obrigatoriedade da vacina e seus impactos no contrato de trabalho

A pandemia causada pelo coronavírus (COVID-19) provocou transformações globais e, em especial, no mundo do direito do trabalho.

Com o surgimento de possíveis vacinas oferecidas pelas indústrias farmacêuticas para prevenção do Coronavírus, as relações de trabalho podem sofrer impactos diante de binômios como obrigatoriedade x liberdade, vontade individual x interesse público.

A Constituição Federal, no artigo 196, assegura que a saúde é direito de todos e dever do Estado, assim como prevê em seu artigo 225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo.

No mundo do trabalho, o artigo 7º da Constituição estabelece que são direitos de todos os trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Este artigo foi enaltecido pelo Supremo Tribunal Federal em 2017, no julgamento das ADIs 3.937, 3.406, 3.470 e 4.066, que resultaram no banimento do uso de

amianto pelas empresas e, mais recentemente, em decisão que suspendeu a eficácia de dois artigos da extinta Medida Provisória (MP) nº 927, que estabelecia não ser doença ocupacional a contaminação pelo coronavírus.

A lei nº 6.259/1975 estabelece no artigo 3º a Competência do Ministério da Saúde na elaboração do Programa Nacional de Imunizações, estipulando no parágrafo único deste mesmo diploma legal as vacinações obrigatórias.

Nesta mesma lei ficou estabelecido, no §3º do artigo 5º, que para o trabalhador ter direito ao salário família, terá que apresentar a carteira de vacinação dos seus beneficiários.

Outros dispositivos legais estabelecem como obrigação dos responsáveis por menores que estejam sob a sua guarda, a responsabilização pela vacinação obrigatória, exceto quando, por ordem médica, estes menores tiverem alguma contraindicação.

A lei nº 13.979/2020, promulgada pelo presidente no início da pandemia, estabeleceu que as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, medidas de vacinação compulsória e outras medidas profiláticas, nos termos do artigo 3º, inciso III, alínea “d”.

Em pesquisas recentes divulgadas na mídia, constatou-se que o Brasil vem enfrentando um problema de movimentos antivacina, sendo que metas estipuladas pelo Ministério da Saúde não têm sido alcançadas e doenças que até então estavam erradicadas estão reaparecendo.

Diante de eventual obrigatoriedade da vacinação frente a possíveis resistências, como a empresa deve proceder?

A Norma Regulamentadora 32 (NR-32) da Secretaria do Trabalho já estipulava, no item 32.2.3.1, que o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) dos Hospitais deve contemplar programa de vacinação, sendo que o item 32.2.4.17.1 assegura vacinação gratuita aos trabalhadores, inclusive determinando que as empresas devem conceder vacinas eficazes que isentem seus empregados do risco. Não obstante, a NR – 32 também estabelece que o empregador deve manter no prontuário do empregado comprovante de recusa à vacinação, para fins de apresentação em eventual inspeção do trabalho (item 32.2.4.17.5).

Ou seja, como regra o hospital é obrigado a vacinar seus empregados (sendo que eventual recusa deve ser documentada) com o objetivo de manter o ambiente de trabalho saudável e isento de riscos.

Esse conceito de ambiente saudável também se aplica a empregadores de forma geral que, diante de eventual obrigatoriedade de vacinação estipulada pelo Poder Executivo, reforçada pela recente decisão do STF que reconheceu ser constitucional a vacinação compulsória, poderão exigir que seus empregados se vacinem.

O grande dilema se concentra naqueles que se recusarem a se vacinar. Obviamente, uma avaliação mais precisa dependerá da análise de cada caso, mas de forma geral entendemos que a empresa poderá adotar medidas punitivas com fundamento no interesse da coletividade (que se sobrepõe ao direito individual) e na obrigação da empresa de manter um ambiente de trabalho saudável.

De toda forma, mais cedo ou mais tarde, essa questão será certamente submetida ao exame do Poder Judiciário que dará a palavra final sobre os limites do poder diretivo do empregador e a possibilidade de exigir vacinação.

De toda forma, a melhor alternativa é que as partes estabeleçam sempre um diálogo franco e que a empresa possa se valer de campanhas de esclarecimento e de incentivo à vacinação, como forma de preservação da vida e do interesse coletivo.

registro de capitais estrangeiros no banco central

Por definição, o Banco Central é a instituição de um país que possui a responsabilidade e o dever de regular o volume de dinheiro e de crédito da economia, sendo que, tal atribuição, está associada ao objetivo de assegurar a estabilidade do poder de compra e da valorização de uma moeda nacional.

De acordo com um documento fornecido pela própria instituição1, quanto à sua origem, temos que:

“O Banco Central do Brasil (BCB), autarquia federal integrante do Sistema Financeiro Nacional, foi criado em 31/12/1964, com a promulgação da Lei nº 4.595. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu dispositivos importantes para a atuação do BCB, dentre os quais o exercício exclusivo da competência da União para emitir moeda e a exigência de aprovação prévia pelo Senado Federal, em votação secreta, após arguição pública, dos nomes indicados pelo Presidente da República para os cargos de presidente e diretores da instituição”.

Não obstante à importância de suas atividades reguladoras e fiscalizadoras que garantem a estabilidade e valorização da moeda nacional, bem como sua função exclusiva de emissão de moeda nacional, o foco dos assuntos a serem abordados neste espaço serão relativos ao registro e às declarações prestadas ao BACEN no tocante à capitais estrangeiros, seja sua entrada ou saída da jurisdição brasileira.

Com relação à existência de capitais brasileiros no exterior, o BACEN requer uma declaração eletrônica nomeada de Registro de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE). Já com relação ao capital estrangeiro investido no Brasil, existem três tipos de registro que podem ser realizados, sendo eles o Registro Declaratório Eletrônico – Investimento Estrangeiro Direto (RDE-IED), o Registro Declaratório Eletrônico – Registro de Operações Financeiras (RDE-ROF) e o Registro Declaratório Eletrônico – Portifólio (RDE-Portifólio), os quais passamos a detalhar abaixo:

Capitais Brasileiros no Exterior (CBE)

A Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior é obrigatória à todas as pessoas físicas e jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no Brasil, que possuam ativos no exterior, incluindo, por exemplo, imóveis, depósitos, disponibilidades em moeda estrangeira, ações, cotas, arrendamentos, dentre outros bens e direitos.

Como regras de periodicidade da declaração temos que elas podem ser anuais ou trimestrais, a depender do enquadramento do volume dos ativos envolvidos na declaração. Assim temos que, no caso de investimento de capital brasileiro no exterior, que totalizem valores acima de US$ 1.000.000,00, ou equivalente em outras moedas, a declaração será realizada anualmente (CBE-Anual), enquanto no caso de investimentos superiores a US$ 100.000.000,00, ou equivalente em outras moedas, será realizado de forma trimestral (CBE-Trimestral).

Com relação ao prazo para a efetivação desta declaração, o Banco Central determina que a declaração deverá ser realizada nas seguintes datas:

· 1º Trimestre (até 31 de março): Prazo para envio da declaração entre 30 de abril e 05 de junho.

· 2º Trimestre (até 30 de junho): Prazo para envio da declaração entre 31 de julho e 05 de setembro.

· 3º Trimestre (30 de setembro): Prazo para envio da declaração entre 31 de outubro e 05 de dezembro.

· 4º Trimestre: Não há declaração específica ao 4º trimestre. Ativos deverão ser informados por meio da Declaração Anual (31 de dezembro) entre os dias 15 de fevereiro e 05 de abril de 2020.

Registro Declaratório Eletrônico – Investimento Estrangeiro Direto (RDE-IED)

O Registro Declaratório Eletrônico – Investimento Estrangeiro Direto possui como finalidade a obtenção de registros e informações sobre empresas nacionais que possuam em seu capital social a participação de um investidor não residente no país ou com sede no exterior.

Neste sentido, destacamos um trecho do Manual do Declarante RDE-IED do BACEN emitido em maio de 20202:

“O registro de capital estrangeiro no Banco Central do Brasil tem como base legal as leis nº 4.131, nº 9.069 e nº 11.371. A Resolução nº 3.844, no seu Anexo I, e a Circular nº 3.689, com as alterações instituídas pela Resolução nº 4.533 e pelas Circulares nº 3.814 e 3.822, regulamentam o registro dos capitais estrangeiros na modalidade de investimento direto (IED), entendido, para esse fim, como a participação no capital social de empresa brasileira de investidor (pessoa física ou jurídica) não residente no país ou com sede no exterior, integralizada ou adquirida na forma da legislação em vigor, bem como o capital destacado de empresa estrangeira autorizada a operar no Brasil”.

Dessa forma, as sociedades residentes no Brasil que possuam, dentre os seus sócios, pessoa física ou jurídica não residente, devem informar ao Banco Central, por meio do Registro Declaratório Eletrônico do Módulo RDE-IED, as seguintes informações:

a) capital social integralizado por cada investidor estrangeiro; e

b) valores do patrimônio líquido e do capital social integralizado.

Assim como no caso da declaração anterior, as informações a serem apresentadas ao Banco Central estão sujeitas à prazos fixos para as declarações, sendo colocados, no caso de necessidade declaração anual, da seguinte forma:

a) Prazo de 30 dias para que seja informado ao BACEN qualquer alteração quanto à participação de investidor não residente; e

b) Prazo de 31 de março. Declaração anual (ref. ao período base de 31 de dezembro do ano anterior) ao BACEN com as informações acima mencionadas.

