o imposto declarado e não pago pode trazer algum tipo de responsabilidade ao sócio administrador da empresa?

SOBRE A INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 1.862 DE 2.018 E SEUS COMANDOS LEGAIS

Em 28.12.2018, foi publicada a Instrução Normativa nº 1862/2018, que dispõe sobre o procedimento de imputação de responsabilidade tributária no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Na Seção II, da IN em comento, podemos verificar que esta trata da imputação de responsabilidade a terceiros com base no simples indeferimento em relação à transmissão da Declaração de Compensação – DCOMP, o que, no mundo empresarial é muito comum de ocorrer, ou seja, o contribuinte, com base em suas apurações contábeis/fiscais, verifica a existência do direito creditório e em razão disso, utilizando as aludidas DCOMPs, realiza o procedimento de compensação, previsto no artigo 156, II, do CTN.

Nesse sentido, destaca-se aqui o quanto consignado na IN 1.862/2018, confira-se:

Art. 9º Na hipótese de não homologação da compensação realizada mediante entrega de Declaração de Compensação, nos termos do § 7º do art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996, a imputação de responsabilidade tributária será realizada no respectivo despacho decisório, que deve observar os requisitos a que se refere o art. 3º, sem prejuízo da imputação no lançamento de ofício da multa isolada a que se refere o § 17 do mesmo dispositivo legal, caso em que será aplicado o disposto nos arts. 2º ao 7º.

Deste modo, considerando o artigo supramencionado é claro o entendimento de que a Receita Federal do Brasil, ao não homologar a declaração de compensação transmitida pelo contribuinte, poderá, respeitando os ditames do artigo 3º desta mesma Instrução Normativa, atribuir responsabilidade a terceiros, que por estes entende-se como os diretores, gerentes ou representantes da empresa, haja vista o seu poder diretivo e decisório.

Após a apuração acima mencionada, o contribuinte arrolado como sujeito passivo da “suposta infração”, poderá, segundo a Instrução Normativa, defender-se mediante a apresentação de Impugnação administrativa face ao despacho decisório que não homologou a respectiva DCOMP.

E foi com base em tais atos, o de inclusão de sócios no polo passivo da “suposta infração”, pelo mero inadimplemento ou erro formal na transmissão da DCOMP, que o presente artigo se debruçou em relação à respectiva matéria em debate, buscando esclarecer quais os limites os quais serão ultrapassados pela RFB e o posicionamento do Poder Judiciário e Administrativo[1] em relação à inclusão dos sócios e afins na fiscalização/polo passivo da demanda, bem como possíveis medidas a serem adotas pelo contribuinte buscando mitigar tais riscos, ainda mais no momento instável econômico que o país vem enfrentando.

O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL NOS CASOS ADMNISTRTIVOS E JUDICIAIS

Em relação ao tema que está sendo analisado, é importante destacar que se trata de atribuição de responsabilidade a terceiros, tema este previsto nos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional, e foi com base neste tema que os estudos deste artigo buscaram se aprofundar.

Em razão disso fez-se necessária uma análise do entendimento jurisprudencial firmado tanto na esfera administrativa, quanto na esfera judiciária, CARF e Superior Tribunal de Justiça – STJ, respectivamente.

Mas, antes de expor o entendimento dos respectivos colegiados, faz-se necessário esclarecer a natureza da Declaração de Compensação – DCOMP, que é sem sombra de dúvidas uma obrigação acessória, ou seja, sua função é a de informar o Fisco/RFB acerca da compensação de um possível crédito tributário, conforme acima mencionado.

A obrigação acessória está prevista no artigo 113 do Código Tributário Nacional, cujo teor é o seguinte:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

Conforme se depreende da leitura do artigo supramencionado, precisamente no §3º, pelo simples fato de sua inobservância converte-se em obrigação principal à penalidade pecuniária.

Considerando tal premissa, caso ocorra a sua inobservância, entende-se que a obrigação acessória será equiparada à obrigação principal, esta que por sua vez traduz-se no recolhimento do imposto, o qual teve o seu fato gerador mediante um ato vinculado do contribuinte, ou seja, as operações rotineiras da empresa.

Deste modo, considerando esta equiparação e ainda considerando o quanto escrito no artigo 135 do Código Tributário Nacional, em conjunto com as jurisprudências administrativa e judicial, o entendimento que se tem é o de que a Receita Federal extrapola os limites estabelecidos em lei para incluir os diretores, gerentes ou representantes da empresa no polo passivo da demanda, dada as condições acima mencionadas, sendo que tal conclusão se deu a partir da leitura de diversos julgados perante o CARF[2] e STJ[3].

É importante destacar que, após a análise destes acórdãos, proferidos nos órgãos acima mencionados, o entendimento destes são idênticos de que para haver o redirecionamento da Execução, ou a inclusão da pessoa física no polo passivo da demanda, é patente que haja evidente violação ao quanto disposto no artigo 135 do CTN, quais sejam: atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, sendo que o erro no preenchimento de uma Declaração de Compensação ou o mero inadimplemento de um tributo não configura a hipótese de redirecionamento ou atribuição de responsabilidade a terceiros.

