covid-19 – medidas preventivas e demais implicações trabalhistas – medida provisória n.º 927 de 22 de março de 2020

O Governo Federal publicou neste domingo (22/03/2020) a Medida Provisória n.º 927, que dispõe sobre as medidas trabalhistas que poderão ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e da renda e para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n.º 6 de 20 de março de 2020, e de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19), decretada pelo Ministro de Estado da Saúde, em 03 de Fevereiro de 2020, nos termos do disposto na Lei n.º 13.979, de 06 de fevereiro de 2020.

Antes de aplicarmos as medidas previstas na MP 927/2020, temos que observar que: i) As normas estabelecidas na MP só são aplicáveis durante o estado de calamidade pública (Decreto Legislativo n.º 6 de 2020); ii) A Medida Provisória possibilita a flexibilização de direitos trabalhistas, permitindo que o empregador e empregado, por meio de acordo individual escrito, estabeleçam regras que, excepcionalmente durante este período de crise, terão preponderância sobre qualquer outro dispositivo, legal e negocial, respeita a Constituição Federal; iii) A Medida Provisória regulamenta expressamente regras para alguns direitos trabalhistas (teletrabalho, férias, antecipação de feriados, banco de horas, regras de segurança e saúde no trabalho, afastamento para qualificação do empregado e recolhimento do FGTS); iv) Entretanto, é facultado a empregadores e empregados, por meio de por meio de acordo individual escrito, flexibilizarem outros direitos trabalhistas (não só aqueles expressamente listados na Medida Provisória), respeitado sempre o texto da Constituição Federal.

As principais medidas anunciadas através da MP 927/2020, para enfrentamento dos efeitos econômicos que buscam flexibilização das relações de trabalho neste período emergencial, são as seguintes:

Trabalho remoto / Teletrabalho / Home Office (artigos 4º e 5º da MP 927/2020)

Considera-se teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância a prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação que, por sua natureza, não configurem trabalho externo, conforme assim dispõe o artigo 75-B da CLT. Diferentemente do teletrabalho, o home office é eventual, ou seja, nesta modalidade a prestação de serviços preponderante é dentro das dependências do empregador.

Diante aumento considerável do número de casos confirmados, o trabalho em home office pode se tornar uma opção mais ampla para tentar conter o aumento do contágio da doença.

Quanto ao trabalho remoto, está ele previsto em lei (artigos 75-A e seguintes da CLT), no entanto, há certa rigidez quanto ao tema, especialmente em decorrência da obrigatoriedade de contrato individual que estabeleça o teletrabalho bem como todas as suas condições, inclusive no que tange à infraestrutura.

O governo federal pretende, neste momento, flexibilizar os requisitos legais, com o intuito de permitir a realização do trabalho remoto por grande número de pessoas, o que também é um meio de reduzir o contato social e impedir a propagação do Covid-19.

Tem o governo a intenção de permitir a remoção de funcionários ao sistema de teletrabalho, independentemente de previsão contratual, e mediante prévio aviso no prazo mínimo de 48 (quarenta e oito) horas.

Neste caso, a empresa deve arcar com o pagamento do salário integral e será necessário ajustar as regras sobre os custos deste tipo de serviço (infraestrutura, luz, internet, etc.) mediante política interna ou aditivo contratual. Ou seja, as despesas decorrentes do trabalho remoto, a exemplo de internet, modem, computador, luz e impressora, podem ser arcadas pelo empregado, bastando que exista previsão escrita para tanto.

Observamos que alterações prejudiciais aos contratos e às condições de trabalho são vedadas. O regime quanto ao controle de jornada e às horas extras (se cabíveis ou não) deve permanecer inalterado.

A MP simplificou a alteração da modalidade de trabalho (de regular para home office), assim as empresas poderão estabelecer regime de trabalho remoto independentemente da existência de acordos individuais e/ou coletivos, sendo dispensada a alteração prévia do contrato de trabalho. Para tanto, a empresa deverá comunicar o empregado com antecedência mínima de 48 horas, por escrito ou meio eletrônico, dispondo como se dará o trabalho e a possibilidade de reversão imediata da medida, caso se trate de uma excepcionalidade em razão da situação atual.

Portanto, salientamos que o home office não requer a confecção de um aditivo ao contrato de trabalho, todavia, se o trabalho remoto se estender, é necessário estabelecer as condições de teletrabalho em um aditivo contratual.

Após o término do estado de calamidade pública, a empresa deverá comunicar o empregado, sobre a alteração da modalidade de trabalho (de home office para regular), da mesma forma, por escrito ou meio eletrônico, com antecedência mínima de 48 horas.

As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância e ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado serão previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho.

Na hipótese do empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho a distância, o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza salarial, ou na impossibilidade do oferecimento do regime de comodato, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador.

Importante frisar que a possibilidade de trabalho remoto foi estendida para estagiários e aprendizes.

O comparecimento às dependências do empregador para realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.