Destacamos ainda que sociedades cujos ativos ou o patrimônio líquido sejam iguais ou superiores à R$ 250 milhões, estão sujeitas à declaração trimestral, a serem submetidas nas seguintes datas:

a) as informações referentes à data-base de 31 de março devem ser prestadas até 30 de junho;

b) as informações referentes à data-base de 30 de junho devem ser prestadas até 30 de setembro;

c) as informações referentes à data-base de 30 de setembro devem ser prestadas até 31 de dezembro; e

d) as informações referentes à data-base de 31 de dezembro devem ser prestadas até 31 de março do ano subsequente.

Com relação às penalidades pela falta ou entrega de declaração fora do prazo, assim como a entrega com erros ou vícios, será passível de multa de até R$ 250.000,00 a ser aplicada pelo Banco Central, conforme previsto nos incisos I a IV do artigo 60 da circular 3.857/17 do BACEN3.

Registro Declaratório Eletrônico – Registro de Operações Financeiras (RDE-ROF)

O Registro Declaratório Eletrônico – Registro de Operações Financeiras (RDE-ROF) possui como finalidade o registro de capitais estrangeiros na modalidade de Operações Financeiras, ou seja, possui como objeto às relações de crédito externo existentes entre um residente e um não residente, tais como operações de arrendamento mercantil operacional, aluguel e fretamento, empréstimos diretos, contratos de cessão de uso de marcas, patentes e tecnologia, direitos sobre propriedade intelectual (royalties) e demais operações mencionadas no Manual do Declarante de RDE-ROF4.

Diferente dos registros acima tratados, o RDE-ROF não possui uma periodicidade anual ou trimestral de declaração, de forma que o que dá razão à sua realização é a celebração de contratos envolvendo crédito externo concedido a pessoas físicas ou jurídicas residentes no país.

Assim, não há o que se dizer em prazo ou periodicidade da declaração, mas sim em validade e existência do contrato celebrado, uma vez que sem o número de registro de RDE-ROF emitido pelo BACEN não há como se realizar por uma instituição financeira uma remessa de valores ao exterior.

Com relação aos procedimentos de registro das operações no módulo de registro do RDE-ROF, cada Operação Financeira possui uma forma de registro própria, sendo que, em alguns casos, é necessário a averbação prévia do contrato da operação no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) antes de requerer o registro junto ao BACEN, sendo imprescindível a realização dessa averbação.

Registro Declaratório Eletrônico – Portifólio (RDE-Portifólio)

O Registro Declaratório Eletrônico – Portifólio (RDE-Portifólio), dentro de suas características, é voltado para o registro de investimentos estrangeiros nos mercados financeiro e de capitais, fundos de investimento e Depositary Receipts (DRs), sendo que a base legal para sua aplicação é a Resolução CMN nº 4.373/ 2014, a Instrução CVM 560/2015 e a Circular BCB nº 3.689/13.

Antes de iniciar seus investimentos no mercado financeiro e de capitais nacional, o investidor não residente deve constituir um representante no Brasil, obter um registro válido na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e constituir um ou mais custodiantes autorizados pela Comissão de Valores Mobiliários, de forma que tais requisitos são de cumprimento obrigatório antes de se registrar um RDE-Portifólio para o Investidor não residente.

Com relação ao investimento em DRs, o Anexo II à resolução 4.373/2014 do Banco Central do Brasil nos instrui no seguinte sentido:

Art. 2º Para os efeitos deste Regulamento entende-se por:

I – Depositary Receipts: os certificados emitidos no exterior por instituição depositária, representativos dos ativos listados abaixo, depositados em custódia específica no País:

a) valores mobiliários emitidos por companhias abertas brasileiras;

b) títulos de crédito elegíveis a compor o Patrimônio de Referência (PR) emitidos por instituições financeiras e demais instituições de capital aberto autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil;

Assim, considerando a natureza e as características dos investimentos pertencentes ao guarda-chuvas do RDE-Portifólio, é correto se afirmar que o caráter declaratório desse registro implica na responsabilidade dos declarantes pela veracidade e legalidade das informações prestadas e fornecidas ao BACEN por meio do Módulo de RDE-Portifólio.

Por fim, ressaltamos que os registros acima mencionados foram descritos de forma simples e genérica, sem adentrar aos aspectos formais necessários para a realização de cada uma das declarações mencionadas, a fim de permitir uma maior compreensão sobre a finalidade de cada um dos módulos de registro do Banco Central.

Não obstante, fazendo um link com o artigo anteriormente publicado (classificação e registro dos INR’s) podemos dizer que o registro nos módulos de RDE-IED e RDE-ROF são destinados a investidores da modalidade “4.131”, ao passo em que o registro no módulo RDE-Portifólio se destina ao registro de investidores da modalidade “4.373”.

No caso da necessidade de maiores informações para realizar alguma das declarações acima descritas, entre em contato conosco para que possamos auxiliá-lo.

Referências:

1 FAQ Funções do Banco Central

² Manual-RDE-IED

³ Art. 60. As penalidades de multa a que se sujeitam os responsáveis pelo não fornecimento das informações regulamentares exigidas ou pela prestação de informações falsas, incompletas, incorretas ou fora dos prazos e das condições previstas na regulamentação em vigor relativas a capitais estrangeiros no País e a capitais brasileiros no exterior, em razão do disposto nas Leis ns. 4.131, de 1962, e 11.371, de 28 de novembro de 2006, na Medida Provisória nº 2.224, de 4 de setembro de 2001, e no Decreto-Lei nº 1.060, de 21 de outubro de 1969, serão aplicadas em conformidade com os seguintes critérios: I – efetuar registro ou apresentar declaração em desacordo com os prazos previstos nas respectivas normas: 1% (um por cento) do valor sujeito a registro ou declaração, limitado a R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais); II – prestar informações incorretas ou incompletas: 2% (dois por cento) do valor sujeito a registro ou declaração, limitado a R$50.000,00 (cinquenta mil reais); III – não efetuar registro, não apresentar declaração ou não apresentar documentação comprobatória das informações fornecidas ao Banco Central do Brasil: 5% (cinco por cento) do valor sujeito a registro ou declaração, limitado a R$125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais); ou IV – prestar informação falsa em registro ou declaração: 10% (dez por cento) do valor sujeito a registro ou declaração, limitado a R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais).

4 Manual-RDE-ROF

novo capítulo entre o contribuinte e a receita federal na exclusão do icms da base de cálculo do pis e da cofins

Em 2017, o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento de mérito de uma das questões mais controvertidas ali postas, que foi a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, julgado sob a sistemática da repercussão geral, nos autos do 574.706/PR, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia.

Na oportunidade firmou-se a tese de que o ICMS não poderia compor a base de cálculo para o cômputo das contribuições devidas ao PIS e a COFINS, cuja ementa firmou-se da seguinte maneira:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. EXCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS. DEFINIÇÃO DE FATURAMENTO. APURAÇÃO ESCRITURAL DO ICMS E REGIME DE NÃO CUMULATIVIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Inviável a apuração do ICMS tomando-se cada mercadoria ou serviço e a correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil. O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços: análise contábil ou escritural do ICMS. 2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação. 3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da

COFINS. 3. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718/1998 excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações. 4. Recurso provido para excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.

Com a publicação desta decisão colocou-se fim à uma longa briga entre contribuinte e fisco, contudo tal episódio ainda se encontra longe de um desfecho. Isso porque a Fazenda Nacional opôs Embargos de Declaração requerendo a modulação dos efeitos da decisão e requerendo que o STF se pronuncie com relação ao ICMS que deve ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS, ou seja, se o destacado das Notas Fiscais ou se o efetivamente recolhido.

O Contribuinte defende que o ICMS a ser excluído da base de cálculo é o destacado das NFs, já a Fazenda defende que o ICMS a ser excluído da base de cálculo é o efetivamente recolhido, este que representa um montante consideravelmente inferior ao primeiro.

Mesmo diante desse impasse, diversos contribuintes os quais já possuíam discussões desta natureza em curso conseguiram o trânsito em julgado de suas ações e já procederam a homologação destes créditos junto à Receita Federal, que lhe concede o direito de já aproveitar o uso deste crédito.

Em meio a esta discussão, diversos contribuintes que estão nesta situação estão enfrentando grandes problemas na Justiça, pois a Fazenda Nacional tem inscrito diretamente na dívida ativa da União contribuintes que retiraram o ICMS destacado em nota fiscal do PIS e da COFINS, e não o efetivamente pago.

Nestas situações está sendo aplicada a Solução de Consulta nº 13, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal, segundo a qual deve ser retirado do PIS e da COFINS o ICMS recolhido. Para calcular os créditos e declará-los, porém, os contribuintes estão usando o que constava em nota.

Nas discussões que estão sendo levadas ao judiciário, alega-se que exista uma certa supressão de defesa, uma vez que inexiste Auto de Infração para apuração do quanto, supostamente, é devido, e que a falta deste Auto implica na possibilidade de haver qualquer equívoco no cálculo.

A Fazenda alega que tal medida se dá porque ela se baseia na Súmula nº 436 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo seu texto, “a entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do Fisco”. Os fiscais da Receita Federal, por sua vez, são obrigados a mandarem tais valores “autuados” à dívida ativa, uma vez que Solução de Consulta nº 13 não foi seguida pelo contribuinte.

Com a pendência do julgamento dos Embargos de Declaração da Fazenda Nacional, o contribuinte declara à Receita sobre a decisão judicial favorável para subtrair o ICMS. Por meio do cruzamento de informações na DCTF e EFD, a Receita chega em um valor, ainda que aproximado, da diferença entre o ICMS destacado na nota fiscal e o efetivamente pago, daí efetivamente surge a inscrição em dívida ativa.

Ao nosso ver, o ato de levar a dívida diretamente ao Judiciário, tal cobrança fere o princípio da segurança jurídica, pois a Receita está agindo em desconformidade com o decidido em âmbito Judicial, com decisão transitada em julgado, assim como do princípio do contraditório e da ampla defesa, pois o contribuinte não tem ciência de como a Receita Federal calculou o montante que entende ser incorreto, o que pode até desencadear o cancelamento da inscrição.