Nesse sentido, é importante destacar abaixo o trecho retirado dos julgamentos do CARF no qual confirma o entendimento de que para que haja a responsabilização dos sócios/administradores é imprescindível que as pessoas físicas infrinjam o quanto disposto no artigo 135, do CTN, confira-se:

CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INTERESSE COMUM. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. São solidariamente responsáveis pelo crédito tributário as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, devendo ser excluídas da responsabilidade solidária as pessoas cujo interesse comum não restar comprovado.

SÓCIO-GERENTE. EXCESSO DE PODERES, INFRAÇÃO DE LEI E CONTRATO SOCIAL. CRÉDITOS RESULTANTES. RESPONSABILIDADE.

O sócio-gerente é responsável pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

SUJEIÇÃO PASSIVA SOLIDÁRIA. SÓCIO COTISTA. EXCLUSÃO DO PÓLO PASSIVO.

O sócio não se confunde com a pessoa jurídica de cujo capital participa, e o inciso III do art. 135 do CTN expressa e restritivamente só atribui a responsabilidade solidária ao sócio administrador em relação aos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos – grifamos.

Neste passo, o entendimento nas instâncias administrativas é o de que as pessoas físicas somente poderão ser responsabilizadas pelo crédito tributário quando estes forem resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, ou seja, o quanto disposto no artigo 135 do Código Tributário Nacional.

Tal análise também foi feita pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, cujo entendimento não se destoou do quanto entendido no CARF, ou seja, que o artigo 135 do CTN é um impeditivo para que o Fisco insira, arbitrariamente, os nomes dos diretores, gerentes ou representantes da empresa no polo passivo da demanda, vejamos:

Não basta, portanto, o simples inadimplemento do tributo, com a falta de seu recolhimento a fim de que se redirecione o feito executivo, mas também imprescindível a comprovação de irregularidades, que poderão ser apuradas em processo administrativo ou judicial.

Neste momento, a pergunta que se provoca para solução da controvérsia é: quais irregularidades seriam aptas a permitir a responsabilização dos sócios? Indubitavelmente, a aplicação do art. 135 do CTN é medida que se impõe. Deverá ficar claro que as irregularidades consistiram na prática de atos com excesso de poder ou quebra das normas legais, contratuais ou estatutárias[4].

Assim, a desconsideração da personalidade jurídica, com a consequente invasão no patrimônio dos sócios para fins de satisfação de débitos da empresa, é medida de caráter excepcional, sendo apenas admitida nas hipóteses expressamente previstas no art. 135 do CTN ou nos casos de dissolução irregular da empresa, que nada mais é que infração à lei.

Como se vê, o ora recorrente ingressou na sociedade após a sua dissolução irregular. Assim, não agiu com excesso de poderes, infração à lei ou ao estatuto. Não sendo cabível o redirecionamento da execução fiscal. Ressalta-se, ainda, que, nos termos da jurisprudência do STJ, o simples inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente[5].

No mais, consoante entendimento consolidado nesta Corte Superior, o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio é cabível apenas quando demonstrada a prática de ato com excesso de poder, infração à lei ou no caso de dissolução irregular da empresa, não se incluindo nas hipóteses o simples inadimplemento de obrigações tributárias, como é o caso de não repasse das arrecadações de contribuições descontadas dos salários dos empregados[6].

Deste modo, contribuindo com o quanto exposto até aqui, estão em linha as jurisprudências inerentes aos casos julgados perante o CARF e STJ.

E com maior profundidade de detalhes e riqueza tal questão foi analisada nos autos do REsp nº 1.326.221/DF, cujos principais trechos serão abordados no presente artigo, confira-se:

Contudo, da análise dos autos, percebe-se a parte recorrente tenta atribuir ao recorrido a responsabilidade pelo pagamento dos tributos não realizado pela empresa, partindo da presunção de que, se o nome do ex-sócio consta da CDA, é porque a cobrança é legítima; nada mais enganoso, pois o que se observa, na prática, é que o Fisco trata os responsáveis pelas pessoas jurídicas como devedores solidários das obrigações tributárias, incluindo seus nomes na CDA indiscriminadamente sem qualquer apuração prévia acerca da existência de atos ilícitos. Mas tal solidariedade não existe, já que a responsabilização do sócio, gerente ou administrador exsurge apenas e tão-somente quando caracterizada uma das situações previstas no art. 135 do CTN – excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou estatuto ou, em caso de dissolução irregular.

Nesse ponto, registra-se que, se a responsabilidade entre empresa e sócio fosse solidária, não haveria a necessidade dessa ressalva expressa do art. 135 do CTN, e o Fisco poderia acionar um ou outro, indistintamente; não é assim, no entanto, que disciplina a legislação tributária. O patrimônio da sociedade e do sócio são, em princípio, incomunicáveis, salvo hipóteses excepcionais e um dos pressupostos para a confusão patrimonial é a demonstração de ato ilícito praticado pelo agente responsável.

