A pandemia causada pelo coronavírus (COVID-19) provocou transformações globais e, em especial, no mundo do direito do trabalho.
Com o surgimento de possíveis vacinas oferecidas pelas indústrias farmacêuticas para prevenção do Coronavírus, as relações de trabalho podem sofrer impactos diante de binômios como obrigatoriedade x liberdade, vontade individual x interesse público.
A Constituição Federal, no artigo 196, assegura que a saúde é direito de todos e dever do Estado, assim como prevê em seu artigo 225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo.
No mundo do trabalho, o artigo 7º da Constituição estabelece que são direitos de todos os trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Este artigo foi enaltecido pelo Supremo Tribunal Federal em 2017, no julgamento das ADIs 3.937, 3.406, 3.470 e 4.066, que resultaram no banimento do uso de
amianto pelas empresas e, mais recentemente, em decisão que suspendeu a eficácia de dois artigos da extinta Medida Provisória (MP) nº 927, que estabelecia não ser doença ocupacional a contaminação pelo coronavírus.
A lei nº 6.259/1975 estabelece no artigo 3º a Competência do Ministério da Saúde na elaboração do Programa Nacional de Imunizações, estipulando no parágrafo único deste mesmo diploma legal as vacinações obrigatórias.
Nesta mesma lei ficou estabelecido, no §3º do artigo 5º, que para o trabalhador ter direito ao salário família, terá que apresentar a carteira de vacinação dos seus beneficiários.
Outros dispositivos legais estabelecem como obrigação dos responsáveis por menores que estejam sob a sua guarda, a responsabilização pela vacinação obrigatória, exceto quando, por ordem médica, estes menores tiverem alguma contraindicação.
A lei nº 13.979/2020, promulgada pelo presidente no início da pandemia, estabeleceu que as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, medidas de vacinação compulsória e outras medidas profiláticas, nos termos do artigo 3º, inciso III, alínea “d”.
Em pesquisas recentes divulgadas na mídia, constatou-se que o Brasil vem enfrentando um problema de movimentos antivacina, sendo que metas estipuladas pelo Ministério da Saúde não têm sido alcançadas e doenças que até então estavam erradicadas estão reaparecendo.
Diante de eventual obrigatoriedade da vacinação frente a possíveis resistências, como a empresa deve proceder?
A Norma Regulamentadora 32 (NR-32) da Secretaria do Trabalho já estipulava, no item 32.2.3.1, que o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) dos Hospitais deve contemplar programa de vacinação, sendo que o item 32.2.4.17.1 assegura vacinação gratuita aos trabalhadores, inclusive determinando que as empresas devem conceder vacinas eficazes que isentem seus empregados do risco. Não obstante, a NR – 32 também estabelece que o empregador deve manter no prontuário do empregado comprovante de recusa à vacinação, para fins de apresentação em eventual inspeção do trabalho (item 32.2.4.17.5).
Ou seja, como regra o hospital é obrigado a vacinar seus empregados (sendo que eventual recusa deve ser documentada) com o objetivo de manter o ambiente de trabalho saudável e isento de riscos.
Esse conceito de ambiente saudável também se aplica a empregadores de forma geral que, diante de eventual obrigatoriedade de vacinação estipulada pelo Poder Executivo, reforçada pela recente decisão do STF que reconheceu ser constitucional a vacinação compulsória, poderão exigir que seus empregados se vacinem.
O grande dilema se concentra naqueles que se recusarem a se vacinar. Obviamente, uma avaliação mais precisa dependerá da análise de cada caso, mas de forma geral entendemos que a empresa poderá adotar medidas punitivas com fundamento no interesse da coletividade (que se sobrepõe ao direito individual) e na obrigação da empresa de manter um ambiente de trabalho saudável.
De toda forma, mais cedo ou mais tarde, essa questão será certamente submetida ao exame do Poder Judiciário que dará a palavra final sobre os limites do poder diretivo do empregador e a possibilidade de exigir vacinação.
De toda forma, a melhor alternativa é que as partes estabeleçam sempre um diálogo franco e que a empresa possa se valer de campanhas de esclarecimento e de incentivo à vacinação, como forma de preservação da vida e do interesse coletivo.