Nesse passo, salientamos que diversos são os mecanismos para que os contribuintes tracem e adotem uma estratégia em autuações desse tipo, como a Impetração de um Mandado de Segurança Preventivo, visando a obtenção de liminar para impedir que o fisco ajuíze a correspondente Execução Fiscal, antes do término da discussão no STF.

Fato é, que a medida mais conservadora seria antecipar-se ao fisco de modo a evitar que este autue a empresa, pois sobre tais valores incidiriam multas de até 75% sob o principal e em caso de antecipação do contribuinte acrescentara-se apenas 20% a título de mora.

Nos colocamos à disposição para eventuais esclarecimentos sobre o tema.

Referências:

[1] RE 574.706/PR

[2] Solução de Consulta COSIT nº 13

responsabilidade do sócio minoritário na sociedade limitada.

Uma grande dúvida que pode existir quando uma pessoa física quer participar de uma sociedade, na sua forma limitada, é a possibilidade de responder por eventuais dívidas que a sociedade pode vir a adquirir, atingindo o seu patrimônio pessoal para o pagamento destas dívidas.

Primeiramente, é importante salientar que o art. 1.052 do Código Civil descreve a seguinte afirmação:

Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

§ 1º A sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais pessoas.     (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 2º Se for unipessoal, aplicar-se-ão ao documento de constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato social.     (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Sob a ótica estritamente jurídica, o artigo 1.052 do Código Civil de 2002 sustenta que, na sociedade limitada, a responsabilidade dos sócios é restrita ao valor de suas quotas, ou seja, o sócio somente poderá ser responsabilizado na medida do valor que possui devidamente registrado na sociedade como capital social, respondendo todos pela integralização do capital social.

Se analisarmos estritamente tal artigo, é crível dizer que o sócio, seja ele minoritária ou majoritário, responderá pela integralização do capital social. De forma contínua, os sócios, ao integralizarem o capital social, somente responderão nos limites de suas quotas.

No tocante aos aspectos práticos desta responsabilidade, temos presenciado que, ainda que a lei determine que a responsabilidade dos sócios é restrita às suas quotas, frequentemente os juízes e os tribunais superiores têm deferido a utilização do instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica, qual seja, o sócio, sendo ele minoritário ou não, deverá responder com o patrimônio pessoal pelas dívidas da sociedade.

Para que haja a desconsideração da personalidade jurídica, atingindo assim os sócios, deve o juiz analisar o preenchimento dos seguintes requisitos contidos no art. 50 do Código Civil:

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Nos termos do art. 50 do Código Civil, não pode o juiz acolher a desconsideração da personalidade jurídica por mero inadimplemento da sociedade no pagamento de suas dívidas, não devendo nenhum dos sócios, sendo eles administradores ou minoritários, neste cenário, responder pelas dívidas da sociedade.

Contudo e de modo totalmente diferente, caso seja acolhida a desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses ali elencadas, existe a responsabilização dos sócios, independentemente de sua quota ou posição na sociedade, ou seja, na hipótese de acolhimento da desconsideração da personalidade jurídica, o sócio minoritário pode vir a responder por dívidas e danos causados pela sociedade.

Logo, na existência da desconsideração da personalidade jurídica na esfera cível, o Superior Tribunal de Justiça (STJ)[1] tem aplicado o entendimento do art. 50 do Código Civil[2], cabendo os sócios ao pagamento, conforme recorte:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO.

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SOCIEDADE LIMITADA.

PROVIDÊNCIA QUE ALCANÇA O PATRIMÔNIO DE TODOS OS SÓCIOS INDISTINTAMENTE. PRECEDENTES. REQUERIMENTO DA PARTE AGRAVADA DE APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO § 4º DO ART. 1.021 DO CPC/2015.

INAPLICABILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.

1. O entendimento desta Corte é de que “para os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, não há fazer distinção entre os sócios da sociedade limitada. Sejam eles gerentes, administradores ou quotistas minoritários, todos serão alcançados pela referida desconsideração”. (REsp n. 1.250.582/MG, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 12/4/2016, DJe 31/5/2016).

(…)

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1757106/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/09/2019, DJe 13/09/2019)

Com tal entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Paulista tem aplicado, em alguns julgados, o mesmo entendimento acima, quais os sócios devem responder pelos danos causados à sociedade caso seja desconsiderada a personalidade jurídica, independentemente de sua posição e número de quotas.

*DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – Instauração do incidente – Inexistência de bens em nome da empresa executada; tentativa frustrada do exequente de bloquear seus ativos financeiros, bem como de realizar penhora sobre seu faturamento; devedora que não foi encontrada no local informado como sendo o endereço de sua sede nos cadastros oficiais; indícios de inatividade da empresa, sem o pagamento dos débitos pendentes (indicando conduta abusiva dos sócios que encerraram as atividades da executada sem reservar qualquer patrimônio para saldar as dívidas) – Presença de elementos indicadores do abuso da personalidade jurídica – Responsabilização da agravante, sócia minoritária, pela execução na mesma extensão do sócio majoritário, tal como previsto na parte final do art. 50 do Código Civil – Descabimento da pretendida limitação da execução às cotas sociais da recorrente – Inadmissibilidade da fixação de honorários advocatícios no presente incidente – Ausência de previsão legal – Precedentes do C. STJ e do E. TJSP – RECURSO PROVIDO EM PARTE.*  
(…)

E não há limitação da responsabilidade de sócio, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, ao valor das quotas mantidas na sociedade empresária.

(…)
(TJSP; Agravo de Instrumento 2175674-60.2020.8.26.0000; Relator (a): Heraldo de Oliveira; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas – 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 21/10/2020; Data de Registro: 22/10/2020)

Desta forma, devem os sócios, principalmente o minoritário, verificar e fiscalizar a sociedade, evitando assim que os gestores e administradores venham a abusar da sociedade e àqueles que apenas fazem parte da sociedade, venham a responder pelos danos causados pela Sociedade.

Com relação à responsabilização no âmbito da justiça do trabalho, muitos juízes e tribunais têm entendido pela responsabilidade do sócio minoritário, mesmo que de forma subsidiária, ao pagamento de verbas trabalhistas, independente da demonstração de sua responsabilidade no procedimento de instauração de Desconsideração da Personalidade Jurídica.

Neste sentido, deve o sócio minoritário sempre fiscalizar a sociedade, evitando que abusos dos administradores e gerentes possam prejudicar a sociedade e, na eventualidade, o sócio minoritário vir a responder pelas dívidas e danos causados à terceiros.

Como o desdobramento da desconsideração e responsabilização atinge várias vertentes do direito, sob o ponto de vista fiscal, a responsabilização dos sócios gerentes encontra-se positivada no artigo 135, do CTN.

O dispositivo em comento traz alguns pressupostos que devem ser observados a fim de se evitar o redirecionamento de responsabilidades aos sócios, especialmente evitar a prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

Ao descumprir tais requisitos a chance de redirecionamento aos sócios é bastante existente. Em atenção aos sócios minoritários, contudo, sob o ponto de vista dos tribunais, os Juízes estão sendo mais flexíveis quanto à sua responsabilização, entendendo que estes não podem ser responsabilizados pelos débitos tributários devidos pela sociedade o sócio que tinha inexpressiva participação no capital da empresa e não exercia função de gerência ou administração [1].

Portanto, sob o ponto de vista fiscal, caso o sócio minoritário tenha participação inexpressiva na sociedade e não exerça qualquer função de gerência ou administração, restará inequívoco o entendimento pela sua não responsabilização fiscal.

Referências:

[1] Tribunal Regional Federal da 1ª Região TRF-1 – APELAÇÃO CIVEL : AC 4520 MG 1998.01.00.004520-5


[1] STJ – AgInt no REsp: 1757106 SP 2018/0190823-0, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 02/09/2019, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/09/2019

[2] Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

os desafios do direito do trabalho frente à gig-economy

O número de plataformas digitais que têm como objetivo conectar usuários a prestadores de serviços cresceu exponencialmente nos últimos anos. Diante desse dinamismo, surgem novas formas de trabalho, dando a possibilidade de o trabalhador ter mais autonomia e liberdade na condução de seus serviços. Por exemplo, sem horários preestabelecidos, carga horária mínima e possibilitando cadastros em diversas plataformas de forma simultânea. A este fenômeno que chamamos de uberização, trata-se então de um modelo de organização laboral, que tem como característica marcante a flexibilização do trabalho através de inovações disruptivas.

Por se tratar de um novo modelo, temos ainda brechas no direito do trabalho no que diz respeito à proteção que se faz necessária ao trabalhador, uma vez que estes não se encontram no modelo de prática laboral já consolidado e coberto pela legislação trabalhista vigente.

É compreensível, então, que, diante do exposto acima, exista uma apreensão com o que se pode esperar do futuro do trabalho, como o direito do trabalho pode vir a atuar de forma a regularizar tais relações de trabalho e assegurando a proteção constitucional do trabalhador. Frente a isso, o presente artigo tem por objetivo analisar e levantar pontos importantes desse processo.

O surgimento das novas tecnologias de informação e comunicação ocasionou transformações nos mais diversos âmbitos da sociedade, inclusive nas relações de trabalho. Nesse contexto, temos o surgimento das tecnologias disruptivas. Estas são entendidas como criações introduzidas no mercado e alteram as configurações existentes. Podemos afirmar que o mercado de hoje está sendo motivado pelo consumidor, que tem se mostrado cada vez mais volátil.

