Governança Corporativa e a diversidade de gênero na composição do Conselho Administrativo das Companhias Abertas

 

A Governança Corporativa abarca uma série de tópicos, relacionados a comportamento ética, integridade, respeito aos direitos humanos e às leis trabalhistas, esforços anticorrupção, proteção de dados, privacidade e entre outros, a diversidade de gênero.

A discussão sobre diversidade de gênero nos Conselhos de Administração e cargos de alta gestão das empresas, assim como outros temas relevantes, como a equiparação salarial por exemplo, não são novidade no Brasil. Todavia, é de suma importância entendermos como outros países estão enfrentando estes desafios e o que podemos fazer para estar melhor preparados.

Antes de adentrar especificamente na questão da diversidade, faz-se necessário uma breve introdução ao conceito e histórico da Governança Corporativa.

  1. Governança Corporativa

A Governança Corporativa é o conjunto de práticas e regras que tem por objetivo melhorar o funcionamento de uma companhia através de um desenho global de melhoria da organização e seus órgãos. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) traz uma definição bem detalhada do termo:

Governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas.

As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum[1].

Em linhas gerais, não só a companhia mas os investidores, conselheiros, diretores, colaboradores e a sociedade como um todo se beneficiam com a implementação de boas práticas de governança.

1.1 Contexto (ou desenvolvimento) histórico

Este movimento teve início no Estados Unidos e ganhou mais força nos anos 90 em resposta à sérios escândalos envolvendo importantes empresas e rapidamente se espalhou pela Europa e logo para outros países.

O Relatório Cadbury, publicado em 1992 na Inglaterra, é considerado o primeiro código de boas práticas de Governança Corporativa e um ponto de partida na etapa atual da Governança Corporativa mundial. Um princípio importantíssimo que foi trazido com este código foi o “Princípio do aplique ou explique”, com ele as companhias deveriam cumprir as recomendações ou explicar publicamente o motivo do não cumprimento destas.

Atualmente, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com seus 38 países membros, tem importante papel para a evolução do tema através de comitês especializados para discutir ideias e propor recomendações, ou até a mesmo a condução de negociações que resultam em tratados ou acordos formais.

No Brasil, o interesse por implementações de boas práticas ganhou destaque com as privatizações e a abertura do mercado nacional nos anos 1990.

Em 1995, foi criado o Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração (IBCA), atual Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) com o intuito de fomentar o desenvolvimento sustentável das organizações. O Instituto é referência nacional e internacional e tem como objetivo a disseminação de conhecimento a respeito das melhores práticas em Governança Corporativa. Em 1999 o IBGC foi responsável pelo lançamento do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, considerado sua principal publicação, atualmente na sua quinta edição.

O “Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas”[2], baseado nos Princípios de Governança Corporativa G20/OCDE foi lançado em novembro de 2016 em um evento sediado pela B3. Este Código foi resultado da criação conjunta de 11 entidades do mercado de capitais. São pilares básicos deste código:

Transparência: Disponibilizar para as partes interessadas as informações que sejam de seu interesse, mesmo aquelas que a lei não obriga.

Equidade: Entre todos os sócios e demais partes interessadas (stakeholders.

Prestação de Contas (accountability): Prestar contas de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, além de atuar com diligência e responsabilidade.

Responsabilidade Corporativa: Modelo de negócios com visão de curto, médio e longo prazos levando em consideração os diversos capitais da empresa (financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social, ambiental, reputacional etc.).

  1. A diversidade de gênero nos conselhos de administração e cargos de alta gestão das empresas

A consultoria americana MSCI publicou um estudo realizado com mais de 3 mil companhias, incluindo dados de 48 países, o qual revela que em 2021 a porcentagem de mulheres em cargos de liderança nas companhias pesquisadas era de 22,6%, apenas 1,5% de crescimento se comparado com o ano anterior e somente 1,1% se comparado a 2019. O salto de 2018 para 2019 foi um pouco maior 2,1%, entretanto, no ano anterior cresceu ínfimos 0,6%[3].

O estudo concluiu que se o ritmo lento de crescimento da participação feminina nos cargos de alto escalão das empresas continuar na mesma velocidade apresentada no índice MSCI All Country World Index (ACWI), as mulheres só alcançarão o mesmo número de postos que os homens em 2042.

