sobre responsabilidade dos administradores nas sociedades limitadas clique aqui), organizar as práticas trabalhistas referentes à contratação de funcionários, elaboração de um contrato de prestação de serviços que dê segurança para o início da comercialização da solução oferecida pela empresa, construção de parcerias estratégicas por meio de contratos bem fundamentados e a adoção de indicadores mínimos que sejam capazes de apurar os resultados da empresa.

  • Fase de tração: Nessa fase, o produto ou serviço oferecido pela empresa já foi validado e encontra-se pronto para ser oferecido ao mercado, de forma que os desafios agora consistem na consolidação de uma base de clientes e consequente aumento de faturamento mantendo os princípios e qualidade de entrega que trouxe a Startup até aqui.

MEDIDAS DE GOVERNANÇA: Neste momento da operação o enfoque das medidas de governança deve ser no sentido de consolidar e fortalecer o entendimento dos diferentes papéis existentes na sociedade, inclusive com relação aos papéis de sócios e executivos deixando claro as diferenças de atribuições, responsabilidades e recebimentos entre eles, bem como definir também as formas e diretrizes das tomadas de decisão da empresa, a estruturação do conselho consultivo e/ou de administração e evoluir os indicadores de negócios previamente mencionados e desenvolvidos na fase anterior.

  • Fase de escala: Na fase de crescimento por escala da empresa o negócio já está estabelecido e estável sendo o desafio expandir o negócio em um ritmo acelerado conforme o produto ou serviço permitir, sem que esta expansão resulte em uma perda de qualidade ou descontrole de gestão da empresa.

MEDIDAS DE GOVERNANÇA: Neste momento, deve-se consolidar definitivamente todas as medidas já tratadas anteriormente e incluir ainda disposições que auxiliem o crescimento saudável e controlado da empresa sempre direcionando o negócio à sua continuidade e desenvolvimento.

Diante das questões e peculiaridades acima demonstradas de cada fase de crescimento de uma Startup é possível entendermos que quando existem regras de governança claras desde o momento inicial da empresa, as etapas ocorrem de forma mais orgânica ao passo em que não se terá espaço para um crescimento desestruturado que gere problema entre os sócios ou, até mesmo, envolvendo terceiros.

ACORDO DE SÓCIOS

Uma das ferramentas mais importantes à construção de uma Governança Corporativa eficiente é a adoção de um Acordo de quotistas/acionistas entre os sócios para que seja claro e evidente entre eles quais as diretrizes e princípios que regerão a empresa, evitando desde o começo o desentendimento por falta de informação entre os sócios.

Tal importância é comprovada quando entendemos que no momento de constituição e primeiros passos da Startup não é comum que os sócios discutam sobre as formas de continuidade da sociedade no caso de falecimento de um dos sócios, ou até mesmo no caso de uma saída espontânea ou eventual desejo de venda de participação dos sócios. Dentro desse cenário comprova-se a importância de um Acordo de Sócios bem estruturado e construído, prevendo questões básicas relativas à continuidade da sociedade são determinantes para a continuidade das atividades da empresa.

Para exemplificar e demonstrar um pouco do que estamos falando, citamos abaixo um trecho do livro Direito das Startups de Bruno Feigelson:

“(…) tais acordos visam proteger os sócios e garantir a continuidade da empreitada. Trata-se de beneficiar a continuidade da startup muitas vezes em detrimento de interesses individuas dos fundadores. Portanto a celebração de um acordo de sócios pode ser concebida como uma das primeiras medidas de caráter institucional que pode impactar diretamente no sucesso ou insucesso da startup. Além disso, eventuais litígios, que infelizmente podem ocorrer ao longo de algumas jornadas, podem ter suas consequências mitigadas se existirem acordos de sócios bem elaborados”.[5]

É de conhecimento geral que nenhuma sociedade é obrigada a firmar um acordo de sócios antes ou depois de iniciar suas atividades. Contudo, pelo que temos acompanhado na prática, a não adoção deste tipo de contrato e não dispor sobre questões referentes à forma de alienação de participação societária, sucessão de herdeiros, direito de preferência, tag e drag along, regras para convocação de assembleia, regras para votação de assuntos onde haja divergência entre sócios, diluição oriunda de investimentos externos, mecanismos de antidiluição de participação societária e demais dispositivos relevantes à vida da empresa têm sido muito prejudiciais aos empreendedores e empresários no momento da realização de grandes operações ou saídas de sócios, sendo que tais complicações podem até mesmo resultar no encerramento das atividades da empresa.

