remuneração de sócios: formas e características

A natureza jurídica de uma sociedade empresária, em essência, prevê a realização de uma determinada atividade econômica visando um retorno financeiro em virtude das atividades desempenhadas, o que independente da forma ou prazo de realização, consequentemente remeterá diretamente à destinação dos lucros auferidos aos sócios, cumprindo-se assim a finalidade econômica de uma sociedade empresária.

Fato é que, a sociedade empresária possui uma expectativa e não uma certeza de lucro, ao qual se desenvolverá, ou não, com a atividade empresarial, que por sua vez é onde naturalmente reside o risco do negócio.

Desta forma, visando a distribuição dos lucros obtidos pela sociedade a seus sócios, serão expostas, a seguir, algumas espécies de remuneração que podem ser adotadas pelas sociedades.

PRÓ-LABORE

A retirada de pró-labore é um direito que pode ser exercido pelos sócios, conforme determinações prévias descritas pela sociedade. Neste sentido, para que seja possível tal retirada, deve haver previsão expressa no Contrato Social permitindo-a e, inclusive, determinando os parâmetros, valores e periodicidade de tal remuneração.

Cabe ressaltar ainda que a distribuição de tal remuneração não tem necessidade de ser proporcional à participação dos sócios, o que enseja dizer que, querendo, eles podem abrir mão de tal remuneração e também, em uma situação hipotética onde seja acordado tal instituto entre os sócios, o pró-labore pode se distribuído de forma desproporcional à participação na sociedade.

O artigo 1.071 do Código Civil (Lei 10.406/2002) ainda estabelece em seu caput c/c inciso IV que, no caso de não existir uma disposição versando sobre a retirada de pró-labore no contrato social, tal questão poderá ser definida por deliberação dos sócios em assembleia geral, conforme abaixo demonstrado:

Art. 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato:

[…]

IV – o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato.

Ainda, com exceção do tradicional pagamento de salário, o pró-labore é a forma mais utilizada de remuneração aos sócios, pois ela está atrelada a atividade exercida pelo sócio na sociedade. Contudo, conforme já explicitado, necessita de previsão expressa no Contrato Social para que seja viável sua retirada ou, uma alternativa viável no caso de não existir previsão em Contrato Social, a deliberação de sócios por meio de assembleia geral, passando a figurar como pagamento em contraprestação por serviços prestados.

JUROS SOBRE O CAPITAL PRÓPRIO (JCP)

O Juros sobre o Capital Próprio, por sua vez, é uma espécie de remuneração que se caracteriza por distribuir parte do lucro da sociedade aos sócios de forma proporcional ao capital já aportado, o que resulta em dizer que esta espécie de remuneração ocorre de forma proporcional à participação societária.

Em outras palavras, trata-se de um forma de remuneração aos sócios/acionistas, onde se paga juros (quantia que remunera um credor pelo uso de seu dinheiro por parte de um devedor durante certo período) pela utilização do capital que os sócios/acionistas aportaram na empresa, uma vez que não se pode corrigir monetariamente tais aportes.

 Neste sentido, Andrea Teixeira Nicolini em sua obra “Remuneração dos Sócios, Empresários, Acionistas e Administradores”, dispõe o seguinte:

Juros sobre Capital Próprio (JCP) é definido como uma remuneração monetária aos sócios ou acionistas de uma empresa sobre o capital ali investido. Cada sócio ou acionista recebe esta remuneração adicional àquela decorrente de participação nos lucros, de acordo com sua participação na empresa.[1]

De plano já pode-se destacar uma diferença entre o pró-labore e o JCP: Enquanto o JCP fica diretamente relacionado com a participação do sócio, admitindo somente uma distribuição de forma proporcional a participação de cada um no capital social, o pró-labore pode ser distribuído de forma desproporcional sem se atentar às participações societárias de cada um dos sócios.

Por fim, para que possa haver a distribuição de JCP, a sociedade deve demonstrar a existência de lucros antes da dedução dos juros ou Lucros acumulados e reservas de lucros em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos.

DIVIDENDOS

A distribuição dos dividendos é uma obrigação das Sociedades Anônimas para com seus acionistas trazida pelo artigo 202 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76)[2]. Por definição, os dividendos são “uma parcela do lucro apurado por uma sociedade anônima, distribuída aos acionistas por ocasião do encerramento do exercício social”[3]. Assim sendo, pode-se dizer que os dividendos são os lucros distribuídos aos acionistas de uma sociedade anônima.

Como regra, entende-se que os acionistas terão direito ao recebimento de dividendos proporcionais a sua participação na empresa. Entretanto, caso o Estatuto Social determine regra contrária, deverá ser aplicado o disposto no estatuto, desde que não prive nenhum acionista de receber sua participação nos lucros por meio dos dividendos, conforme o artigo 109 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76)[4] que versa sobre questões que nem Estatuto Social ou Assembleia Geral poderá dispor em desfavor do acionista.

Com relação à proporção específica do dividendo mínimo obrigatório definido por lei, em artigo publicado por Gleidiane Lacerda de Souza[5], a autora sustenta o seguinte:

A obrigatoriedade na distribuição de dividendos é mecanismo de proteção ao acionista que não detém o poder de controle da sociedade. No estatuto deve dispor a respeito do dividendo obrigatório, que poderá ser calculado em percentual sobre o valor do lucro ou do capital social, ou utilização de outros critérios. Deve constar no estatuto a parcela do lucro que será destinada para a distribuição entre os acionistas, caso não conste no estatuto a própria lei determina a obrigatoriedade da distribuição do dividendo, será correspondente a 50% do lucro líquido do exercício, diminuído ou acrescido quanto aos seguintes valores: a importância destinada a reserva legal, a importância destinada a formação de reservas para contingências e reversão das mesmas reservas formadas em exercícios anteriores, e lucros a realizar transferidos para a reserva e lucros anteriormente registrados.