Diante de tal aspecto, as empresas têm reorganizado a sua forma de atuação para responder com agilidade a tais mudanças e demandas impostas pelos consumidores. Não há nada de novo até aqui. No passado, a necessidade de eficiência econômica aliada a um período de crise fez nascer a chamada especialização flexível, na tentativa de colocar uma maior variedade de produtos e serviços no mercado em um ritmo cada vez mais rápido.

Atualmente, o mercado é caracterizado principalmente pela flexibilidade e o fluxo a curto prazo, de forma que as empresas buscam eliminar a burocracia para melhor atendê-los; saem as organizações tipo pirâmide e entram as organizações do tipo rede, impulsionadas pela modernização, pelo dinamismo do ambiente globalizado e pelo impacto das tecnologias de informação.

E nesse contexto de dinamismo da globalização surgem novas formas de trabalho, dando espaço para o trabalhador just-in-time, termo utilizado para se referir ao sujeito que é auto gerente subordinado disponível, desprovido de garantias e direitos. É neste cenário da gig economy (economia sob demanda), que a relação entre usuários e prestadores de serviços, dispostos a fazer um trabalho específico, deixa de ser direta e passa a ser intermediada por uma plataforma digital de conexão que tem como principal objetivo facilitar o encontro entre usuários finais que desejam contratar um determinado serviço e pessoas dispostas a oferecê-los.

Tomemos como exemplo a plataforma Uber: o modelo de transporte chegou ao país em um contexto de crise. De um lado, a demanda da população por meios de transporte eficientes e de menor custo, haja vista a precariedade do sistema público de transporte e o alto custo do transporte particular. De outro lado, o crescente aumento do desemprego. Consequentemente, houve rápida adesão pela população. Tanto é que, desde que chegou ao Brasil, a Uber tem crescido exponencialmente. Dados da empresa indicam que, atualmente, ela já possui 50 mil motoristas cadastrados e quase 9 milhões de usuários ativos distribuídos em 40 cidades brasileiras.

Na plataforma supracitada, por exemplo, os motoristas são livres para trabalhar ou não trabalhar, quando e onde quiserem, por tantos ou poucos dias ou horas, e fazer quantas pausas desejarem. Entretanto os motoristas não são pagos pela Uber, mas pelos clientes – o papel da plataforma é coletar e distribuir esses pagamentos. Outro ponto importante é que os meios de produção não são fornecidos pela empresa: os motoristas da Uber usam seus próprios carros e pagam pelo combustível. Ou seja, a plataforma simplesmente conecta você a um motorista de um veículo disposto a oferecer aquele serviço naquele momento.

Diante disso, no Brasil, o debate acerca da natureza jurídica da relação entre os prestadores e as empresas que mantêm as plataformas digitais de conexão tem se tornado cada vez mais recorrente. Fica o questionamento: seria a empresa responsável pela plataforma uma mera facilitadora ou a real empregadora dos prestadores de serviços?

A lógica da relação entre prestadores e plataformas é, portanto, contrária àquela existente nas relações de emprego. Cabe aqui um apontamento dos critérios clássicos de caracterização da relação de emprego, que são: pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e subordinação. Verifica-se que a utilização desses critérios para a caracterização de uma relação de emprego exige do jurista ampla criatividade para fazer uma releitura frente às novas configurações do trabalho. Em um dos critérios isso fica mais evidente: na subordinação.

O que vimos nos últimos anos é justamente um número crescente de ações judiciais de natureza trabalhista envolvendo a empresa supracitada, reivindicando justamente o reconhecimento de vínculo de emprego entre os motoristas e a empresa. Entretanto, cabe ressaltar que, muito embora essa discussão seja de fundamental importância, alguns pontos não podem deixar de ser considerados como desvantagens: o encarecimento dos preços dos serviços e a inviabilidade do próprio modelo de negócio das plataformas digitais, caindo por terra o pilar principal de tal modelo laboral que é a autonomia dos prestadores.

A subordinação existente em uma relação empregatícia clássica diz respeito ao empregado estar sujeito ao mando diretivo do patrão. Para além disso, é difícil imaginar uma relação de emprego com tão pouca supervisão e com tamanha autonomia. E esse foi o entendimento da 37a Vara do Trabalho de Belo Horizonte, que proferiu a decisão rejeitando o pedido para que a Uber fosse condenada ao pagamento de férias, décimo terceiro e adicional noturno a um motorista da plataforma, afastando a existência de vínculo de emprego em razão da ausência de subordinação entre as partes, requisito essencial para o vínculo.

Entretanto, na 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, outra decisão foi tomada, totalmente divergente da anterior, reconhecendo o vínculo empregatício existente entre um motorista e a Uber, condenando a empresa ao pagamento férias, décimo terceiro, horas extras e adicional noturno. Nesse sentido, percebemos a existência de uma pluralidade de decisões que se acumulam frente à necessidade de reconfiguração do Direito do Trabalho frente às novas configurações do trabalho.

Gunter Teubner analisa o papel do socialismo constitucional na globalização, abordando, dentre outros, as transformações ocorridas no âmbito profissional-organizacional. O autor divide o âmbito de regulação das normas constitucionais em âmbito espontâneo, âmbito profissional-organizacional e âmbito de autodirecionamento do meio de comunicação. Nesse contexto, o autor questiona a possibilidade de institucionalizar juridicamente garantias constitucionais que estabeleçam um controle acentuado no âmbito espontâneo sobre o organizacional. No âmbito do trabalho, faz a seguinte análise:

Deve se encontrar arranjos que, devido às pressões externas baseadas em contrapoder, levem a mecanismos de monitoramento (monitoring) abrangentes e transparentes e diversos “sistemas de management” sejam combinados de tal forma que eles superem as causas de condições deploráveis (TEUBNER, 2014, p.175).

CONCLUSÃO

É inegável que, frente à crise econômica que se instaurou no Brasil, a gig economy e a uberização deram acesso a uma rede extremamente ampla de trabalhadores que encontraram nas tecnologias disruptivas a possibilidade de tirar meios de subsistência ou formas de complementar sua renda principal. Entretanto, é preciso mais do que nunca criar uma solução, ainda que seja por meio da criação de uma nova categoria legal de trabalho, com regulamentações próprias, que incluam os trabalhadores que não se encaixam em nenhuma categoria profissional.

O trabalho está mudando e a legislação sobre o trabalho deve acompanhar essas mudanças. Diante dos novas formatos laborais, é indispensável que não se esqueça do papel do Direito do Trabalho no equilíbrio das relações trabalhistas, de modo que este cumpra o seu papel em preservar não apenas o patamar civilizatório, mas também, a manutenção dos direitos mínimos para todo trabalhador.

Referências:

ABÍLIO, Ludmila Costhek. Uberização: a era do trabalhador just-in-time?

GIG – A uberização do trabalho.Dir. Carlos Juliano Barros, Caue Angeli, Maurício Monteiro Filho. Produção Reporter Brasil. Brasil, 2019.

TEUBER, Gunther. Fragmentos constitucionais: constitucionalismo na globalização.1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

Classificação de investidores não residentes (INRs) no brasil

Com o passar do tempo, tem se tornado cada vez mais comum e frequente notícias e informações envolvendo entidades sediadas no exterior que, por diversos meios e instrumentos, optam por realizar investimentos no Brasil nas mais diversas formas possíveis, envolvendo desde investimento direto em empresas de capital fechado até a negociação de ações no mercado de capitais nacional, o que dá origem à figura do Investidores Não Residentes (INRs).

 Os INRs podem ser definidos como as pessoas físicas ou jurídicas que, possuindo sede ou domicílio no exterior, realizam investimentos no Brasil. Tal definição inclui tanto os investimentos realizados no mercado nacional de capitais ou bolsa de valores, bem como os investimentos por eles realizados em empresas de capital fechado e as operações financeiras por eles efetivadas.

Já adentrando ao assunto referente à sua classificação, os INRs são popularmente classificados em “Investidor 4.373” ou “Investidor 4.131”. Esta classificação é oriunda das normativas que os regulam, uma vez que o 4.373 faz referência e é regulado pela Resolução nº 4.373 de 2014 do Banco Central do Brasil e o 4.131, por sua vez, refere-se à Lei 4.131/1962.

Iniciando pelo “Investidor 4.131”, com base no que diz o artigo 1º da Lei 4.131/1962[1], será considerado capital estrangeiro, para efeitos desta classificação, os bens – em sua classificação mais ampla – e recursos financeiros ou monetários que, desde que pertencentes à pessoas físicas ou jurídicas residentes no exterior, são introduzidos no Brasil para aplicação em atividade econômica.

Já o “Investidor 4.373”, por sua vez, com base no artigo 1º da Resolução 4.373/2014 do Banco Central do Brasil[2] se caracteriza quando os recursos aportados pela entidade estrangeira são destinados aos mercados financeiro e de capitais nacionais, em moeda estrangeira ou nacional, incluindo suas respectivas transferências de entrada e de saída do Brasil.

Assim, antes de adentrar às especificidades relevantes ao “Investidor 4.373”, já podemos distinguir as espécies de investidor olhando para a natureza de seus investimentos e sua forma de negociação. Dessa forma, no caso do investimento ser realizado e negociado dentro do ambiente de bolsa e mercado de capitais, o investimento será classificado como 4.373, de forma que, todos os demais tipos de investimento que não forem negociados em bolsa ou realizados dentro do ambiente de mercado de capitais do Brasil será um investimento via 4.131.

O “Investidor 4.373”, por se tratar de um investimento em mercado regulado, possui algumas características e distinções as quais merecem atenção. Os “Investidores 4.373” estão sujeitos à obtenção de registro na Comissão de Valores Mobiliários, que por sua vez irá vincular um Código Operacional CVM à entidade estrangeira, bem com suas operações estão sujeitas ao registro no Banco Central do Brasil no Sistema de Informações Banco Central (Sisbacen) por meio do Registro Declaratório Eletrônico (RDE).