A equidade de gênero na composição dos Conselhos de Administração das companhias está relacionada com o equilíbrio adequado de conhecimento e competências entre os membros do conselho, tendo como objetivo evitar um pensamento único e proporcionar uma multiplicidade de visões que favoreçam uma otimização aos procedimentos de tomada de decisões voltada aos interesses da companhia.

Os primeiros códigos a incluir recomendações de diversidade de gênero foram os códigos de Governança Corporativa da Finlândia (2003), Suécia (2004), Noruega (2004) e Reino Unido com os relatórios Higgs e os relatórios Tyson, publicados no mesmo ano (2003).

Os sistemas para implementar uma política de diversidade de gênero nos Conselhos Administrativos podem ter um enfoque voluntário ou obrigatório, sendo caracterizados da seguinte forma:

2.1 Enfoque voluntário

O primeiro, traz recomendações sem caráter vinculativo (soft law), tendo como principais exemplos de aplicação os Países Baixos, Áustria, Portugal e Polônia. O que, por sua vez, não significa dizer que estes países não alcancem bons resultados, podendo citar como um exemplo a Dinamarca que possui uma representação feminina de 29,5% nos Conselhos Administrativos e a Suécia possuindo 36,9% de representação neste mesmo critério.

Este sistema pode ainda incluir a aplicação do “Princípio do aplique ou explique”, no qual as companhias devem explicar publicamente o motivo de não seguirem as recomendações de governança, como é o caso do Reino Unido, Espanha e Austrália.

2.2 Enfoque obrigatório

Os ordenamentos com enfoque obrigatório estabelecem cotas de representação que, quando não cumpridas, resultam em sanções (hard law), sendo que o primeiro país a adotar um enfoque obrigatório foi a Noruega (2003).

Outro exemplo é a França que, através do “Code de Commerce” (2011), prevê que as Companhias Listadas não podem ter menos do que 40% de representação de cada gênero no Conselho de Administração das Companhias. Em caso de descumprimento da quota a indicação indevida de conselheiro é nula.

  1. Diversidade, equidade e inclusão no Brasil hoje

Segundo a pesquisa Brasil Board Index 2021 publicada no artigo do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)[4], as mulheres ocupam 14,3% das vagas nos Conselhos Administrativos no nosso País e 65% dos conselhos têm pelo menos uma mulher em sua composição. Apesar dos avanços conquistados, o crescimento da equidade na Companhias ainda é muito lento.

Existe atualmente em tramitação no Congresso Nacional, o projeto de LEI N.º 1.801, de 2022, que dispõe sobre a participação equilibrada de homens e mulheres (não superior a 60%, nem inferior a 40%) nos setores privado e público para todos os âmbitos de tomada de decisão – embora o referido projeto se permeie com base em diretrizes globais, como as da ONU, tem gerado discussões em sentidos favoráveis e desfavoráveis uma vez que o projeto pode, dentro de seus imediatismo, gerar situações desfavoráveis na luta pela equidade de gênero.

Há, portanto, um longo caminho a ser percorrido para alcançarmos o equilíbrio na diversidade de gênero no alto escalão das Companhias no Brasil, para isso será necessária uma mudança de cultura e um esforço contínuo para a implementação de mecanismos eficazes a fim de melhorar as boas práticas de Governança Corporativa e assim agregar um diferencial competitivo para as empresas.

Nossa equipe se coloca à disposição para eventuais esclarecimentos através do e-mail societario@veiga.law.

Escrito por Everson Ferreira.

 

 

[1] https://www.ibgc.org.br/conhecimento/governanca-corporativa. Acesso em: 01 de set. de 2022.

[2] https://www.anbima.com.br/data/files/F8/D2/98/00/02D885104D66888568A80AC2/Codigo-Brasileiro-de-Governanca-Corporativa_1_.pdf. Acesso em: 01 de set. de 2022.

[3] https://www.msci.com/www/women-on-boards-2020/women-on-boards-progress-report/02968585480. Acesso em: 01 de set. de 2022.

[4] https://www.ibgc.org.br/blog/pesquisa-diversidade-mulheres-conselhos-no-Brasil Acesso em: 01 de set. de 2022.

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