A UTILIZAÇÃO DA SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO (SPE) EM INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS E EM PARCERIA PÚBLICO PRIVADA (PPP

Por definição, a Sociedade de Propósito Específico (SPE) é uma espécie de organização empresária que possui personalidade jurídica e existe para a persecução de um objeto específico e pré-determinado, sendo encerrada, como regra, quando atinge a execução total de seu objeto social.

Sua previsão legal está indiretamente tratada no parágrafo único do artigo 981 do Código Civil[1] ao dizer que a atividade econômica da sociedade pode se restringir à realização de um ou mais negócios pré-determinados e específicos.

A SPE não é um novo tipo societário, ou seja, sua constituição se dá através do procedimento comum de constituição de uma sociedade limitada ou anônima, a depender da formatação escolhida pelo(s) sócio(s), sendo devidamente registrada no respectivo órgão de registro competente.

Esta sociedade é caracterizada por separar os recursos aportados por seus sócios, sendo garantido que ela não será utilizada para executar quaisquer outros negócios que não àquele inicialmente previsto em sua criação. Essa característica de segregação e especificidade traz vantagens de controle e confiança aos sócios e todos aqueles que eventualmente se relacionem com a SPE, tais como credores e outros.

Assim, a SPE proporciona uma grande transparência com relação aos recursos financeiros que lhe são conferidos, uma vez que não haverá a possibilidade de confusão entre o fluxo de capital da controladora ou de nenhum outro ente da estrutura e o da SPE, que possui seus ativos destinados à persecução de uma atividade específica. Este conceito faz com que, na prática, haja uma distinção clara sobre o patrimônio da SPE e o patrimônio de qualquer outro ente participante da estrutura, trazendo uma grande facilidade para se identificar os recursos que foram aportados na SPE e sua respectiva alocação.

Para efeitos gerais, como principais características da SPE, podemos citar os seguintes pontos:

· A SPE deve ser constituída por meio de contrato social, quando sociedade limitada, ou estatuto social, quando sociedade anônima, devidamente registradas e arquivadas no órgão competente;

· A SPE possui patrimônio próprio não relacionado ao patrimônio dos sócios, uma vez que os sócios são apenas detentores das quotas/ações da SPE;

· A SPE possui contabilidade e tributação própria;

· Negócios com terceiros podem ser feitos diretamente em nome da SPE, tais como a contratação de pessoal, maquinário, aluguel de imóveis, financiamento bancário e demais atividades que fazem parte do curso do negócio;

· SPE pode adotar um regime tributário diferente do adotado pelos sócios.

Com relação às suas formalidades de registro, até abril de 2017 era obrigatório a utilização da denominação “SPE” no nome empresarial da sociedade, conforme constava na Instrução Normativa DREI 10/2013 e 15/2013. Contudo, a partir da publicação da Instrução Normativa DREI 38/2017, reforçada pela Instrução Normativa 81/2020, a utilização da partícula “SPE” passa a ser opcional e não mais obrigatório.

A UTILIZAÇÃO DA SPE EM INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS

A Sociedade de Propósito Específico é regularmente utilizada no mercado imobiliário para a execução de incorporações imobiliárias, que possui seu conceito regularmente definidos pelo parágrafo único do artigo 28 da Lei 4.591/64[2].

Para sua utilização no mercado imobiliário foi criado o regime de afetação patrimonial por meio da Medida Provisória 2.221/01, sendo posteriormente revogada e mais bem definida na Lei 10.931/04 que regulamentou, definitivamente, a existência do patrimônio de afetação.

O Patrimônio de afetação visa garantir aos investidores em incorporações imobiliárias que, em caso de falência da incorporadora, o patrimônio e a atividade da SPE não serão afetados.

Sob o ponto de vista histórico, o patrimônio de afetação foi criado após a falência da Encol S.A. Engenharia, Comércio e Indústria, uma construtora civil que, no momento de sua falência não conseguiu terminar mais de 700 obras iniciadas trazendo grande prejuízo aos investidores e uma consequente insegurança de investimento no mercado imobiliário.

Assim, a criação do instituto do patrimônio de afetação, além de criar mecanismos para dificultar que o incorporador conseguisse desviar o financiamento de uma obra para outra ou ainda para uma atividade diversa daquela pré-estabelecida, foi estabelecido com a intenção de que eventual falência, ou qualquer tipo de problema de solvência de menor grau na incorporadora, não afete as atividades e incorporações a serem realizadas pela SPE, consequentemente retomando a confiança de investimento no mercado imobiliário.

Por fim, sob a ótica tributária, o patrimônio de afetação é tributado por um Regime Especial de Tributação que, além de possuir alíquotas mais favorecidas, institui a unificação de tributos e recolhimentos federais relativos às atividades da SPE.

A UTILIZAÇÃO DA SPE NA PARCERIA PÚBLICO PRIVADA

A SPE ainda é regularmente utilizada na constituição de Parcerias Público Privada (PPP’s). Sua utilização foi prevista na regulamentação de tal instituto no artigo 9º da Lei 11.079/04, ao prever o seguinte:

Art. 9º Antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria.

A Lei acima mencionada criou o sistema de PPP’s para viabilizar a realização de investimentos e execuções de serviços em setores públicos que não comportariam a utilização do sistema tradicional de concessão de serviços por não serem economicamente viáveis e, consequentemente, não serem atrativos para o setor privado, como por exemplo os setores educacional e prisional.

Em tese, no sistema de PPP’s, alguma entidade privada irá se responsabilizar por executar uma obra ou serviço à um setor público que será, quando finalizada, disponibilizada aos usuários, ao passo em que, pelos serviços e estruturas fornecidos, receberá o pagamento pelo ente público por meio do pagamento de tarifas e/ou remuneração direta contratualmente pré-estabelecida.

Como já descrito anteriormente, é obrigatório que essas parcerias ocorram por meio da constituição de uma SPE, o que se justifica pela facilidade de controlar o fluxo de recursos

envolvidos na operação trazendo mais transparência na relação existente entre o ente público e o privado.

CONCLUSÃO

Assim, com base no conteúdo acima mencionado, é possível se compreender que a SPE é uma sociedade que possui personalidade jurídica própria, porém não constitui um tipo societário, sendo constituído sob as opções societárias legalmente presentes no Brasil, sendo que possui um objeto pré-determinado e suas ações devem ser voltadas para a execução exclusiva deste objeto.

Sua segregação de recursos por meio do patrimônio de afetação faz com que ela seja uma opção altamente viável para a realização de incorporações imobiliárias, sendo certo que este mesmo motivo (clareza de contas, alocação de recursos pré-definida e transparência financeira) fez com que ela fosse determinada como o meio para a celebração de Parceria Público Privada.

No caso de necessidade de mais informações sobre o tema, entre em contato com nossa equipe.

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[1] Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.

[2] MOTA, Jessica Cristina Coitinho, Da importância jurídica do regime de afetação patrimonial nas incorporações imobiliárias, Revista dos Tribunais Online, Vol. 82/2017, p. 155-181, Jan-Jun 2017, DTR\2017\2477

[3] Art. 28. As incorporações imobiliárias, em todo o território nacional, reger-se-ão pela presente Lei.

Parágrafo único. Para efeito desta Lei, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.

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