Ainda, antes de iniciar suas operações no Brasil, o “Investidor 4.373” deverá seguir as orientações e requisitos constantes no artigo 2º do Anexo I à Resolução nº 4.373/14 do Banco Central do Brasil, que são:

Art. 2º Previamente ao início de suas operações, o investidor não residente deve:

I – constituir um ou mais representantes no País;

II – obter registro na Comissão de Valores Mobiliários; e

III – constituir um ou mais custodiantes autorizados pela Comissão de Valores Mobiliários

Ressalta-se que, por força normativa, o representante mencionado no inciso I acima mencionado, deverá ser uma instituição financeira ou uma instituição financeira autorizada pelo Banco Central do Brasil, não sendo, obrigatoriamente, representante da entidade para fins fiscais perante a Receita Federal do Brasil.

Ainda com relação ao representante, com base na Instrução CVM nº 560 de 2015[3], as responsabilidades dos representantes estão relacionadas à prestação de informações para o registro do INR na CVM, manter atualizadas as informações do INR perante os órgãos de registro e controle, apresentar à CMV, quando necessário, os contratos de representação e custódia celebrados pelo INR e comunicar, imediatamente, a CVM sobre a extinção ou modificação do contrato de representação firmado.

Com relação à obtenção de registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o INR deverá fornecer à entidade as informações constantes no Anexo I da Instrução CVM nº 560 de 2015 as quais envolvem diversas informações inerentes aos titulares, representantes e custodiantes do INR.

No tocante à figura do custodiante, segundo o descrito na Instrução CVM nº 542 de 2013[4], quando o serviço de custódia é prestado à investidores – residentes ou não – suas atividades são relacionadas à conservação, controle e conciliação das posições de calores mobiliários em contas de custódia em nome do investidor, também ao tratamento  das instruções de movimentação enviadas pelos representantes legitimados e ainda ao tratamento dos eventuais incidentes relacionados aos valores custodiados.

De forma a descrever, de forma breve, as atividades e atribuições dos custodiantes, trazemos abaixo o artigo 12 da Instrução CVM nº 542 de 2013:

Art. 12. O custodiante deve:

I – exercer suas atividades com boa-fé, diligência e lealdade em relação aos interesses dos investidores, sendo vedado privilegiar seus próprios interesses ou de pessoas a ele vinculadas;

II – tomar todas as medidas necessárias para a identificação da titularidade dos valores mobiliários, para a garantia de sua integridade e para a certeza sobre a origem das instruções recebidas;

III – zelar pela boa guarda e pela regular movimentação dos valores mobiliários mantidos em custódia, conforme as instruções recebidas, e pelo adequado processamento dos eventos a eles relativos, mediante a implementação de sistemas de execução e de controle eletrônico e documental;

IV – promover os atos necessários ao registro de gravames ou de direitos sobre valores mobiliários custodiados, tomando todas as medidas necessárias para a sua adequada formalização;

V – assegurar, de forma permanente, a qualidade de seus processos e sistemas informatizados, mensurando e mantendo registro dos acessos, erros, incidentes e interrupções em suas operações;

VI – garantir a segurança física de seus equipamentos e instalações, com o estabelecimento de normas de segurança de dados e informações que os protejam de acesso de pessoal não autorizado;

VII – dispor de recursos humanos suficientes e tecnicamente capazes de realizar os processos e operar os sistemas envolvidos na prestação dos serviços de custódia;

VIII – manter atualizados os manuais operacionais, a descrição geral dos sistemas a serem adotados na prestação dos serviços, o fluxograma de rotinas, a documentação de programas, os controles de qualidade e os regulamentos de segurança física e lógica; e

IX – implementar e manter atualizado plano de contingência que assegure a continuidade de negócios e a prestação dos serviços.

§ 1º O custodiante que presta serviços para investidores deve, além do disposto no caput:

I – realizar conciliação diária entre as posições mantidas nas contas de custódia e aquelas fornecidas pelo depositário central, assegurando que os valores mobiliários custodiados e os direitos provenientes destes valores mobiliários estejam registrados em nome do investidor junto ao depositário central, quando for o caso; e

II – manter sigilo quanto às características e quantidades dos valores mobiliários de titularidade dos investidores.

Por fim, nosso objetivo por meio do presente texto é deixar claro que o investimento será realizado via “4.373” quando for realizado dentro do ambiente dos mercados financeiro e de capitais nacionais, independentemente de sua forma de circulação. Ao passo em que, nas demais formas de investimento – seja via investimento direto ou operações financeiras em geral – o investimento deverá ser realizado via “4.131”. Não obstante, como acima demonstrado, por tratar-se de investimento em mercado regulado, os requisitos e procedimentos de constituição e manutenção de investimentos via “4.373” são mais complexos e detalhados, envolvendo inclusive contratos de custódia e representação.

Caso necessite de conteúdo adicional sobre o assunto ou ainda possua alguma dúvida, entre em contato conosco para mais informações. 

Referências:

[1] Art. 1º Consideram-se capitais estrangeiros, para os efeitos desta lei, os bens, máquinas e equipamentos, entrados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços, bem como os recursos financeiros ou monetários, introduzidos no país, para aplicação em atividades econômicas desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior.

2Art. 1º As aplicações de investidor não residente no Brasil nos mercados financeiro e de capitais no País e as respectivas transferências financeiras do e para o exterior, em moeda nacional ou em moeda estrangeira, devem obedecer ao disposto nesta Resolução, além das normas cambiais e da legislação específica.

3 Art. 12. É dever do representante:

I – prestar as informações necessárias para o registro do investidor não residente na CVM;

II – manter atualizadas as informações do investidor não residente previstas no Anexo 1;

III – apresentar à CVM, sempre que requisitado, os seguintes documentos:

a) contrato de constituição de representante; e

b) contrato de prestação de serviço de custódia de valores mobiliários celebrado entre o investidor não residente e pessoa jurídica autorizada pela CVM a prestar tal serviço;

IV – prestar à CVM as informações solicitadas em relação aos investidores não residentes por ele representados; e

V – comunicar imediatamente à SIN a extinção do contrato de representação

4 Art. 1º O serviço de custódia de valores mobiliários deve ser prestado por pessoas jurídicas autorizadas pela CVM nos termos da presente Instrução.

(…)

§ 2º A prestação de serviços de custódia de valores mobiliários compreende: I – no caso de prestação de serviços para investidores:

a) a conservação, o controle e a conciliação das posições de valores mobiliários em contas de custódia mantidas em nome do investidor;

b) o tratamento das instruções de movimentação recebidas dos investidores ou de pessoas legitimadas por contrato ou mandato; e

 c) o tratamento dos eventos incidentes sobre os valores mobiliários custodiados;


[1] Art. 1º Consideram-se capitais estrangeiros, para os efeitos desta lei, os bens, máquinas e equipamentos, entrados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços, bem como os recursos financeiros ou monetários, introduzidos no país, para aplicação em atividades econômicas desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior.

[2] Art. 1º As aplicações de investidor não residente no Brasil nos mercados financeiro e de capitais no País e as respectivas transferências financeiras do e para o exterior, em moeda nacional ou em moeda estrangeira, devem obedecer ao disposto nesta Resolução, além das normas cambiais e da legislação específica.

[3] Art. 12. É dever do representante:

I – prestar as informações necessárias para o registro do investidor não residente na CVM;

II – manter atualizadas as informações do investidor não residente previstas no Anexo 1;

III – apresentar à CVM, sempre que requisitado, os seguintes documentos:

a) contrato de constituição de representante; e

b) contrato de prestação de serviço de custódia de valores mobiliários celebrado entre o investidor não residente e pessoa jurídica autorizada pela CVM a prestar tal serviço;

IV – prestar à CVM as informações solicitadas em relação aos investidores não residentes por ele representados; e

V – comunicar imediatamente à SIN a extinção do contrato de representação.

[4] Art. 1º O serviço de custódia de valores mobiliários deve ser prestado por pessoas jurídicas autorizadas pela CVM nos termos da presente Instrução.

(…)

§ 2º A prestação de serviços de custódia de valores mobiliários compreende: I – no caso de prestação de serviços para investidores:

a) a conservação, o controle e a conciliação das posições de valores mobiliários em contas de custódia mantidas em nome do investidor;

b) o tratamento das instruções de movimentação recebidas dos investidores ou de pessoas legitimadas por contrato ou mandato; e

 c) o tratamento dos eventos incidentes sobre os valores mobiliários custodiados;

planejamento tributário sucessório à luz do entendimento da secretaria da fazenda e do stf

É muito comum que as famílias que possuam um patrimônio significativo, e seus respectivos herdeiros, se planejem ao longo da vida para a transmissão destes bens aos seus sucessores. Tal prática se tornou muito comum e é conhecida no meio jurídico como planejamento sucessório.

O planejamento sucessório é constituído, por sua vez, pela criação de uma estrutura de empresas as quais são criadas para receberem, costumeiramente, aportes por meio da integralização de imóveis. Cabe aqui mencionar que tal prática possui todo respaldo legal das normas vigentes, popularmente conhecida como elisão fiscal.

O principal objetivo na constituição desta estrutura seria conceder a maior eficiência fiscal possível de modo a onerar o contribuinte da forma menos gravosa, ou seja, com a menor incidência tributária possível.

E é tomando como base tais premissas que os órgãos fiscais Estaduais e Municipais direcionam os seus esforços para fiscalizar essas operações de modo a investigar as aludidas estruturas e verificar se de fato tais constituições possuem ou não finalidade/propósito negocial que justifique a sua criação ou se o principal objetivo do contribuinte foi a supressão do tributo com a omissão do fato gerador – simulação.

