O limite entre a publicidade e a propaganda enganosa

“A propaganda é a alma do negócio”. Esse clichê do marketing traduz uma verdade importante: não existe negócio, sem publicidade. Mas afinal, o que é publicidade? E qual o limite entre a publicidade e a propaganda enganosa?

Em termos simples, pode-se dizer que publicidade é a demonstração das vantagens e qualidades do produto ou serviço à venda, com o objetivo de que o consumidor exerça a função que o denomina: consuma.

Apesar de a publicidade estar presente no nosso cotidiano, vez por outra ela é alvo de questionamentos jurídicos e, quando isso acontece, a repercussão para o público costuma ser grande.

Exemplo do hambúrguer de picanha, retirado de linha

Foi o caso da divulgação do novo lanche da rede de fast-food McDonald’s, conhecido como “McPicanha”. O hambúrguer, que passou a integrar o cardápio da empresa em 05.04.2022, foi alvo de duras críticas uma vez que, apesar do nome, não era feito de carne de picanha. Por conta disso, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) abriu processo administrativo em 26.05.2022 para verificar eventual vinculação de propaganda enganosa pela empresa. Ainda, o PROCON notificou a empresa para que esta esclarecesse a composição do hambúrguer.

Em nota oficial divulgada à imprensa, o McDonald’s esclareceu que o nome do produto se devia ao molho utilizado no lanche, que tem sabor de picanha. Entretanto, tendo em vista a repercussão ruim da campanha, o produto foi retirado de linha.

Hambúrguer de costela não tinha ingrediente em sua composição

E o mesmo ocorreu, logo em seguida, com um dos principais concorrentes do McDonald’s: o Burguer King. A empresa foi autuada pelo PROCON, acusada de propaganda enganosa, por vender o lanche “Whopper Costela”, que não tinha costela em sua composição. A justificativa foi bem parecida com a do concorrente: o hambúrguer tinha sabor de costela, apesar de não ter o ingrediente em sua composição. Para encerrar a polêmica, o Burguer King optou por mudar o nome do lanche para “Whopper Paleta Suína”.

Esses dois casos recentes podem gerar uma dúvida ao fornecedor: como traçar a linha entre a publicidade aceitável e a propaganda enganosa? Isto é, até que ponto pode o fornecedor exagerar nas qualidades de seu produto, sem incorrer em conduta ilegal?

Definição jurídica de propaganda enganosa

O conceito de propaganda enganosa está legalmente descrito no artigo 37, §1º do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 37, § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

E mais. O Código de Defesa do Consumidor ainda enquadra como crime contra as relações de consumo a publicidade enganosa:

Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços: Pena – Detenção de três meses a um ano e multa.

Ministros do STF se posicionam em relação a propaganda enganosa

Comentando a definição de propaganda enganosa, o Ministro Villas Bôas Cueva, do Superior Tribunal de Justiça, assim se posicionou:

“A informação perfaz direito básico do consumidor, assegurada pelo artigo 6º, inciso IV, do CDC, mostrando-se enganosa, nos termos do artigo 37, parágrafo 1º, do CDC, toda propaganda que preste informações de maneira precária, incompreensível, obscura ou confusa, conduzindo o consumidor a praticar um ato que, em circunstâncias normais, não praticaria” (STJ, REsp nº 1344967, Terceira Turma, j. 24.03.2014).

No mesmo sentido, o Ministro Herman Benjamin, também do STJ, destacou a importância da boa-fé na publicidade:

“O direito de não ser enganado antecede o próprio nascimento do Direito do Consumidor, daí sua centralidade no microssistema do CDC. A oferta, publicitária ou não, deve conter não só informações verídicas, como também não ocultar ou embaralhar as essenciais. Sobre produto ou serviço oferecido, ao fornecedor é lícito dizer o que quiser, para quem quiser, quando e onde desejar e da forma que lhe aprouver, desde que não engane, ora afirmando, ora omitindo (= publicidade enganosa), e, em paralelo, não ataque, direta ou indiretamente, valores caros ao Estado Social de Direito, p. ex., dignidade humana, saúde e segurança, proteção especial de sujeitos e grupos vulneráveis, sustentabilidade ecológica, aparência física das pessoas, igualdade de gênero, raça, origem, crença, orientação sexual (= publicidade abusiva)” (STJ, REsp nº 1828620, Segunda Turma, j. 28.10.2020).

Ainda sobre a importância da informação clara, ressaltou o Ministro Antônio Carlos Ferreira, da mesma Corte Superior:

“O conceito de publicidade enganosa está intimamente ligado à falta de veracidade na peça publicitária, que pode decorrer tanto da informação falsa quanto da omissão de dado essencial. Saliento que a informação possui por finalidade garantir o exercício da escolha consciente pelo consumidor, propiciando a diminuição dos riscos e o alcance de suas legítimas expectativas, haja vista que “sem informação adequada e precisa o consumidor não pode fazer boas escolhas, ou, pelo menos, a mais correta. É o que se tem chamado de consentimento informado, vontade qualificada ou, ainda, consentimento esclarecido” (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. Editora Atlas S.A. 4ª ed., São Paulo: 2014, p. 103). Nessa perspectiva, percebe-se a substancial preocupação do Código Consumerista com o dever de informação e com o princípio da veracidade, tanto que, ao tratar dos direitos básicos do consumidor, assegura o direito à “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (art. 6º, III), e à “proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços” (art. 6º, IV). Isso porque a publicidade comercial, ao promover o consumo, irá vincular o fornecedor e integrar um futuro contrato com o consumidor, razão da importância de que a oferta e a apresentação de produtos ou serviços propiciem “informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores” (art. 31 do CDC)” (STJ, REsp 1705278, Quarta Turma, j. 02.12.2019).

Para ser válida, publicidade precisa ter transparência

Em outras palavras, para a publicidade ser válida, ela precisa, necessariamente, estar investida de transparência. Não é proibido ao fornecedor exagerar as qualidades de seu produto, fazer alegorias ou utilizar de hipérboles, desde que o faça sem omitir informações importantes, ou sem mentir sobre o produto.

Todavia, quando vemos um anúncio dizendo que aquele é o carro mais bonito do ano, ou o celular mais moderno, ou o curso de inglês mais eficiente, não estamos diante de propaganda eventualmente enganosa, mas apenas de técnica aceitável de venda do produto. É bem sabido, pelo consumidor, que o fornecedor (neste caso um verdadeiro vendedor) vai encher seu produto de elogios subjetivos, que não necessariamente se confirmarão na experiência subjetiva de cada cliente. Ainda assim, não há que se falar em propaganda enganosa neste caso.

Induzir cliente a erro caracteriza publicidade enganosa

Por outro lado, se o fornecedor anuncia produto para função que não serve, ou deixa de passar, na propaganda, detalhe fundamental do produto, ou ainda induz o cliente a erro para que este simplesmente consuma, custe o que custar, estamos diante de publicidade enganosa.

Justamente por isso, antes de vincular uma propaganda, é vital que o fornecedor se pergunte: estou sendo claro e transparente nesta publicidade? Estou omitindo detalhe fundamental para a o consumidor, que poderia levá-lo a erro? As respostas a estas perguntas, ajudarão a definir a linha entre a publicidade enganosa e a aceitável.

Gostaria de saber mais sobre este ou outros assuntos jurídicos? Entre em contato conosco.

Escrito por Andrey Ventura.

 

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