Deste modo, com base no excerto acima destacado, é imperioso destacar que além de reconhecer que o redirecionamento de dívida será possível apenas nos casos de violação ao artigo 135 do CTN, o STJ afirma categoricamente que o artigo 135 é uma espécie de trava para que o Fisco não inclua arbitrariamente as pessoas na condição de sócios ou diretores no polo passivo da cobrança.

Considerando o entendimento jurisprudencial exposto, a conclusão que se tem é a de que hoje as premissas do artigo 135 do CTN são uma garantia do contribuinte para que não haja o redirecionamento da dívida em seu desfavor, feita de forma arbitrária.

É importante ressaltar, que tais conclusões se deram a partir de uma detalhada análise jurisprudencial em relação aos tribunais acima mencionados, bem como em estrita observância legal, contudo, o entendimento do FISCO pode ser adverso do quanto aqui consignado, podendo este, mesmo que o contribuinte siga estritamente a legislação vigente, entender por bem em autuá-lo.

O não pagamento de tributos em época de pandemia, pode trazer alguma consequência ao sócio administrador da empresa?

Conforme informado anteriormente e conforme é de conhecimento geral, diversos setores tiveram as suas atividades paralisadas por conta da pandemia ora instaurada no mundo, sendo percebido, inicialmente, nos setores de transporte (público e privado), nos setores de evento, industrial e por fim no comércio, ocasionando um enorme colapso econômico e levando diversos setores a reduzirem custos, mediante a demissão de diversos colaboradores, dentre outras medidas por eles adotadas.

O fato é que estes contribuintes adotaram as mais diversificadas medidas para corte de custos, mas o que eles possuem de similar entre si é a considerável queda de receita pela escassa procura de seus produtos e serviços.

O maior reflexo é visto no cumprimento de suas obrigações tributárias, tendo em vista o baixo, ou quase zero, lucro, levando o contribuinte a deixar de adimplir com tais obrigações.

Tanto é verdade que diversos destes contribuintes precisaram ingressar em juízo com ações judiciais visando a postergação da data de pagamento destes tributos, haja vista o estado de calamidade pública decretado em todo território nacional.

Visando ajudar o contribuinte neste momento de crise, à luz das considerações acima destacadas, o Governo Federal editou a Portaria nº 139/2020, que prorrogou o prazo para o recolhimento de alguns tributos federais, quais sejam: (i) contribuições previdenciárias; (ii) contribuição devida pelo empregador doméstico e (iii) contribuição ao PIS e COFINS.

Embora a administração pública venha se esforçando para manter a economia aquecida neste delicado momento, sabemos que tal ato normativo não é suficiente para ajudar as entidades empresariais, tendo em vista a elevada carga tributária incidente nas operações comerciais, industriais e de serviço.

Em outras palavras, não só a medida acima mencionada foi suficiente para sanar o problema de caixa das empresas, significa dizer que estas ainda estão deixando de pagar um montante considerável a título de tributo, sendo qualificados como inadimplentes junto aos fiscos.

Nesse mesmo sentido, conforme anteriormente exposto, é evidente que neste momento o inadimplemento tributário se dá face ao estado de força maior que  país vem enfrentando, o que nos leva a crer que tal ato é conduzido não pela vontade do contribuinte e sim pela situação caótica na qual o país se encontra.

Com base nesses argumentos entende-se que o contribuinte que deixar de proceder ao pagamento de seus impostos declarados e não pagos, não poderá ser arguido contra si o redirecionamento de uma eventual execução, haja vista (i) a não caracterização de violação ao artigo 135 do CTN e (ii) a ausência de dolo na falta de recolhimento do tributo.

Deste modo, considerando todo o estudo pertinente ao tema em debate, há de se ressaltar que as medidas acima indicadas buscam trazer maior transparência e legitimidade, em conformidade com o ordenamento jurídico, em relação às decisões tomadas pelos administradores das sociedades empresárias, de modo a mitigar os riscos de interpretação em relação à suposta violação às premissas contidas no artigo 135, do CTN, os quais, segundo a jurisprudência analisada, são uma forma de garantia do contribuinte (pessoa física), a fim de evitar a arbitrariedade estatal em incluí-los no polo passivo de uma demanda tributária.

É possível concluir desta maneira, à luz da jurisprudência firme que se forma em torno das esferas administrativa e judicial, especialmente em torno desta, cujo entendimento é o de que a responsabilidade do sócio/administrador frente às ações da pessoa jurídica apenas poderão serem invocadas em caso de evidente prova de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, frente às respectivas sociedades empresarias, ou, salvo tais hipóteses, em caso de caracterização de dissolução irregular.

Referências:

INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 1.862 DE 2.018;

Código Tributário Nacional (artigos 156,II; 134; 135; 113; 113, §3º)

Acórdãos do CARF nºs: 301-003.996 e 1401-003.491; e

RECURSO ESPECIAL Nº 1.601.373 e 1.326.221.


[1] Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF

[2] 301-003.996 e 1401-003.491

[3] AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.601.373 – DF; AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.611.500 – SC; AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.225.565 – SP; RECURSO ESPECIAL Nº 1.326.221 – DF e EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 374.139 – RS

[4] AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.601.373 – DF

[5] AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.611.500 – SC

[6] AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.225.565 – SP

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