Deste modo, demonstrado o cenário acima, mostra-se necessária a análise dos entendimentos tanto dos Estados, com relação à incidência do ITCMD nestas operações, quanto dos Municípios com relação à incidência do ITBI, sendo este último previsto na Constituição Federal como uma garantia de imunidade ao contribuinte em determinadas situações.

Pronunciamento da Secretaria da Fazenda de São Paulo – SEFAZ-SP, por meio da resposta à consulta tributária 22070/2020, de 10 de agosto de 2020

Foi disponibilizado em 11.08.2020, no site da SEFAZ-SP, a Resposta à Solução de Consulta nº 22070/2020, por meio do qual tal resposta faz a análise da integralização de bens por valor de mercado ou pelo valor histórico, comumente constante na declaração de Imposto de Renda.

Logo de plano, restou consignado o entendimento fazendário de que a integralização de capital não está contemplada pela hipótese de incidência do ITCMD, imposto de competência estadual, contudo, na aludida resposta foram analisados alguns outros pontos os quais merecem reflexão como alerta a fim de evitar maiores transtornos com as autoridades fiscais fazendárias.

No item “8” da mencionada resposta à consulta tributária a Fazenda Estadual trouxe um exemplo no qual foi analisada a possibilidade da integralização do capital de uma sociedade pelo valor de mercado do imóvel ou pelo valor histórico do bem, sendo este último o escolhido, tendo como complemento do capital um terceiro no qual investiria R$ 100.000,00 em espécie.

A conclusão da resposta à consulta foi a de que este terceiro que ingressou como sócio, ao integralizar os R$ 100.000,00 em harmonia com o imóvel integralizado pelo valor histórico do bem, proporcionalmente ao valor das costas estabelecido, acabou por perceber um benefício econômico de R$ 50.000,00 e tal benesse se configuraria como uma doação, portanto havendo a incidência do ITCMD.

Nesse passo tal doação seria mitigada se os sócios acertassem uma contraprestação entre si na qual esse valor de R$ 50.000,00 fosse, de qualquer modo, pago aos demais sócios que compuseram a sociedade ora analisada.

A resposta à consulta tributária ainda contemplou a hipótese de o contribuinte validar este tipo de estrutura como forma de ocultar o fato gerador do ITCMD (hipótese de simulação). Nesse sentido um dos entraves encontrados pelo contribuinte é que os cartórios estão parando muitas operações para fiscalizar a mesma e verificar se existe algum tipo de simulação. Tal fato ocorre em razão da responsabilidade legal atribuída aos cartórios em caso de não recolhimento do imposto em comento. Frisa-se que a prerrogativa de fiscalização é dos órgãos fazendários e não dos cartórios de registro.

Nesse sentido, por mais conservador e temerário que seja, faz-se necessário observar os limites estabelecidos na Solução em comento, uma vez que estas servem de orientação aos contribuintes os quais pretendem realizar este tipo de operação.

Julgamento do RE 796.376 com repercussão geral

Outro fator importante a ser observado na elaboração de uma estrutura para planejamento sucessório é com relação à incidência ou não do ITBI, imposto de competência Municipal. O RE 796.376 julgou, sob a sistemática da repercussão geral, os efeitos e limites da imunidade prevista no artigo 156, §2º, I[1] da Constituição Federal.

No voto vencedor, o Ministro Alexandre de Moraes, analisou o inciso I, do §2º do artigo 156 da Constituição Federal e firmou o entendimento de que a imunidade prevista no inciso I do artigo em comenta alcança apenas o valor do montante a ser integralizado no capital social da empresa, sendo que o valor excedente será tributado, devidamente, pelo ITBI, confira-se o voto:

(…)Disso decorre, logicamente, que, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o valor do capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI, pois a imunidade está voltada ao valor ,destinado à integralização do capital social, que é feita quando os sócios, quitam as quotas subscritas.

Por outro lado, nada impede que os sócios ou os acionistas contribuam com quantia superior ao montante por eles subscrito, e que o contrato social preveja que essa parcela será classificada como reserva de capital. Essa convenção se insere na autonomia de vontade dos subscritores.

O que não se admite é que, a pretexto de criar-se uma reserva de capital, pretenda-se imunizar o valor dos imóveis excedente às quotas subscritas, ao arrepio da norma constitucional e em prejuízo ao Fisco municipal.

Ainda que o preceito constitucional em apreço tenha por finalidade incentivar a livre iniciativa, estimular o empreendedorismo, promover a capitalização e o desenvolvimento das empresas, não chega ao ponto de imunizar imóvel cuja destinação escapa da finalidade da norma.

No caso concreto, a diferença entre o valor do capital social e os imóveis incorporados é de R$ 778.724,00. É de indagar-se a razão pela qual uma empresa, cujo capital social é de R$ 24.000,00, pretende constituir uma reserva de capital em montante tão superior ao seu capital, e, sobretudo, livre do pagamento de imposto.

Assim, não cabe conferir interpretação extensiva à imunidade do ITBI, de modo a alcançar o excesso entre o valor do imóvel incorporado e o limite do capital social a ser integralizado.

Deste modo, com base no trecho supramencionado, retirado do voto vencedor, Ministro Alexandre de Moraes, o entendimento que se tem é o de que a imunidade do ITBI alcança apenas a parcela dos imóveis integralizados ao limite do capital social da empresa, e se, integralizado o montante superior, tais valores serão devidamente tributados a título de ITBI.

Em outras palavras, se no momento da indicação do imóvel a ser integralizado no capital social da empresa foi no montante de R$ 100.000,00, e no momento da efetiva integralização o mesmo imóvel é integralizado por valor superior ao indicado, sobre essa diferença, nos termos da decisão do Tribunal, haverá a incidência do ITBI.

Não obstante à tal entendimento, faz-se importante consignar que tal exigência só será possível mediante a edição de dispositivo normativo que regule tal prática, ou seja, há de se verificar em cada Município se existe ou não essa restrição legal.

Deste modo, considerando os posicionamentos das Fazendas Estaduais e Municipais, há de redobrar os cuidados na elaboração e constituição destas estruturas sucessórias de modo a evitar o risco de autuação fiscal em ambas as esferas, Estadual e Municipal, ao pagamento do ITCMD e ITBI, respectivamente.

Julgamento do RE 851.108

Outro ponto que merece grande destaque, está, atualmente, sendo discutido no Supremo Tribunal Federal, por meio do Recurso Extraordinário nº 851.108, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, no qual analisa-se a regra contida no artigo 155, §1º, III da Constituição Federal, no qual discute-se a legalidade na tributação de doações oriundas no exterior.

Até o momento o contribuinte conta com o voto favorável do Ministro Relator, o qual propôs a adoção da seguinte tese: “É vedado aos Estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no artigo 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.

Até o presente momento o Ministro Edson Fachin proferiu voto acompanhando o entendimento do Ministro Relator. O julgamento atualmente encontra-se suspenso devido ao pedido de vistas solicitado pelo Ministro Alexandre de Moraes, sem data prevista para a retomada de seu julgamento. Deste modo maiores detalhes deste caso será abordado em um novo artigo, o qual também poderá trazer um impacto significativo aos planejamentos tributários.

Referências:

[1] ato ou efeito de elidir; supressão, eliminação – Oxford Languages

[2] Resposta à Solução de Consulta nº 22070/2020

[3] RE 796.376

[4] 851.108


[1] Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.

escolas privadas e autonomia da vontade na expulsão dos alunos

Na sociedade atual, empresas, sociedades civis e instituições de ensino privado (âmbito educacional) possuem conjuntos de normas, regras e valores que devem ser seguidos por todos os seus funcionários e, em algumas vezes, por seus consumidores e utilizadores.

Estas regras visam nortear os procedimentos internos e tornar o ambiente mais equânime entre as partes, cuja falta de disposição e efetivação de tais regras podem gerar consequências e penalidades, criando verdadeira lei com aplicabilidade de suas disposições.

No ensino privado tal questão não é diferente, visto que as regras da instituição que devem ser seguidas por seus alunos e professores é denominado “Regimento Escolar”, cujo significado[1]:

O regimento escolar é um conjunto de regras que definem a organização administrativa, didática, pedagógica, disciplinar da instituição, estabelecendo normas que deverão ser seguidas para na sua elaboração, como, por exemplo, os direitos e deveres de todos que convivem no ambiente. Define os objetivos da escola, os níveis de ensino que oferece e como ela opera. Dividindo as responsabilidades e atribuições de cada pessoa, evitando assim, que o gestor concentre todas as ordens, todo o trabalho em suas mãos, determinando o que cada um deve fazer e como deve fazer.

Deste modo, o regimento escolar e suas diretrizes devem ser seguidas entre os funcionários, professores e os alunos que ali estejam alocados, visando a boa harmonia da instituição de ensino.

Os alunos, deste modo, possuem direitos e deveres na instituição que estejam matriculados, sendo como regra geral a todos os alunos as seguintes normas:

“(…):

Respeitar as autoridades da escola, os professores e os colegas;

Ser pontual e não chegar atrasado às aulas, caso contrário poderá receber uma advertência;

Utilizar o uniforme corretamente;

Cooperar para a conservação do patrimônio e dos móveis da escola;

Ser disciplinado e evitar bagunça ou desordem na entrada, saída e intervalos;

Permanecer na sala de aula até que seja liberado.[2]

Além destes princípios gerais, existem outros específicos atinentes a cada instituição de ensino, cuja variação pode alterar ante o cunho religioso ou da finalidade da instituição. Caso o aluno não siga devidamente as regras, poderá sofrer as sanções pela sua conduta.

Destaca-se que o Estado não detém o monopólio exclusivo do ensino, podendo a educação ser ofertada pela iniciativa privada, desde que atenda aos requisitos das normas gerais da educação, conforme descrito nos termos do art. 209 da Carta Magna de 1988:

Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I – Cumprimento das normas gerais da educação nacional;

II – Autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.