Diante das informações aqui mencionadas é fácil concluir que, independente do momento em que se encontra o desenvolvimento do negócio, as medidas de Governança Corporativa são essenciais à sobrevivência, continuidade e crescimento do negócio da empresa.

No caso de questionamentos ou necessidade de maiores informações sobre formas de se instituir um modelo de governança corporativa eficiente, entre em contato conosco que teremos prazer em ajudar.

Referências:

[1] http://ois.sebrae.com.br/publicacoes/causas-da-mortalidade-de-startups-brasileiras/#:~:text=Um%20dos%20principais%20resultados%20encontrados,ou%20igual%20a%20treze%20anos.

²Instituto Brasileiro de Governança Corporativa Governança Corporativa em Startups e Scale-ups: Práticas e Percepções / Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. – São Paulo, SP : IBGC, 2019.

³https://www.ibgc.org.br/conhecimento/governanca-corporativa

4 Governança corporativa para startups & scale-ups / Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. São Paulo, SP: IBGC, 2019

5 Feigelson, Bruno; Direito das Startups; Saraiva Educação, 2018.


[1] http://ois.sebrae.com.br/publicacoes/causas-da-mortalidade-de-startups-brasileiras/#:~:text=Um%20dos%20principais%20resultados%20encontrados,ou%20igual%20a%20treze%20anos.

[2] Instituto Brasileiro de Governança Corporativa Governança Corporativa em Startups e Scale-ups: Práticas e Percepções / Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. – São Paulo, SP : IBGC, 2019.

[3] https://www.ibgc.org.br/conhecimento/governanca-corporativa

[4] Governança corporativa para startups & scale-ups / Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. São Paulo, SP: IBGC, 2019

[5] Feigelson, Bruno; Direito das Startups; Saraiva Educação, 2018.

O que aconteceu com a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados?

SENADO DETERMINA A VIGORAÇÃO DA LGPD APÓS A SANÇÃO DA CASA CIVIL E SEM A CRIAÇÃO EFETIVA DA ANPD.

Por: Cristiano Medeiros de Castro

O Presidente do Senado Federal Davi Alcolumbre, determinou a retirada do trecho que adiava a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados para maio de 2021, por considerar prejudicado o referido trecho da Medida Provisória nº 959/2020, pois entendeu que o Senado já se manifestou desta questão anteriormente.

Cabe ressaltar que quanto à efetiva data, o Senado já se manifestou no sentido que a LGPD somente passará a vigorar com a sanção ou veto dos demais dispositivos da referida MP, que pode ocorrer em até 15 (quinze) dias úteis do recebimento pela Casa Civil.

Ressalta-se que a sua eminência não significa a aplicação imediata das suas penalidades, pois a Lei nº 14.010 de junho de 2020 que dispõem sobre o Regime Jurídico Transitório das relações Jurídicas de Direito Privado no período de pandemia do coronavírus (Covid-19), que alterou o art. 65 da Lei nº 13.709/2018 (LGPD), dispõem que a aplicação das penalidades somente entrará em vigor em 01 de agosto de 2021.

Outro ponto que é importante destacar é que ainda inexiste órgão regulamentador, cuja denominação é Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que será responsável pela regulamentação, interpretação, defesa e aplicação da LGPD.

Assim, a lei passar a vigorar sem o seu órgão regulamentador, o reforçaria que o pedido de adiamento dado pela MP seria justificável para a criação da ANPD junto à vigência da Lei. Logo, a LGDP está preste a entrar em vigor sem a existência da sua agência regulamentadora.  

https://www.tecmundo.com.br/internet/176532-lgpd-entra-vigencia-orgao-regulamentador.htm

https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/08/26/senado-aprova-mp-959-mas-remove-artigo-4-e-lgpd-entra-em-vigencia-amanha.htm

https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2020/08/decisao-do-senado-garante-entrada-em-vigor-de-lei-de-protecao-de-dados

atribuição de responsabilidade tributária em tempos de coronavírus

Por: Richard Buffalo e Luís Eduardo Veiga

Para compreender todos os aspectos que envolvem a pessoa do sócio face ao imposto declarado e não pago e face ao erro formal na declaração de compensação, sob a perspectiva da instrução normativa nº 1.862 de 2.018 e seus comandos legais, bem como à luz dos efeitos causados pelo coronavírus, alguns pontos são essenciais.