Desta feita, é constatado o caráter protetivo que o dividendo possui ao proteger o acionista minoritário de eventuais abusos por parte da sociedade e obrigar o recebimento de uma quantia mínima em virtude do valor investido, ao mesmo tempo em que também funciona como uma espécie de remuneração que pode ser utilizada a fim de remunerar os sócios e acionistas em virtude do bom desempenho da sociedade.

Ressalta-se ainda que, a existência de distribuição de dividendos presume a existência de lucro da companhia, uma vez que os dividendos são originados pelo lucro. Desta forma, para que seja possível haver tal distribuição, serão deduzidos do resultado do exercício, antes de distribuir o lucro, os prejuízos acumulados e a provisão do Imposto de Renda, conforme nos orienta o artigo 189 da Lei 6.404/76[6].

Cabe uma consideração ainda no sentido de que, a PEC 45/2019 (Reforma Tributária), sustenta que o dividendo deverá passar a ser tributado, de forma que pode ocorrer substancial alteração na distribuição de dividendos.

DISTRIBUIÇÃO DE LUCRO

O Lucro classifica-se como o retorno obtido pelo investidor em razão de determinada operação realizada. Assim, como no caso dos dividendos, a distribuição de lucro entre os sócios depende da existência de lucro no período ao qual se objetiva a distribuição.

A remuneração por meio de distribuição de lucro muito se assemelha com aquela realizada por meio dos dividendos. A principal, porém, não única, distinção entre os instrumentos reside em uma questão terminológica ao destinarmos as remunerações por meio de dividendos às sociedades anônimas e a remuneração por meio de distribuição de lucro às sociedades empresárias ou simples, constituídas sob a forma de sociedade limitada, sob égide do Código Civil brasileiro.

Desta forma, entende-se que a sociedade limitada será constituída por meio de contrato social abarcando as questões trazidas pelo artigo 977 do Código Civil[7], contendo, dentre elas, disposição expressa sustentando que deverá constar no contrato social da sociedade a participação de cada sócio nos lucros e nos prejuízos da sociedade.

Ao dispor sobre tal questão e dar liberdade aos sócios em dispor sobre a distribuição de lucros entre eles, já fica evidente uma diferença entre dividendos e a distribuição de lucros. Enquanto na distribuição de dividendos tal operação ocorre, obrigatoriamente, de forma proporcional à participação de cada acionista na companhia, na distribuição de lucros em sociedade limitada os sócios podem dispor no contrato social sobre a distribuição desproporcional dos lucros entre eles.

Ainda neste sentido, também não há a obrigatoriedade da distribuição de um valor mínimo a cada sócio como há no caso de dividendos caracterizados pelo dividendo mínimo obrigatório. Aqui surge mais uma distinção entre as duas formas de remuneração recém-tratadas.

CONCLUSÃO

Por fim, baseado no conteúdo apresentado, entende-se que a sociedade deverá analisar seus aspectos societários, isto é, as disposições constantes em seu contrato ou estatuto social, antes de pensar sobre qual forma de remuneração aos sócios utilizar, de forma que, dentre as espécies apresentadas, todas são juridicamente viáveis de utilização mediante análise das disposições contidas no documento de registro e intenções da sociedade.


[2] Art. 202. Os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as seguintes normas: 

        I – metade do lucro líquido do exercício diminuído ou acrescido dos seguintes valores:

        a) importância destinada à constituição da reserva legal (art. 193); e 

        b) importância destinada à formação da reserva para contingências (art. 195) e reversão da mesma reserva formada em exercícios anteriores; 

        II – o pagamento do dividendo determinado nos termos do inciso I poderá ser limitado ao montante do lucro líquido do exercício que tiver sido realizado, desde que a diferença seja registrada como reserva de lucros a realizar (art. 197); III – os lucros registrados na reserva de lucros a realizar, quando realizados e se não tiverem sido absorvidos por prejuízos em exercícios subsequentes, deverão ser acrescidos ao primeiro dividendo declarado após a realização. 

[3] NICOLINI, Andréa Teixeira, Remuneração dos Sócios, Empresários, Acionistas e Administradores, IOB Folhamatic EBS – Sage, 1ª edição, 2015, pgs. 65

[4]  Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembleia geral poderão privar o acionista dos direitos de:

        I – participar dos lucros sociais;

        II – participar do acervo da companhia, em caso de liquidação;

        III – fiscalizar, na forma prevista nesta Lei, a gestão dos negócios sociais;

        IV – preferência para a subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição, observado o disposto nos artigos 171 e 172;     

        V – retirar-se da sociedade nos casos previstos nesta Lei.

[5] Artigo publicado por Gleidiane Lacerda de Souza, Revista Semana Acadêmica, edição 35, volume 01 do ano de 2013

[6]  Art. 189. Do resultado do exercício serão deduzidos, antes de qualquer participação, os prejuízos acumulados e a provisão para o Imposto sobre a Renda.

     Parágrafo único. O prejuízo do exercício será obrigatoriamente absorvido pelos lucros acumulados, pelas reservas de lucros e pela reserva legal, nessa ordem.

[7] Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:

I – nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;

II – denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;

III – capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;

IV – a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;

V – as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços;

VI – as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições;

VII – a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;

VIII – se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.

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