Diferente das escolas públicas, cujo processo de expulsão poderá tornar o aluno sem qualquer opção de ensino, as escolas privadas podem expulsar alunos que não seguem as regras e não estejam norteados com os princípios constitucionais da instituição, podendo rescindir o contrato caso existam motivos suficientes.

O processo de expulsão de qualquer aluno nas escolas privadas deve ser precedido de suas advertências e utilizada somente em última hipótese, visto ser a medida mais prejudicial ao aluno e a instituição, em especial com a rescisão contratual.

Em um julgado interessante, vejam que podem os colégios particulares expulsarem alunos que não coadunam com as normas e diretrizes internas da instituição:

APELAÇÃO CÍVEL. ENSINO PARTICULAR. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS INOCORRENTES. 1. Histórico procedimental do autor que aponta diversas ocorrências, tendo seus genitores sido chamados a comparecer na escola em várias oportunidades, ocasião em que firmaram termo de compromisso como condição para a realização das rematrículas para os anos de 2010 e de 2011. 2. Conduta grave e inadequada nas dependências da escola, a justificar a decisão exarada pela demandada, por meio de seu Conselho Pedagógico, no sentido de solicitar que o autor procurasse outra escola para dar continuidade aos seus estudos. 3. Ausente ato ilícito por parte da demandada, não há falar em direito às reparações por danos materiais e morais. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70053919734, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 26/06/2013)

(TJ-RS – AC: 70053919734 RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Data de Julgamento: 26/06/2013, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 01/07/2013)

Outro ponto que é crível dizer é que com a expulsão, o aluno não estará desamparado, pois poderá manter-se matriculado em instituição pública ou outra privada para retomar seus estudos.

Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão que indeferiu liminarmente a tutela pretendida pelo autor para a concessão de licença para suspender os efeitos do ato administrativo que o desligou do Colégio Militar de Curitiba-PR. (…) 2.Esta magistrada não verifica presente, no caso, a verossimilhança nas alegações do Autor. Em primeiro lugar, observe-se que a própria petição inicial reconhece haver previsão, no regimento interno do CMC, sobre constituir falta gravíssima, passível de desligamento do colégio, a conduta do aluno que “portar, tentar utilizar, usar, executar e/ou valer-se de meios ilícitos ou fraudulentos para a realização de qualquer tipo de avaliação da aprendizagem ou resolução de trabalhos escolares. “Desta forma, em tese não há ilegitimidade nem ilegalidade na pena de desligamento/expulsão aplicada ao Autor. Quanto à analogia de a referida penalidade equivaler à pena perpétua, trata-se de argumento inconsistente, diante das centenas de escolas e colégios não militares, públicos e particulares, à disposição da família do aluno para continuidade obrigatória de seus estudos, e que não poderão lhe negar matrícula, a teor do artigo 208, I, da Constituição. Em terceiro lugar, a existência da sindicância para apuração da falta atribuída ao aluno demonstra, a princípio, o respeito da Instituição de Ensino aos princípios do contraditório e da ampla defesa. (…). Intimem-se, sendo que a parte agravada na forma e para os fins do inciso II do artigo 1.019 do NCPC. Após, voltem conclusos.

(TRF-4 – AG: 50520628420174040000 5052062-84.2017.4.04.0000, Relator: MARGA INGE BARTH TESSLER, Data de Julgamento: 25/09/2017, TERCEIRA TURMA)

A todos é dado o arbítrio de fazer o que quiser é ser livre para decidir o próprio destino, podendo até mesmo desfazer relações outrora realizadas, o que se aplica ao presente caso, em especial quando uma das partes não tem qualquer interesse manter a relação.

Veja que o direito à educação é consagrado em seu art. 205 da Constituição Federal, devendo a priori ser dever do estado e da Família: 

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Para a efetivação deste direito no Estado Brasileiro, é assegurado que a educação é um dever do estado incentivada pela sociedade, visando assim o aperfeiçoamento dos infantos e propagação de conhecimento a todos as camadas sociais, motivo que não pode manter a instituição de ensino a continuidade de seu serviço por aluno displicente e que não coaduna com o seu regimento interno, mesmo após ter tentando outras soluções para adequar a má-conduta. 

O ensino público, visto já ser ofertado de forma gratuita à população, não está no entrave das relações contratuais e a questões atinentes ao regimento interno das instituições privadas.

Portanto, o regimento interno é adesivo ao contrato, motivo que todas as partes (processos, alunos, representantes dos alunos e funcionários) devem se guiar com base neste instrumento.

Os tribunais têm entendido pela Autonomia da Vontade, considerando que ninguém deve manter-se contratado quando inexiste interesse comercial, interesse de imagem ou qualquer outro fator que possa afetar as atividades de um dos contratantes, tendo o direito de rescindir quando assim o desejar, sendo neste caso a última hipótese.

Considerando o direito constitucional à liberdade, o qual também abrange direito em não se manter contratada, é crível também a aplicação do artigo 188 do Código Civil que tutela a legalidade do ato:

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I – Os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

Se analisarmos o conceito de boa-fé objetiva, é inegável que as partes devem agir de maneira correta, evitando lesões e condutas que possam afetar de sobremaneira as obrigações.

Neste sentido, a obrigatoriedade de manter a instituição veiculada a um aluno não querido, por violação ao seu regimento interno, não deve ser aceita e muito menos imposta pelo Estado ou Judicialmente, sob violação à Autonomia da Vontade e quebra da harmonia institucional. 

Responsáveis pelo artigo:
Luís Eduardo Veiga
Cristiano Medeiros de Castro

Referências:

Santos expulsa sócio do clube após caso de racismo

TRT-2 chancela demissão por justa causa por declarações discriminatórias


[1] Disponível em: Regimento Escolar

[2] Disponível em: Quais são os direitos e deveres dos estudantes?

impactos da lei geral de proteção de dados nas relações de trabalho

A LGPD foi criada para prever e regulamentar questões relacionadas ao tratamento de dados pessoais nos meios digitais, inclusive por pessoas físicas ou jurídicas, privadas ou públicas. A sua aplicação se dá em todos os setores da economia e do Direito, sendo aplicável sempre que houver algum tipo de coleta de dados de terceiros, como ocorre, por exemplo, nas relações trabalhistas e consumeristas.

A LGPD surge com a finalidade de proteger as liberdades e direitos fundamentais, trazer segurança jurídica aos atores envolvidos no mundo da coleta, armazenamento e uso de dados (digitais ou não), e para estabelecer regras de proteção de dados e critérios no tratamento desses dados pessoais.

Fundamentos da LGPD

I — O respeito à privacidade;

II — A autodeterminação informativa; (que nada mais é do que a ideia de que o indivíduo titular de dados pessoais deve ter controle, ou ao menos plena transparência, sobre a destinação dada às suas informações pessoais, bem como das metodologias utilizadas para tanto.)

III — A liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião;

IV -— A inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem;

V — O desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação;

VI — A livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor;

VII — Os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.

Princípios da LGPD

O artigo 6º da lei aduz que, além da boa-fé, são princípios da LGPD:

I — Finalidade: realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades;

II — Adequação: compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas ao titular, de acordo com o contexto do tratamento;

III — Necessidade: limitação do tratamento ao mínimo necessário para a realização de suas finalidades, com abrangência dos dados pertinentes, proporcionais e não excessivos em relação às finalidades do tratamento de dados;

IV — Livre acesso: garantia, aos titulares, de consulta facilitada e gratuita sobre a forma e a duração do tratamento, bem como sobre a integralidade de seus dados pessoais;

V — Qualidade de dados: garantia, aos titulares, de exatidão, clareza, relevância e atualização dos dados, de acordo com a necessidade e para o cumprimento da finalidade de seu tratamento;

VI — Transparência: garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento, observados os segredos comercial e industrial;

VII — Segurança: utilização de medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão;

VIII — Prevenção: adoção de medidas para prevenir a ocorrência de danos em virtude do tratamento de dados pessoais;

IX — Não discriminação: impossibilidade de realização do tratamento para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos;

X — Responsabilização e prestação de contas: demonstração, pelo agente, da adoção de medidas eficazes e capazes de comprovar a observância e o cumprimento das normas de proteção de dados pessoais e, inclusive, da eficácia dessas medidas.

A quem se aplica a LGPD?

A LGPD se aplica a toda pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, visando garantir a proteção dos direitos fundamentais de privacidade, liberdade e livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, e necessariamente precisa ser observada pela União, Estados, Distrito Federal e municípios, em relação às normas gerais.

A LGPDnão se aplica ao tratamento de dados pessoais realizado por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos; realizado para fins — exclusivamente — jornalísticos, artísticos ou acadêmicos.

A LGPD ainda não se aplica para fins exclusivos de: Segurança Pública; Defesa Nacional e segurança do Estado ou atividades de investigação e repressão de infrações penais; ou provenientes de fora do território nacional e que não sejam objeto de comunicação, uso compartilhado de dados com agentes de tratamento brasileiros ou transferência internacional de dados com outro país que não o de proveniência, desde que o país de proveniência proporcione grau de proteção de dados pessoais adequado ao previsto.

LGPD nas relações de trabalho

Ao contrário do que acontece no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR, na silha em inglês), a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) não traz de modo específico qualquer previsão quanto às relações de trabalho.

Já o regulamento europeu possui disposições específicas sobre o tratamento de dados nas relações entre o empregado e o empregador.

Por isso a aplicação da LGPD nas relações de trabalho demanda uma análise conjunta do que trata a legislação trabalhista e os elementos acrescidos pela LGPD relacionados à proteção de dados.