Em tempo, a empresa deve se atentar ao artigo 75-E da CLT que prevê que o empregador deverá instruir os empregados de forma expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho e o empregador deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador. Ou seja, o profissional não deve trabalhar sentado no sofá ou na cama. O computador deve estar posicionado de modo que a pessoa não precise levantar nem baixar a cabeça para visualizar a tela, a cadeira deve ser ergonômica e o local de trabalho, iluminado. Essas questões precisam ser observadas para não acontecer, de repente, de o profissional chegar com dores lombares porque não tinha cadeira adequada para trabalhar, uma vez que a empresa é responsável por realizar a análise ergonômica de todos os empregados, inclusive aqueles que trabalham em regime home office, nos termos da Norma Regulamentadora (NR) 17, do Ministério do Trabalho.

Apenas como sugestão, segue a imagem abaixo com as condições adequadas de trabalho:

Com relação ao controle de frequência, atualmente existem programas em que os profissionais podem “bater ponto” pelo computador. O controle das atividades do empregado pode se dar por vários modos, a exemplo de login/logout em sistemas ou máquinas, e-mails, controle de produtividade, entre outros.

No que tange ao vale alimentação/refeição, é comum a previsão de seu pagamento “por dia de trabalho”, o que continuará a ocorrer mesmo em regime de teletrabalho, devendo ser mantido o seu pagamento.

Todavia quanto ao vale transporte, volta-se a subsidiar o deslocamento do empregado entre a sua residência e o trabalho. Por essa razão, seu pagamento pode ser suspenso enquanto tal deslocamento não esteja ocorrendo.

Possibilidade de antecipação de férias individuais (Artigos 6º a 10º da MP 927/2020)

A MP possibilitou ao empregador antecipar férias aos empregados, mesmo que o período aquisitivo ainda não tenha sido concluído.

Além disso, tendo em vista que não se sabe a dimensão de eventual paralização, empresa e empregado poderão negociar a antecipação do gozo de períodos futuros de férias, mediante acordo. Na prática, pode permitir que o trabalhador fique mais de 30 (trinta) dias afastado, se forem somadas férias vencidas com férias antecipadas.

Para as férias concedidas neste período de calamidade, o seu pagamento ao empregado poderá ser efetuado até o quinto dia útil do mês subsequente ao do gozo, sendo que o empregador ainda poderá optar em pagar o adicional de 1/3 de férias juntamente com o 13º salário.

A conversão de 1/3 do período de férias em abono pecuniário (“venda de 10 dias de férias”) dependerá de concordância do empregador e seu eventual pagamento poderá ser também postergado para o momento de pagamento do décimo terceiro salário.

A remuneração do período de férias não precisará ser antecipada, podendo ser realizada no quinto dia útil do mês subsequente à concessão.

Em caso de demissão do empregado, a empresa deverá pagar, juntamente com a rescisão, os valores acima que se encontrarem pendentes.

Permissão de concessão de férias coletivas (Artigos 11 e 12 da MP 927/2020)

A MP prevê uma redução do prazo de notificação da concessão de férias para, no mínimo, de 48 horas, e sem a necessidade de intervenção sindical ou do Ministério da Economia (atualmente responsável pela pasta do Ministério do Trabalho).

Com tal medida o governo busca desburocratizar os tramites de concessão de férias coletivas, a fim de possibilitar a concessão das férias em curto prazo para atender às necessidades emergenciais decorrentes da pandemia instaurada, o que, inclusive, atende à necessidade de menor contato social para fins de contenção da propagação do vírus.

As férias coletivas poderão ser concedidas a todos empregados da empresa ou para setores/áreas específicas.

Permissão de antecipação de feriados (Artigo 13 da MP 927/2020)

As empresas poderão antecipar o gozo de feriados, a fim de que os trabalhadores permaneçam recolhidos, sem prejuízo do seu salário, mediante notificação aos empregados e indicando os feriados cujo gozo será antecipado.

Com tal medida o governo busca permitir que os trabalhadores permaneçam em suas residências nesse período emergencial, sem prejuízo dos seus salários, por antecipação do repouso decorrente de feriados, nos quais haverá a regular prestação de serviços, hipótese em que o trabalho em tais dias não serão remunerados, porque já compensados.

Para os feriados religiosos, a sua antecipação dependerá da concordância do empregado por meio de acordo individual.

Flexibilização das regras de banco de horas (Artigo 14 da MP 927/2020)

Banco de horas é um acordo entre empregador e empregado onde a diminuição da jornada de trabalho em um determinado dia é compensada com as horas trabalhadas a mais em outro dia.

Neste período de crise decorrente de isolamento social para contenção da propagação do Covid-19, o governo pretende flexibilizar as regras de banco de horas, a fim de que possam os trabalhadores permanecer em suas residências, com a posterior compensação de jornada.

É certo que a reforma trabalhista já trouxe algumas alterações e flexibilização para os acordos de banco de horas, como, por exemplo, a possibilidade de acordo individual. No entanto, houve a flexibilização da regras para o enfrentamento da crise atual.

