Já ouviu a frase “ganhou, mas não levou”? No direito, costuma-se utilizar este bordão para se tratar de processos nos quais a parte “ganha” a ação, sendo determinado, por exemplo, o pagamento de uma quantia em seu favor. Entretanto, essa mesma parte acaba não “levando” a quantia por um simples motivo: o credor não consegue localizar bens do devedor.
E muitas vezes o problema não é o fato de o devedor não ter bens. Na realidade, pode ser que seu patrimônio esteja oculto, escondido em nome de terceiros ou mesmo dentro de um grupo econômico de difícil identificação.
A dificuldade de localização de bens
Para encontrar bens, e assim satisfazer um crédito judicial, vários tipos de ferramentas são utilizados: SISBAJUD[1], INFOJUD[2], RENAJUD[3], dentre outros. Apesar disso, em muitos casos, não são encontrados bens passíveis de penhora e, por consequência, o número de execuções pendentes só aumenta.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”), atualmente existem quase 40 milhões de processos com execução pendente, o que corresponde a mais da metade (58%) do total de processos (75 milhões)[4]. Ou seja, mais da metade dos processos em andamento estão parados ante a dificuldade em localizar bens do devedor.
E apesar das recentes alterações legislativas[5], que visam a tornar o poder judiciário cada vez mais eficiente, percebeu-se a necessidade da criação de uma nova ferramenta especificamente para descongestionar estas milhões execuções paradas.
Pensando nisso, no dia 16/08/2022, o CNJ lançou uma nova ferramenta digital que promete agilizar e centralizar a busca de ativos e patrimônios em diversas bases de dados: o Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos – o SNIPER.
Como funcionará o SNIPER?
O SNIPER é o que há de mais moderno em termos de localização de bens e representação gráfica de resultados. Com uma interface de fácil entendimento, o sistema disponibiliza, em menos de cinco segundos, uma consulta ágil a diversas bases de dados cadastradas.
Na prática, o pedido de utilização da ferramenta seguirá o mesmo padrão que já ocorre com os demais sistemas disponibilizados no judiciário, uma vez que apenas os magistrados e servidores da justiça possuirão acesso ao software.
Realizada a pesquisa, a informação será traduzida visualmente, em gráficos que evidenciarão a relação entre pessoas físicas e jurídicas, agilizando o processo de identificação de grupos econômicos e de eventuais fraudes.
Segundo o próprio CNJ[6], esta pesquisa possibilitará visualizar a existência de diversos bens e ativos (incluindo aeronaves e embarcações) e as relações entre o devedor e outras pessoas físicas ou jurídicas.
No lançamento do SNIPER, o juiz auxiliar da presidência do CNJ, Dorotheo Barbosa Neto assim descreveu o software:
“O Sniper foi desenvolvido para trazer agilidade e eficiência na descoberta de relações e vínculos de interesse do processo judicial. Ele permite a melhor compreensão das provas produzidas em processos judiciais de crimes financeiros complexos, como a corrupção e lavagem de capitais, em segundos e com maior eficiência.”
Por enquanto, integram a base de dados do SNIPER os dados de CPF, CNPJ, as bases de candidatos e bens declarados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), informações sobre sanções administrativas, empresas punidas e acordos de leniência (CGU), dados do Registro Aeronáutico Brasileiro (Anac), embarcações listadas no Registro Especial Brasileiro (Tribunal Marítimo) e informações sobre processos judiciais. No entanto, a intenção é que cada vez mais bases de dados sejam adicionadas ao software, o que o tornará mais robusto e preciso com o passar do tempo.
A fim de possibilitar a melhor operacionalidade da ferramenta, o CNJ disponibilizará, em setembro, um curso autoinstrucional, disponível a membros do Poder Judiciário no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Servidores do Poder Judiciário (CEAJUD).
O Programa Justiça 4.0
O lançamento do SNIPER é mais uma etapa do programa Justiça 4.0. Lançado em janeiro de 2021, o projeto de cooperação técnica foi idealizado como uma parceria entre a Agência Brasileira de Cooperação, o Ministério das Relações Exteriores (MRE), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Conselho Nacional de Justiça, com foco em inovação e modernização do Poder Judiciário.
Com ações em diversas frentes, a ideia do projeto é modernizar o judiciário brasileiro, o que inclui o desenvolvimento de soluções tecnológicas para atender demandas do Judiciário, como é exatamente o caso do SNIPER.
Esta nova ferramenta é um avanço importante e, se bem utilizada, poderá satisfazer diversos (talvez milhões) de credores desesperançosos cujas execuções estão paralisadas. Com certeza, a modernização do poder judiciário é fundamental para que este cumpra seu real propósito e o SNIPER promete ter grande participação nessa mudança.
Nossa equipe se coloca à disposição para eventuais esclarecimentos.
Escrito por Andrey Ventura
[1] Trata-se de sistema de envio de ordens judiciais de constrição de valores por via eletrônica, que se dá mediante a indicação de conta única para penhora em dinheiro. Para mais informações vide: https://www.cnj.jus.br/sistemas/sisbajud/
[2] Trata-se de serviço oferecido unicamente aos magistrados (e servidores por eles autorizados), que tem como objetivo atender às solicitações feitas pelo Poder Judiciário à Receita Federal. Para mais informações, vide: https://www.cnj.jus.br/sistemas/infojud/
[3] Trata-se de serviço de restrição judicial de veículos. Para mais informações, vide: https://www.cnj.jus.br/sistemas/renajud/
[4] Fonte: https://www.cnj.jus.br/justica-4-0-nova-ferramenta-permite-identificar-ativos-e-patrimonios-em-segundos/
[5] A título exemplificativo, vide a implementação do filtro de relevância na interposição de Recurso Especial: https://veiga.law/2022/07/27/filtro-de-relevancia-do-superior-tribunal-de-justica/
[6] Fonte: https://www.cnj.jus.br/justica-4-0-nova-ferramenta-permite-identificar-ativos-e-patrimonios-em-segundos/