I – SOBRE A INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 1.862 DE 2.018 E SEUS COMANDOS LEGAIS

Em 28.12.2018, foi publicada a Instrução Normativa nº 1862/2018, que dispõe sobre o procedimento de imputação de responsabilidade tributária no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Na Seção II, da IN em comento, podemos verificar que esta trata da imputação de responsabilidade a terceiros com base no simples indeferimento em relação à transmissão da Declaração de Compensação – DCOMP, o que, no mundo empresarial é muito comum de ocorrer, ou seja, o contribuinte, com base em suas apurações contábeis/fiscais, verifica a existência do direito creditório e em razão disso, utilizando as aludidas DCOMPs, realiza o procedimento de compensação, previsto no artigo 156, II[1], do CTN.

Nesse sentido, destaca-se aqui o quanto consignado na IN 1.862/2018, confira-se:

Art. 9º Na hipótese de não homologação da compensação realizada mediante entrega de Declaração de Compensação, nos termos do § 7º do art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996, a imputação de responsabilidade tributária será realizada no respectivo despacho decisório, que deve observar os requisitos a que se refere o art. 3º, sem prejuízo da imputação no lançamento de ofício da multa isolada a que se refere o § 17 do mesmo dispositivo legal, caso em que será aplicado o disposto nos arts. 2º ao 7º.

Deste modo, considerando o artigo supramencionado é cristalino o entendimento de que a Receita Federal do Brasil, ao não homologar a declaração de compensação transmitida pelo contribuinte, poderá, respeitando os ditames do artigo 3º[2] desta mesma Instrução Normativa, atribuir responsabilidade a terceiros, que por estes entende-se como os diretores, gerentes ou representantes da empresa, haja vista o seu poder diretivo e decisório.

Outrossim, após a apuração acima mencionada, o contribuinte arrolado como sujeito passivo da “suposta infração”, poderá, segundo a aludida Instrução Normativa, defender-se mediante a apresentação de Impugnação administrativa face ao despacho decisório que não homologou a respectiva DCOMP.

E foi com base em tais atos, o de inclusão de sócios no polo passivo da “suposta infração”, pelo mero inadimplemento ou erro formal na transmissão da DCOMP, que o presente artigo se debruçou em relação à respectiva matéria em debate, buscando esclarecer quais os limites os quais serão ultrapassados pela RFB e o posicionamento do Poder Judiciário e Administrativo[3] em relação à inclusão dos sócios e afins na fiscalização/polo passivo da demanda, bem como possíveis medidas a serem adotas pelo contribuinte buscando mitigar tais riscos, ainda mais no momento instável econômico que o país vem enfrentando.

II – DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL NOS CASOS ADMNISTRTIVOS E JUDICIAIS

Em relação ao tema em apreço, é importante destacar que se trata de atribuição de responsabilidade a terceiros, tema este previsto nos artigos 134[4] e 135[5] do Código Tributário Nacional, e foi em face deste tema que os estudos deste artigo buscaram se aprofundar.

Em razão disso fez-se necessária uma densa análise do entendimento jurisprudencial firmado tanto na esfera administrativa, quanto na esfera judiciária, CARF e Superior Tribunal de Justiça – STJ, respectivamente.

Contudo, antes de expor o entendimento dos respectivos colegiados, faz-se necessário esclarecer a natureza da Declaração de Compensação – DCOMP, que é sem sombra de dúvidas uma obrigação acessória, ou seja, sua função é a de informar o Fisco/RFB acerca da compensação de um possível crédito tributário, conforme acima mencionado.