A MP autoriza a constituição de banco de horas por meio de acordo coletivo ou por acordo individual, para compensação em até 18 meses, sendo este prazo contado da data de encerramento do estado de calamidade pública (inicialmente previsto até 31/12/2020).

A compensação das horas pelo empregado poderá ser feita mediante a prorrogação da jornada em até 2 horas, não podendo exceder 10 horas diárias.

Os dias e os horários de compensação serão determinados pelo empregador.

Flexibilização da periodicidade de exames médicos laborais e dispensa de treinamentos obrigatórios (Artigos 15 a 17 da MP 927/2020)

Quanto as exigências de Segurança e Saúde no Trabalho, ou seja, os atos determinados pelo Poder Público e praticados pelo empregador visando manter a segurança e a saúde no ambiente de trabalho, a MP suspendeu a obrigatoriedade de exames médicos laborais periódicos com o intuito de evitar ainda maior sobrecarga no sistema de saúde

Para evitar aglomerações, a MP dispensa, ainda, os trabalhadores, da participação de treinamentos presenciais obrigatórios no período, bem como possibilita a realização de forma virtual (à distância) dos referidos treinamentos e demais eventos correlatos.

Os exames demissionais continuam obrigatórios, sendo dispensado apenas se houver periódico realizado há menos de 180 dias.

Postergação do recolhimento do FGTS (Artigos 19 a 25 da MP 927/2020)

Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) é um fundo criado com o objetivo de proteger o trabalhador que for demitido sem justa causa, sendo obrigação dos empregadores depositam em contas abertas na Caixa Econômica Federal, no início de cada mês e em nome dos empregados, o valor correspondente a um percentual do salário bruto de cada funcionário. Geralmente 8% para o trabalhador regular.

A MP postergou a obrigatoriedade de recolhimento do FGTS das competências março, abril e maio de 2020 para o mês de julho de 2020, sendo que os valores devidos poderão ser pagos em 6 parcelas mensais, sendo a primeira parcela em julho de 2020, com vencimento todo dia 07 de cada mês.

Em ocorrendo a rescisão do contrato de trabalho, as parcelas ainda não recolhidas deverão ser pagas sem a incidência de multa e juros, juntamente com o depósito do FGTS relativo à rescisão.

Outras Disposições (Artigos 28 a 36 da MP 927/2020)

⦁ a.           Suspensão, durante o prazo de 180 dias contados a partir de 22/03/2020, dos prazos processuais para apresentação de defesa e recursos em processos administrativos (autos de infração) de natureza trabalhista e notificações de débitos de FGTS (Art. 28).

⦁ b.           Os casos de contaminação de Coronavírus, salvo efetiva comprovação do nexo causal, não serão considerados de natureza ocupacional.

⦁ c.            As Convenções Coletivas de Trabalho e os Acordos Coletivos de Trabalho vencidos ou vincendos no prazo de 180 dias poderão ser prorrogados a critério do empregador pelo prazo de 90 dias, contados do final do prazo de validade.

⦁ d.           Salvo situações estritas, os Auditores do Trabalho atuarão de maneira orientadora.

⦁ e.           A Medida Provisória também se aplica, no que couber, ao Trabalho Temporário (Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974), ao Trabalho Rural (Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973) e ao Trabalho Doméstico (Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015).

⦁ f.            As medidas trabalhistas adotadas no período de 30 (trinta) dias anteriores à Medida Provisória, desde que não contraditórias, ficam convalidadas.

Obs.: Quanto ao artigo 18 da MP n.º 927/2020, que versava sobre a possibilidade de suspensão dos contratos de trabalho vigentes por até 4 meses, para os setores mais afetados pela crise decorrente da pandemia, cumpre-nos informar que este artigo foi revogado pelo Presidente da República nesta data (23).
 
Como se trata de uma Medida Provisória, o texto, com os outros pontos que não foram revogados, passa a valer imediatamente e as medidas trabalhistas podem ser aplicadas pelos empregadores, mas ainda precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional no prazo de até 120 dias para não perder a validade. O Governo Federal defende a proposta como forma de evitar demissões em massa.

Entendemos que a referida medida se trata de importante mecanismo que permite as partes, empregador e empregado, por meio de um acordo individual de trabalho, estabelecer regras para flexibilização do contrato de trabalho durante a crise decorrente da propagação do novo coronavírus (Covid-19).

Na manhã desta segunda-feira (23), o secretário especial da Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, afirmou que uma próxima Medida Provisória, com vigência imediata, vai prever a possibilidade de antecipação do seguro-desemprego em casos de suspensão do contrato ou redução de jornada e salário.

Assim, certo é também que diversas medidas estão sendo tomadas, tanto pelo Governo Federal, quanto por alguns setores da economia, para que esse impacto seja minorado tanto quanto possível.

Ademais, novas medidas podem e devem ser tomadas ao longo os próximos dias para alcançar a estabilidade da economia.

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