novo capítulo entre o contribuinte e a receita federal na exclusão do icms da base de cálculo do pis e da cofins

Em 2017, o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento de mérito de uma das questões mais controvertidas ali postas, que foi a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, julgado sob a sistemática da repercussão geral, nos autos do 574.706/PR, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia.

Na oportunidade firmou-se a tese de que o ICMS não poderia compor a base de cálculo para o cômputo das contribuições devidas ao PIS e a COFINS, cuja ementa firmou-se da seguinte maneira:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. EXCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS. DEFINIÇÃO DE FATURAMENTO. APURAÇÃO ESCRITURAL DO ICMS E REGIME DE NÃO CUMULATIVIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Inviável a apuração do ICMS tomando-se cada mercadoria ou serviço e a correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil. O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços: análise contábil ou escritural do ICMS. 2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação. 3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da

COFINS. 3. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718/1998 excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações. 4. Recurso provido para excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.

Com a publicação desta decisão colocou-se fim à uma longa briga entre contribuinte e fisco, contudo tal episódio ainda se encontra longe de um desfecho. Isso porque a Fazenda Nacional opôs Embargos de Declaração requerendo a modulação dos efeitos da decisão e requerendo que o STF se pronuncie com relação ao ICMS que deve ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS, ou seja, se o destacado das Notas Fiscais ou se o efetivamente recolhido.

O Contribuinte defende que o ICMS a ser excluído da base de cálculo é o destacado das NFs, já a Fazenda defende que o ICMS a ser excluído da base de cálculo é o efetivamente recolhido, este que representa um montante consideravelmente inferior ao primeiro.

Mesmo diante desse impasse, diversos contribuintes os quais já possuíam discussões desta natureza em curso conseguiram o trânsito em julgado de suas ações e já procederam a homologação destes créditos junto à Receita Federal, que lhe concede o direito de já aproveitar o uso deste crédito.

Em meio a esta discussão, diversos contribuintes que estão nesta situação estão enfrentando grandes problemas na Justiça, pois a Fazenda Nacional tem inscrito diretamente na dívida ativa da União contribuintes que retiraram o ICMS destacado em nota fiscal do PIS e da COFINS, e não o efetivamente pago.

Nestas situações está sendo aplicada a Solução de Consulta nº 13, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal, segundo a qual deve ser retirado do PIS e da COFINS o ICMS recolhido. Para calcular os créditos e declará-los, porém, os contribuintes estão usando o que constava em nota.

Nas discussões que estão sendo levadas ao judiciário, alega-se que exista uma certa supressão de defesa, uma vez que inexiste Auto de Infração para apuração do quanto, supostamente, é devido, e que a falta deste Auto implica na possibilidade de haver qualquer equívoco no cálculo.

A Fazenda alega que tal medida se dá porque ela se baseia na Súmula nº 436 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo seu texto, “a entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do Fisco”. Os fiscais da Receita Federal, por sua vez, são obrigados a mandarem tais valores “autuados” à dívida ativa, uma vez que Solução de Consulta nº 13 não foi seguida pelo contribuinte.

Com a pendência do julgamento dos Embargos de Declaração da Fazenda Nacional, o contribuinte declara à Receita sobre a decisão judicial favorável para subtrair o ICMS. Por meio do cruzamento de informações na DCTF e EFD, a Receita chega em um valor, ainda que aproximado, da diferença entre o ICMS destacado na nota fiscal e o efetivamente pago, daí efetivamente surge a inscrição em dívida ativa.

Ao nosso ver, o ato de levar a dívida diretamente ao Judiciário, tal cobrança fere o princípio da segurança jurídica, pois a Receita está agindo em desconformidade com o decidido em âmbito Judicial, com decisão transitada em julgado, assim como do princípio do contraditório e da ampla defesa, pois o contribuinte não tem ciência de como a Receita Federal calculou o montante que entende ser incorreto, o que pode até desencadear o cancelamento da inscrição.

Nesse passo, salientamos que diversos são os mecanismos para que os contribuintes tracem e adotem uma estratégia em autuações desse tipo, como a Impetração de um Mandado de Segurança Preventivo, visando a obtenção de liminar para impedir que o fisco ajuíze a correspondente Execução Fiscal, antes do término da discussão no STF.