A obrigação acessória está prevista no artigo 113 do Código Tributário Nacional, cujo teor é o seguinte:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

Conforme se depreende da leitura do artigo supramencionado, precisamente no §3º, pelo simples fato de sua inobservância converte-se em obrigação principal à penalidade pecuniária.

Considerando tal premissa, caso ocorra a sua inobservância, entende-se que a obrigação acessória equiparar-se-á à obrigação principal, esta que por sua vez traduz-se no recolhimento do imposto, o qual teve o seu fato gerador mediante um ato vinculado do contribuinte, ou seja, as operações rotineiras da empresa.

Deste modo, considerando esta equiparação e ainda considerando o quanto disposto no artigo 135 do Código Tributário Nacional, em consonância com as jurisprudências administrativa e judicial, o entendimento que se tem é o de que a Receita Federal extrapola os limites estabelecidos em lei para incluir os diretores, gerentes ou representantes da empresa no polo passivo da demanda, dada as condições acima mencionadas, sendo que tal conclusão se deu a partir da leitura de diversos julgados perante o CARF[6] e STJ[7].

É importante frisar que, após a análise destes acórdãos, proferidos nos órgãos acima mencionados, o entendimento destes é uníssono que para haver o redirecionamento da Execução, ou a inclusão da pessoa física no polo passivo da demanda, é patente que haja latente violação ao quanto disposto no artigo 135 do CTN, quais sejam: atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, sendo que o erro no preenchimento de uma Declaração de Compensação ou o mero inadimplemento de um tributo não configura a hipótese de redirecionamento ou atribuição de responsabilidade a terceiros.

Nesse sentido, é importante destacar abaixo o excerto retirado dos julgamentos do CARF no qual confirma o entendimento de que para que haja a responsabilização dos sócios/administradores é imprescindível que as pessoas físicas infrinjam o quanto disposto no artigo 135, do CTN, confira-se:

CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INTERESSE COMUM. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. São solidariamente responsáveis pelo crédito tributário as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, devendo ser excluídas da responsabilidade solidária as pessoas cujo interesse comum não restar comprovado.

SÓCIO-GERENTE. EXCESSO DE PODERES, INFRAÇÃO DE LEI E CONTRATO SOCIAL. CRÉDITOS RESULTANTES. RESPONSABILIDADE.

O sócio-gerente é responsável pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

SUJEIÇÃO PASSIVA SOLIDÁRIA. SÓCIO COTISTA. EXCLUSÃO DO PÓLO PASSIVO.

O sócio não se confunde com a pessoa jurídica de cujo capital participa, e o inciso III do art. 135 do CTN expressa e restritivamente só atribui a responsabilidade solidária ao sócio administrador em relação aos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos – grifamos.

Neste diapasão, o entendimento nas instâncias administrativas é o de que as pessoas físicas somente poderão ser responsabilizadas pelo crédito tributário quando estes forem resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, ou seja, o quanto disposto no artigo 135 do Código Tributário Nacional.

Tal análise também foi feita pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, cujo entendimento não se destoou do quanto entendido no CARF, ou seja, que o artigo 135 do CTN é um impeditivo para que o Fisco insira, arbitrariamente, os nomes dos diretores, gerentes ou representantes da empresa no polo passivo da demanda, vejamos:

Não basta, portanto, o simples inadimplemento do tributo, com a falta de seu recolhimento a fim de que se redirecione o feito executivo, mas também imprescindível a comprovação de irregularidades, que poderão ser apuradas em processo administrativo ou judicial.

Neste momento, a pergunta que se provoca para solução da controvérsia é: quais irregularidades seriam aptas a permitir a responsabilização dos sócios? Indubitavelmente, a aplicação do art. 135 do CTN é medida que se impõe. Deverá ficar claro que as irregularidades consistiram na prática de atos com excesso de poder ou quebra das normas legais, contratuais ou estatutárias[8].

Assim, a desconsideração da personalidade jurídica, com a consequente invasão no patrimônio dos sócios para fins de satisfação de débitos da empresa, é medida de caráter excepcional, sendo apenas admitida nas hipóteses expressamente previstas no art. 135 do CTN ou nos casos de dissolução irregular da empresa, que nada mais é que infração à lei.

