O dever de não concorrência, em seu sentido mais amplo, deve ser abordado sob duas óticas distintas capazes de alterar totalmente o entendimento sobre o tema, sendo elas: (i) o dever dos sócios de não competirem com a sociedade; e (ii) a exigibilidade e validade das cláusulas de não concorrência em contratos específicos.
De forma geral, o dever de não concorrência, em qualquer de suas óticas, define-se por restringir um sujeito a prestar atividades, informações, ou até mesmo, financiar atividades que possam ser consideradas semelhantes ou relativas ao objeto da sociedade ou contrato em questão.
Temática ainda foi pouco explorada pela doutrina e jurisprudência brasileira
Em primeiro lugar, quando falamos da figura dos sócios de uma sociedade limitada, existem deveres fiduciários inerentes a esta função que são importantes para a compreensão do presente tema.
Por dever fiduciário entende-se o conjunto de obrigações a serem realizadas pelos sócios a fim de garantir que se alcance o melhor interesse/objeto social da sociedade. Assim, o dever de fidúcia basicamente consiste no compromisso dos sócios em serem leais à sociedade e buscarem, acima dos próprios interesses, a execução do objeto da sociedade da forma mais atrativa possível a ela, sendo este um compromisso com a própria sociedade, com os demais sócios e com eventuais investidores.
Sabendo disso, questiona-se o seguinte: considerando os deveres fiduciários inerentes à figura do sócio, estaria ele descumprindo estes deveres ao concorrer com a própria sociedade?
De fato, esta temática ainda foi pouco explorada pela doutrina e jurisprudência brasileira, aplicando-se a discussões desta natureza os deveres fiduciários de administradores em sociedades anônimas, os quais consistem em agir de modo a maximizar os resultados da companhia e atender seus interesses e dos acionistas, sendo que todas as discussões sobre este tema em sociedades limitadas ainda são obscuras.
É necessário compreender a diferença de natureza entre as sociedades de pessoas e sociedades de capital
Dito isso, para avançarmos neste assunto, é necessário compreendermos a diferença de natureza entre as sociedades de pessoas e sociedades de capital. Fato é que em todas as sociedades a serem analisadas possuem os dois elementos (capitais e pessoas) em sua criação a definição, sendo impossível a ausência de algum destes elementos. O que distingue, portanto, um tipo de outro é a sobreposição de um sob o outro, sendo que aquele que for preponderante em relação ao outro será o fator principal e distintivo do tipo societário que está sendo tratado.
A primeira espécie a ser tratada é a sociedade de pessoas, que se caracteriza por priorizar a relação humana na constituição da sociedade, o que quer dizer que é fator decisivo na constituição da sociedade a pessoa com a qual está sendo feita a associação, ficando o objetivo financeiro/pecuniário em desvantagem com relação ao objetivo pessoal.
Dessa forma, cabe dizer que os elementos materiais relacionados àquela pessoa não constituem o motivo principal de sua associação, cedendo assim lugar para a aproximação por questões pessoais, subjetivas e relacionais que motivam tais partes a se relacionarem em um ambiente de sociedade, o que qualifica a sociedade de pessoas como um tipo societário baseado no intuitu personae.
A sociedade de capitais, por sua vez, baliza toda sua criação e gestão no intuitu pecuniae, que nada mais é do que a não personificação do sócio na sociedade, passando a ser relevante sua contribuição material para a sociedade e não sua contribuição pessoal.
Isto posto, cabe fazer aqui somente uma exceção à regra das sociedades de capitais, que são algumas sociedades anônimas fechadas, que por restringirem a livre circulação das ações ao mercado e a terceiros, podem caracterizar a existência do affectio societatis (característica predominante e existente nas sociedades de pessoas) em uma sociedade do tipo de capitais.
Distinção é fundamental para determinar se há ou não dever de não competição entre sócios
Assim, considerando as distinções de natureza acima descritas, esta diferença será fundamental para se compreender a existência ou não de um dever dos sócios de não competirem com a sociedade
Caso estejamos diante de uma sociedade de pessoas, o argumento dos deveres fiduciários dos sócios impedirem a concorrência ganham força, principalmente se considerarmos que na prática, atualmente, os sócios da sociedade de pessoas estão constantemente envolvidos em questões administrativas e gerenciais da sociedade, fazendo com que a concorrência se torne prejudicial à sociedade.
Por sua vez, tendo em vista que nas sociedades de capitais o aspecto material sobrepõe-se ao aspecto pessoal, na maioria das vezes estamos tratando de um mundo ideal onde existe a extrema cisão entre propriedade e controle, ou seja, o sócio passa a figurar mais como um investidor que como um administrador, razão pela qual aceita-se com mais facilidade a ideia de permitir a concorrência entre os sócios, sendo que tal facilidade de aceitação não se estende à figura do administrador.
A efetividade das cláusulas de non-compete
As cláusulas de não concorrência são, em sua grande maioria, utilizadas em contratos onde a pessoa que está deixando a operação possui informações estratégicas sensíveis, comprometendo-se a não praticar pessoalmente, ou por terceiro, qualquer ato de concorrência para com a outra parte.
Contudo, apesar de ser possível a utilização desta cláusula em contratos particulares, muito se discute sobre a exigibilidade do período de não concorrência, uma vez que tirar um sujeito do mercado de trabalho por um determinado período pode afetar diretamente sua capacidade de sobrevivência e sua saúde financeira.
Dito isso, diante das nuances envolvendo a efetividade desta cláusula, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem se posicionado no sentido de permitir a validade desta cláusula desde que respeitados e observados alguns requisitos conforme abaixo demonstrado:
A jurisprudência do TST tem se firmado no sentido de que, conquanto a estipulação de cláusula de não concorrência cinja-se à esfera de interesses privados do empregador e do empregado, imprescindível para o reconhecimento da validade de tal ajuste a observância a determinados requisitos, dentre os quais: a estipulação de limitação territorial, vigência por prazo certo e vantagem que assegure o sustento do empregado durante o período pactuado, bem como a garantia de que o empregado possa desenvolver outra atividade laboral. Tais requisitos, todavia, não restaram atendidos
Assim, pode-se afirmar que a estipulação de cláusulas de non-compete é válida desde que observados os limites territoriais e temporais adequados, bem como uma contrapartida financeira que assegure a subsistência da parte pelo período estabelecido.
Nossa equipe se coloca à disposição para mais esclarecimentos.
Escrito por Ricardo Ferle.