Fato é, que a medida mais conservadora seria antecipar-se ao fisco de modo a evitar que este autue a empresa, pois sobre tais valores incidiriam multas de até 75% sob o principal e em caso de antecipação do contribuinte acrescentara-se apenas 20% a título de mora.

Nos colocamos à disposição para eventuais esclarecimentos sobre o tema.

Referências:

[1] RE 574.706/PR

[2] Solução de Consulta COSIT nº 13

responsabilidade do sócio minoritário na sociedade limitada.

Uma grande dúvida que pode existir quando uma pessoa física quer participar de uma sociedade, na sua forma limitada, é a possibilidade de responder por eventuais dívidas que a sociedade pode vir a adquirir, atingindo o seu patrimônio pessoal para o pagamento destas dívidas.

Primeiramente, é importante salientar que o art. 1.052 do Código Civil descreve a seguinte afirmação:

Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

§ 1º A sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais pessoas.     (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 2º Se for unipessoal, aplicar-se-ão ao documento de constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato social.     (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Sob a ótica estritamente jurídica, o artigo 1.052 do Código Civil de 2002 sustenta que, na sociedade limitada, a responsabilidade dos sócios é restrita ao valor de suas quotas, ou seja, o sócio somente poderá ser responsabilizado na medida do valor que possui devidamente registrado na sociedade como capital social, respondendo todos pela integralização do capital social.

Se analisarmos estritamente tal artigo, é crível dizer que o sócio, seja ele minoritária ou majoritário, responderá pela integralização do capital social. De forma contínua, os sócios, ao integralizarem o capital social, somente responderão nos limites de suas quotas.

No tocante aos aspectos práticos desta responsabilidade, temos presenciado que, ainda que a lei determine que a responsabilidade dos sócios é restrita às suas quotas, frequentemente os juízes e os tribunais superiores têm deferido a utilização do instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica, qual seja, o sócio, sendo ele minoritário ou não, deverá responder com o patrimônio pessoal pelas dívidas da sociedade.

Para que haja a desconsideração da personalidade jurídica, atingindo assim os sócios, deve o juiz analisar o preenchimento dos seguintes requisitos contidos no art. 50 do Código Civil:

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Nos termos do art. 50 do Código Civil, não pode o juiz acolher a desconsideração da personalidade jurídica por mero inadimplemento da sociedade no pagamento de suas dívidas, não devendo nenhum dos sócios, sendo eles administradores ou minoritários, neste cenário, responder pelas dívidas da sociedade.

Contudo e de modo totalmente diferente, caso seja acolhida a desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses ali elencadas, existe a responsabilização dos sócios, independentemente de sua quota ou posição na sociedade, ou seja, na hipótese de acolhimento da desconsideração da personalidade jurídica, o sócio minoritário pode vir a responder por dívidas e danos causados pela sociedade.

Logo, na existência da desconsideração da personalidade jurídica na esfera cível, o Superior Tribunal de Justiça (STJ)[1] tem aplicado o entendimento do art. 50 do Código Civil[2], cabendo os sócios ao pagamento, conforme recorte:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO.

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SOCIEDADE LIMITADA.

PROVIDÊNCIA QUE ALCANÇA O PATRIMÔNIO DE TODOS OS SÓCIOS INDISTINTAMENTE. PRECEDENTES. REQUERIMENTO DA PARTE AGRAVADA DE APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO § 4º DO ART. 1.021 DO CPC/2015.

INAPLICABILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.

1. O entendimento desta Corte é de que “para os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, não há fazer distinção entre os sócios da sociedade limitada. Sejam eles gerentes, administradores ou quotistas minoritários, todos serão alcançados pela referida desconsideração”. (REsp n. 1.250.582/MG, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 12/4/2016, DJe 31/5/2016).

(…)

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1757106/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/09/2019, DJe 13/09/2019)

Com tal entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Paulista tem aplicado, em alguns julgados, o mesmo entendimento acima, quais os sócios devem responder pelos danos causados à sociedade caso seja desconsiderada a personalidade jurídica, independentemente de sua posição e número de quotas.

*DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – Instauração do incidente – Inexistência de bens em nome da empresa executada; tentativa frustrada do exequente de bloquear seus ativos financeiros, bem como de realizar penhora sobre seu faturamento; devedora que não foi encontrada no local informado como sendo o endereço de sua sede nos cadastros oficiais; indícios de inatividade da empresa, sem o pagamento dos débitos pendentes (indicando conduta abusiva dos sócios que encerraram as atividades da executada sem reservar qualquer patrimônio para saldar as dívidas) – Presença de elementos indicadores do abuso da personalidade jurídica – Responsabilização da agravante, sócia minoritária, pela execução na mesma extensão do sócio majoritário, tal como previsto na parte final do art. 50 do Código Civil – Descabimento da pretendida limitação da execução às cotas sociais da recorrente – Inadmissibilidade da fixação de honorários advocatícios no presente incidente – Ausência de previsão legal – Precedentes do C. STJ e do E. TJSP – RECURSO PROVIDO EM PARTE.*  
(…)

E não há limitação da responsabilidade de sócio, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, ao valor das quotas mantidas na sociedade empresária.

(…)
(TJSP; Agravo de Instrumento 2175674-60.2020.8.26.0000; Relator (a): Heraldo de Oliveira; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas – 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 21/10/2020; Data de Registro: 22/10/2020)

Desta forma, devem os sócios, principalmente o minoritário, verificar e fiscalizar a sociedade, evitando assim que os gestores e administradores venham a abusar da sociedade e àqueles que apenas fazem parte da sociedade, venham a responder pelos danos causados pela Sociedade.

Com relação à responsabilização no âmbito da justiça do trabalho, muitos juízes e tribunais têm entendido pela responsabilidade do sócio minoritário, mesmo que de forma subsidiária, ao pagamento de verbas trabalhistas, independente da demonstração de sua responsabilidade no procedimento de instauração de Desconsideração da Personalidade Jurídica.

Neste sentido, deve o sócio minoritário sempre fiscalizar a sociedade, evitando que abusos dos administradores e gerentes possam prejudicar a sociedade e, na eventualidade, o sócio minoritário vir a responder pelas dívidas e danos causados à terceiros.

Como o desdobramento da desconsideração e responsabilização atinge várias vertentes do direito, sob o ponto de vista fiscal, a responsabilização dos sócios gerentes encontra-se positivada no artigo 135, do CTN.

O dispositivo em comento traz alguns pressupostos que devem ser observados a fim de se evitar o redirecionamento de responsabilidades aos sócios, especialmente evitar a prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

Ao descumprir tais requisitos a chance de redirecionamento aos sócios é bastante existente. Em atenção aos sócios minoritários, contudo, sob o ponto de vista dos tribunais, os Juízes estão sendo mais flexíveis quanto à sua responsabilização, entendendo que estes não podem ser responsabilizados pelos débitos tributários devidos pela sociedade o sócio que tinha inexpressiva participação no capital da empresa e não exercia função de gerência ou administração [1].

Portanto, sob o ponto de vista fiscal, caso o sócio minoritário tenha participação inexpressiva na sociedade e não exerça qualquer função de gerência ou administração, restará inequívoco o entendimento pela sua não responsabilização fiscal.

Referências:

[1] Tribunal Regional Federal da 1ª Região TRF-1 – APELAÇÃO CIVEL : AC 4520 MG 1998.01.00.004520-5


[1] STJ – AgInt no REsp: 1757106 SP 2018/0190823-0, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 02/09/2019, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/09/2019

[2] Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

os desafios do direito do trabalho frente à gig-economy

O número de plataformas digitais que têm como objetivo conectar usuários a prestadores de serviços cresceu exponencialmente nos últimos anos. Diante desse dinamismo, surgem novas formas de trabalho, dando a possibilidade de o trabalhador ter mais autonomia e liberdade na condução de seus serviços. Por exemplo, sem horários preestabelecidos, carga horária mínima e possibilitando cadastros em diversas plataformas de forma simultânea. A este fenômeno que chamamos de uberização, trata-se então de um modelo de organização laboral, que tem como característica marcante a flexibilização do trabalho através de inovações disruptivas.