Como se vê, o ora recorrente ingressou na sociedade após a sua dissolução irregular. Assim, não agiu com excesso de poderes, infração à lei ou ao estatuto. Não sendo cabível o redirecionamento da execução fiscal. Ressalta-se, ainda, que, nos termos da jurisprudência do STJ, o simples inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente[9].

No mais, consoante entendimento consolidado nesta Corte Superior, o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio é cabível apenas quando demonstrada a prática de ato com excesso de poder, infração à lei ou no caso de dissolução irregular da empresa, não se incluindo nas hipóteses o simples inadimplemento de obrigações tributárias, como é o caso de não repasse das arrecadações de contribuições descontadas dos salários dos empregados[10].

Deste modo, corroborando com o quanto exposto até aqui, estão em linha as jurisprudências inerentes aos casos julgados perante o CARF e STJ.

E com maior profundidade de detalhes e riqueza tal questão foi analisada nos autos do REsp nº 1.326.221/DF, cujos principais trechos serão colacionados no presente artigo, confira-se:

Contudo, da análise dos autos, percebe-se a parte recorrente tenta atribuir ao recorrido a responsabilidade pelo pagamento dos tributos não realizado pela empresa, partindo da presunção de que, se o nome do ex-sócio consta da CDA, é porque a cobrança é legítima; nada mais enganoso, pois o que se observa, na prática, é que o Fisco trata os responsáveis pelas pessoas jurídicas como devedores solidários das obrigações tributárias, incluindo seus nomes na CDA indiscriminadamente sem qualquer apuração prévia acerca da existência de atos ilícitos. Mas tal solidariedade não existe, já que a responsabilização do sócio, gerente ou administrador exsurge apenas e tão-somente quando caracterizada uma das situações previstas no art. 135 do CTN – excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou estatuto ou, em caso de dissolução irregular.

Nesse ponto, registra-se que, se a responsabilidade entre empresa e sócio fosse solidária, não haveria a necessidade dessa ressalva expressa do art. 135 do CTN, e o Fisco poderia acionar um ou outro, indistintamente; não é assim, no entanto, que disciplina a legislação tributária. O patrimônio da sociedade e do sócio são, em princípio, incomunicáveis, salvo hipóteses excepcionais e um dos pressupostos para a confusão patrimonial é a demonstração de ato ilícito praticado pelo agente responsável.

Deste modo, com base no excerto acima destacado, é imperioso destacar que além de reconhecer que o redirecionamento de dívida será possível apenas nos casos de violação ao artigo 135 do CTN, o STJ afirma categoricamente que o artigo 135 é uma espécie de trava para que o Fisco não inclua arbitrariamente as pessoas na condição de sócios ou diretores no polo passivo da cobrança.

Considerando o entendimento jurisprudencial exposto, a conclusão que se tem é a de que hoje as premissas do artigo 135 do CTN são uma garantia do contribuinte para que não haja o redirecionamento da dívida em seu desfavor, feita de forma arbitrária.

É importante ressaltar, que tais conclusões se deram a partir de uma minuciosa análise jurisprudencial em relação aos tribunais acima mencionados, bem como em estrita observância legal, contudo, o entendimento do FISCO pode ser adverso do quanto aqui consignado, podendo este, mesmo que o contribuinte siga estritamente a legislação vigente, entender por bem em autuá-lo.

III – DA POSSIBILIDADE DE ATRIBUIÇÃO DE RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS ADMINISTRADORES EM RAZÃO DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS SURGIDAS FACE À CRISE OCASIONADA PELO CORONAVIRUS

Conforme narrado anteriormente e conforme é de conhecimento geral, diversos setores tiveram as suas atividades paralisadas por conta da pandemia ora instaurada no mundo, sendo percebido, inicialmente, nos setores de transporte (público e privado), nos setores de evento, industrial e por fim no comércio, ocasionando um enorme colapso econômico e levando diversos setores a reduzirem custos, mediante a demissão de diversos colaboradores, dentre outras medidas por eles adotadas.

O fato é que estes contribuintes adotaram as mais diversificadas medidas para corte de custos, mas o que eles possuem de similar entre si é a considerável queda de receita pela escassa procura de seus produtos e serviços.