Por se tratar de um novo modelo, temos ainda brechas no direito do trabalho no que diz respeito à proteção que se faz necessária ao trabalhador, uma vez que estes não se encontram no modelo de prática laboral já consolidado e coberto pela legislação trabalhista vigente.

É compreensível, então, que, diante do exposto acima, exista uma apreensão com o que se pode esperar do futuro do trabalho, como o direito do trabalho pode vir a atuar de forma a regularizar tais relações de trabalho e assegurando a proteção constitucional do trabalhador. Frente a isso, o presente artigo tem por objetivo analisar e levantar pontos importantes desse processo.

O surgimento das novas tecnologias de informação e comunicação ocasionou transformações nos mais diversos âmbitos da sociedade, inclusive nas relações de trabalho. Nesse contexto, temos o surgimento das tecnologias disruptivas. Estas são entendidas como criações introduzidas no mercado e alteram as configurações existentes. Podemos afirmar que o mercado de hoje está sendo motivado pelo consumidor, que tem se mostrado cada vez mais volátil.

Diante de tal aspecto, as empresas têm reorganizado a sua forma de atuação para responder com agilidade a tais mudanças e demandas impostas pelos consumidores. Não há nada de novo até aqui. No passado, a necessidade de eficiência econômica aliada a um período de crise fez nascer a chamada especialização flexível, na tentativa de colocar uma maior variedade de produtos e serviços no mercado em um ritmo cada vez mais rápido.

Atualmente, o mercado é caracterizado principalmente pela flexibilidade e o fluxo a curto prazo, de forma que as empresas buscam eliminar a burocracia para melhor atendê-los; saem as organizações tipo pirâmide e entram as organizações do tipo rede, impulsionadas pela modernização, pelo dinamismo do ambiente globalizado e pelo impacto das tecnologias de informação.

E nesse contexto de dinamismo da globalização surgem novas formas de trabalho, dando espaço para o trabalhador just-in-time, termo utilizado para se referir ao sujeito que é auto gerente subordinado disponível, desprovido de garantias e direitos. É neste cenário da gig economy (economia sob demanda), que a relação entre usuários e prestadores de serviços, dispostos a fazer um trabalho específico, deixa de ser direta e passa a ser intermediada por uma plataforma digital de conexão que tem como principal objetivo facilitar o encontro entre usuários finais que desejam contratar um determinado serviço e pessoas dispostas a oferecê-los.

Tomemos como exemplo a plataforma Uber: o modelo de transporte chegou ao país em um contexto de crise. De um lado, a demanda da população por meios de transporte eficientes e de menor custo, haja vista a precariedade do sistema público de transporte e o alto custo do transporte particular. De outro lado, o crescente aumento do desemprego. Consequentemente, houve rápida adesão pela população. Tanto é que, desde que chegou ao Brasil, a Uber tem crescido exponencialmente. Dados da empresa indicam que, atualmente, ela já possui 50 mil motoristas cadastrados e quase 9 milhões de usuários ativos distribuídos em 40 cidades brasileiras.

Na plataforma supracitada, por exemplo, os motoristas são livres para trabalhar ou não trabalhar, quando e onde quiserem, por tantos ou poucos dias ou horas, e fazer quantas pausas desejarem. Entretanto os motoristas não são pagos pela Uber, mas pelos clientes – o papel da plataforma é coletar e distribuir esses pagamentos. Outro ponto importante é que os meios de produção não são fornecidos pela empresa: os motoristas da Uber usam seus próprios carros e pagam pelo combustível. Ou seja, a plataforma simplesmente conecta você a um motorista de um veículo disposto a oferecer aquele serviço naquele momento.

Diante disso, no Brasil, o debate acerca da natureza jurídica da relação entre os prestadores e as empresas que mantêm as plataformas digitais de conexão tem se tornado cada vez mais recorrente. Fica o questionamento: seria a empresa responsável pela plataforma uma mera facilitadora ou a real empregadora dos prestadores de serviços?

A lógica da relação entre prestadores e plataformas é, portanto, contrária àquela existente nas relações de emprego. Cabe aqui um apontamento dos critérios clássicos de caracterização da relação de emprego, que são: pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e subordinação. Verifica-se que a utilização desses critérios para a caracterização de uma relação de emprego exige do jurista ampla criatividade para fazer uma releitura frente às novas configurações do trabalho. Em um dos critérios isso fica mais evidente: na subordinação.

O que vimos nos últimos anos é justamente um número crescente de ações judiciais de natureza trabalhista envolvendo a empresa supracitada, reivindicando justamente o reconhecimento de vínculo de emprego entre os motoristas e a empresa. Entretanto, cabe ressaltar que, muito embora essa discussão seja de fundamental importância, alguns pontos não podem deixar de ser considerados como desvantagens: o encarecimento dos preços dos serviços e a inviabilidade do próprio modelo de negócio das plataformas digitais, caindo por terra o pilar principal de tal modelo laboral que é a autonomia dos prestadores.

A subordinação existente em uma relação empregatícia clássica diz respeito ao empregado estar sujeito ao mando diretivo do patrão. Para além disso, é difícil imaginar uma relação de emprego com tão pouca supervisão e com tamanha autonomia. E esse foi o entendimento da 37a Vara do Trabalho de Belo Horizonte, que proferiu a decisão rejeitando o pedido para que a Uber fosse condenada ao pagamento de férias, décimo terceiro e adicional noturno a um motorista da plataforma, afastando a existência de vínculo de emprego em razão da ausência de subordinação entre as partes, requisito essencial para o vínculo.

Entretanto, na 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, outra decisão foi tomada, totalmente divergente da anterior, reconhecendo o vínculo empregatício existente entre um motorista e a Uber, condenando a empresa ao pagamento férias, décimo terceiro, horas extras e adicional noturno. Nesse sentido, percebemos a existência de uma pluralidade de decisões que se acumulam frente à necessidade de reconfiguração do Direito do Trabalho frente às novas configurações do trabalho.

Gunter Teubner analisa o papel do socialismo constitucional na globalização, abordando, dentre outros, as transformações ocorridas no âmbito profissional-organizacional. O autor divide o âmbito de regulação das normas constitucionais em âmbito espontâneo, âmbito profissional-organizacional e âmbito de autodirecionamento do meio de comunicação. Nesse contexto, o autor questiona a possibilidade de institucionalizar juridicamente garantias constitucionais que estabeleçam um controle acentuado no âmbito espontâneo sobre o organizacional. No âmbito do trabalho, faz a seguinte análise:

Deve se encontrar arranjos que, devido às pressões externas baseadas em contrapoder, levem a mecanismos de monitoramento (monitoring) abrangentes e transparentes e diversos “sistemas de management” sejam combinados de tal forma que eles superem as causas de condições deploráveis (TEUBNER, 2014, p.175).

CONCLUSÃO

É inegável que, frente à crise econômica que se instaurou no Brasil, a gig economy e a uberização deram acesso a uma rede extremamente ampla de trabalhadores que encontraram nas tecnologias disruptivas a possibilidade de tirar meios de subsistência ou formas de complementar sua renda principal. Entretanto, é preciso mais do que nunca criar uma solução, ainda que seja por meio da criação de uma nova categoria legal de trabalho, com regulamentações próprias, que incluam os trabalhadores que não se encaixam em nenhuma categoria profissional.

O trabalho está mudando e a legislação sobre o trabalho deve acompanhar essas mudanças. Diante dos novas formatos laborais, é indispensável que não se esqueça do papel do Direito do Trabalho no equilíbrio das relações trabalhistas, de modo que este cumpra o seu papel em preservar não apenas o patamar civilizatório, mas também, a manutenção dos direitos mínimos para todo trabalhador.

Referências:

ABÍLIO, Ludmila Costhek. Uberização: a era do trabalhador just-in-time?

GIG – A uberização do trabalho.Dir. Carlos Juliano Barros, Caue Angeli, Maurício Monteiro Filho. Produção Reporter Brasil. Brasil, 2019.

TEUBER, Gunther. Fragmentos constitucionais: constitucionalismo na globalização.1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

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