O maior reflexo é visto no cumprimento de suas obrigações tributárias, tendo em vista, repise-se, o baixo, ou quase zero, fluxo de caixa, levando o contribuinte a deixar de adimplir com tais obrigações, tanto é verdade que diversos destes contribuintes precisaram ingressar em juízo com ações judiciais visando a postergação da data de pagamento destes tributos, haja vista o estado de calamidade pública decretado em todo território nacional.

Visando ajudar o contribuinte neste momento de crise, à luz das ponderações acima destacadas, o Governo Federal editou a Portaria nº 139/2020, que prorrogou o prazo para o recolhimento de alguns tributos federais, quais sejam: (i) contribuições previdenciárias; (ii) contribuição devida pelo empregador doméstico e (iii) contribuição ao PIS e COFINS.

Embora a administração pública venha se esforçando para manter a economia aquecida neste delicado momento, sabemos que tal ato normativo não é suficiente para ajudar as entidades empresariais, tendo em vista a elevada carga tributária incidente nas operações comerciais, industriais e de serviço.

Em outras palavras, não só a medida acima mencionada foi suficiente para sanar o problema de caixa das empresas, significa dizer que estas ainda estão deixando de pagar um montante considerável a título de tributo, sendo qualificados como inadimplentes junto aos fiscos.

Nesse mesmo sentido, conforme anteriormente exposto, é evidente que neste momento o inadimplemento tributário se dá face ao estado de força maior que  país vem enfrentando, o que nos leva a crer que tal ato é conduzido não pela vontade do contribuinte e sim pela situação caótica na qual o país se encontra.

Com base nesses argumentos entende-se que o contribuinte que deixar de proceder ao pagamento de seus impostos declarados e não pagos, não poderá ser arguido contra si o redirecionamento de uma eventual execução, haja vista (i) a não caracterização de violação ao artigo 135 do CTN e (ii) a ausência de dolo na falta de recolhimento do tributo.

IV 2 – CONCLUSÃO

Deste modo, considerando todo o estudo pertinente ao tema em debate, há de se ressaltar que as medidas acima indicadas buscam trazer maior transparência e legitimidade, em conformidade com o ordenamento jurídico, em relação às decisões tomadas pelos administradores das sociedades empresárias, de modo a mitigar os riscos de interpretação em relação à suposta violação às premissas contidas no artigo 135, do CTN, os quais, segundo a jurisprudência analisada, são uma forma de garantia do contribuinte (pessoa física), a fim de evitar a arbitrariedade estatal em incluí-los no polo passivo de uma demanda tributária.

É possível concluir desta maneira, à luz da jurisprudência firme que se forma em torno das esferas administrativa e judicial, especialmente em torno desta, cujo entendimento é o de que a responsabilidade do sócio/administrador frente às ações da pessoa jurídica apenas poderão serem invocadas em caso de evidente prova de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, frente às respectivas sociedades empresarias, ou, salvo tais hipóteses, em caso de caracterização de dissolução irregular.


[1] Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

II – a compensação;

[2] Art. 3º Na hipótese de imputação de responsabilidade tributária, o lançamento de ofício deverá conter também:

I – a qualificação das pessoas físicas ou jurídicas a quem se atribua a sujeição passiva;

II – a descrição dos fatos que caracterizam a responsabilidade tributária;

III – o enquadramento legal do vínculo de responsabilidade decorrente dos fatos a que se refere o inciso II; e

IV – a delimitação do montante do crédito tributário imputado ao responsável.

Parágrafo único. O Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil deverá reunir as provas indispensáveis à comprovação da responsabilidade tributária.

[3] Conselho Admnistrativo de Recursos Fiscais – CARF

[4] Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;

II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;

III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;

IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;

V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;

VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;

VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.

[5] Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I – as pessoas referidas no artigo anterior;

II – os mandatários, prepostos e empregados;

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

[6] 301-003.996 e 1401-003.491

[7] AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.601.373 – DF; AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.611.500 – SC; AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.225.565 – SP; RECURSO ESPECIAL Nº 1.326.221 – DF e EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 374.139 – RS

[8] AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.601.373 – DF

[9] AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.611.500 – SC

[10] AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.225.565 – SP

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