FASE PRÉ-CONTRATUAL

Existem alguns pontos que demandam atenção. A LGPD nas relações trabalhistas se aplica desde a fase pré-contratual, em que há o recebimento dos currículos dos candidatos a uma determinada guarda.

A fase pré-contratual é a fase do primeiro contato do empregado com o empregador e geralmente é realizada por terceiros (recrutador, departamento pessoal, empresas especializadas etc.).

Nessa fase há a disponibilização da vaga, análise do currículo, entrevistas, dinâmicas e posterior escolha do candidato selecionado.

Nessa fase é proibida a coleta de dados que possam gerar qualquer critério discriminatório entre os candidatos, como, por exemplo, solicitação de exames de gravidez, toxicológico, exames de sangue, atestado de antecedentes criminais e análise de crédito (débito).

Essa é a regra. Contudo, há exceções previstas em lei, como é o caso do exame toxicológico para o motorista profissional (artigo 168, § 6°, da CLT) e do atestado de antecedentes criminais que é obrigatório para quem trabalha como vigilante (artigos 12 e 16, VI, da Lei n. 7.102/1983 c/c art. 4°, I da Lei n. 10.826/2003).

Por outro lado, o exame de gravidez e a análise de crédito (débito) — mesmo para trabalho em instituições financeiras — são proibidos (artigo 1° da Lei n. 9.029/1995), sendo o segundo, inclusive, com base nos termos do Acórdão do TST prolatado nos autos do Processo n. 1109-68.2012.5.10.0020.

A empresa precisará informar claramente aos candidatos não selecionados a política de utilização dos dados que foram fornecidos e, principalmente, o que será feito com os dados e documentos daqueles que não foram selecionados.

A própria LGPD tem como princípio a não discriminação, o que reforça os entendimentos já solicitados no âmbito trabalhista, que proíbem a discriminação de candidatos devendo a recusa acontecer em decorrência de eventual incompatibilidade técnica para a função a ser desempenhada.

É interessante que a autorização para armazenamento dos dados exista, bem como a autorização para compartilhamento dos dados com a finalidade específica informada. Um bom exemplo é o compartilhamento desses dados entre agências de emprego, por outro lado, não poderia haver o compartilhamento das informações para uma agência de publicidade que busca contato com potenciais consumidores, já que, em uma situação como essa haveria o desvio de finalidade.

FASE CONTRATUAL

Nesta fase o empregado terá conhecimento da política de tratamento de dados da empresa e dará o seu consentimento (ou não) expresso quanto ao seu teor.

Na fase contratual o próprio contrato de trabalho passar a ser um documento composto por dados pessoais, o que amplia a responsabilidade quanto à guarda dessas informações por parte do empregador.

Os contratos devem conter cláusulas específicas relacionadas ao consentimento para o uso dos dados das informações dos colaboradores, quando o uso não estiver baseado no cumprimento de alguma obrigação legal.

Em outro ponto se fazem necessárias também, cláusulas que expressem a responsabilidade do colaborador quanto a guarda das informações que ele possa ter acesso em decorrência da atividade desempenhada dentro da instituição.

Sendo a LGPD uma legislação nova e que requer um forte trabalho educacional para que se torne efetiva, os colaboradores precisam ser treinados e capacitados para que possam saber quais são as suas responsabilidades diante das previsões trazidas pela lei e das normativas internas das empresas.

Como visto, o consentimento do funcionário deve ser expresso e as cláusulas que versarem sobre a política de tratamento de dados da empresa devem vir destacadas no documento, de forma a garantir a observância dos princípios da finalidade, transparência e segurança.

Há casos específicos em que a LGPD se aplicará na fase contratual, vejamos:

  • Ficha de registro: na ficha de registro é comum que contenha dados pessoais e dados sensíveis, a exemplo da filiação a sindicato. Nesse aspecto a LGPD prevê expressamente a necessidade de tratamento desses dados com a limitação de acesso à ficha de registro do funcionário.
  • Formalização de contratos e aditivos: destacam-se os contratos e aditivos, principalmente para quem já possuía o vínculo de emprego antes da entrada em vigor da LGPD. Para esses casos, será necessária a adequação do contrato de trabalho à LGPD.
  • Realização de exames: a realização de exames periódicos encontra respaldo na legislação vigente. Assim, todos os funcionários celetistas são obrigados a realizar o exame médico periódico. Tais exames abrangem a avaliação clínica e envolvem anamnese ocupacional e exames físico e mental, sendo possível haver exames complementares de acordo com os termos específicos da NR-7. Contudo, não podem ser solicitados exames que possam expor a saúde do trabalhador a fim de causar-lhe discriminação, a exemplo dos exames de HIV, gravidez, câncer etc.
  • Recebimento de atestados: embora não seja obrigatório o preenchimento da CID (Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) no atestado médico, caso haja identificação da doença e/ou o motivo do afastamento, pela LGPD, tais dados passam a ser dados sensíveis e, portanto, precisarão de política específica de guarda e acesso.
  • Compartilhamento de dados com seguradoras, planos de saúde, entidades sindicais: pela LGPD o compartilhamento desses dados precisará de autorização expressa do titular, principalmente quando se tratar de dados de familiares e de terceiros. A exceção virá quando essas informações decorrerem de pedido judicial, de texto de lei ou para fins de dados de estatística do governo.


Algumas questões práticas do ambiente de trabalho:

  • Dados biométricos: a LGPD classifica os dados biométricos como dados pessoais sensíveis. Os dados biométricos e genéticos são tratados pela LGPD como dados pessoais sensíveis pois podem ser utilizados para classificar grupos de indivíduos ou reconhecê-los individualmente. O reconhecimento biométrico facial é capaz de permitir a classificação do indivíduo em gênero ou etnia.
  • Menor aprendiz: a formalização da contratação do menor aprendiz passará por mudança significativa. Isso acontecerá porque o §1º do artigo 14 diz que o “tratamento de dados pessoais de crianças deverá ser realizado com o consentimento específico, em que destaque, dado por pelo menos um dos pais ou responsável legal“. Essa mudança se dá, pois, a lei só previa a assistência do menor no momento da rescisão e, com a LGPD, a assistência deverá ser outorgada também na contratação.
  • Vigilância de empregados (e-mails, redes sociais, dispositivos funcionais, dispositivos pessoais, geolocalização): a LGPD não proíbe o acesso a e-mails ou dispositivos funcionais. Contudo, a informação deverá ser clara, dispondo do propósito e finalidade da coleta, assim como deverá ter a ciência do funcionário quanto aos limites do acesso da empresa aos seus dados pessoais e o tratamento que será dado a esses dados.
  • Monitoramento interno e externo do ambiente da empresa: a LGPD não proíbe o monitoramento interno e externo do funcionário, mas tal monitoramento deverá ser justificado e com o consentimento do funcionário, zelando pela transparência, finalidade e necessidade.
  • Compartilhamento de dados pessoais de empregados entre grupo econômico e terceiros: caso o controlador precise comunicar ou compartilhar dados pessoais com terceiros, deve obter consentimento expresso do titular para esse fim, exceto em situações já previstas em lei que dispensam tal autorização. Tal previsão legal está no §5º do artigo 7º da LGPD e revela a necessidade de que as empresas sejam mais cautelosas ao compartilhar e receber dados de clientes como decorrência de serviços prestados a outras empresas, uma vez que sempre deverá haver uma expressa e específica autorização do titular dos dados para que haja o compartilhamento dessas informações.
  • Teletrabalho e proteção de dados: sem dúvidas a finalidade precípua da LGPD é a proteção de dados do titular face àqueles que coletam esses dados. Quando tratamos de “teletrabalho”, o principal elemento para traçar as diretrizes da atuação da empresa no ambiente de trabalho do seu funcionário (residencial ou não) se dará pelo contrato de trabalho e as previsões acerca da aquisição, manutenção e fornecimento de equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária para a prestação do trabalho. Tais medidas equiparam-se ao caso do uso de computador ou e-mail institucional no qual é permitido o acesso pelo empregador com o conhecimento do funcionário. Já em caso de uso de equipamentos pessoais, tal acesso não atende à finalidade da LGDP, em atenção aos princípios nela previstos, além do próprio artigo 5º da CF/88, que garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.


RESPONSABILIZAÇÃO DO EMPREGADO

O treinamento é extremamente necessário já que nos casos de incidentes de segurança com os dados, a depender da situação, será necessária a apuração da conduta do colaborador para compreender se houve culpa ou dolo.

Sem a devida capacitação torna-se inviável a responsabilização do colaborador diante de uma conduta realizada e que possa ter ocasionado o vazamento ou a utilização inadequada de dados.

As falhas ocorridas podem gerar consequências contratuais para a empresa, como as multas previstas e até mesmo danos à reputação da marca. Por isso, também será necessário identificar nas operações de tratamento de dados que serão realizados quem são os operadores e controladores, justamente para que a responsabilização possa ser realizada de modo adequado.

FASE PÓS-CONTRATUAL

Quando da ocorrência de eventual desligamento do funcionário da empresa, seja por qual motivo for, também é necessária a observância dos preceitos da LGPD.

Isso se dá pelo fato de que a LGPD, expressamente, aduz que é necessária a informação de finalização do uso de dados, seja por determinação legal, seja por solicitação do titular do direito.

Ocorre que, quando falamos de relações trabalhistas, há obrigações de guarda de documentos que decorrem de imposição legal, e isso afasta a solicitação particular do titular do direito.

São situações que precisarão de análise caso a caso, como, por exemplo, o dever de guarda para fins de documentação probatória para ações trabalhistas. Como sabido, o prazo decadencial para propositura de ação trabalhista é de dois anos contados da data do desligamento (considerando a projeção do aviso prévio). Portanto, a empresa possui garantia legal para guardar documentos comprobatórios dentro do prazo prescricional do direito de ação do titular do direito.

No caso das relações com os empregados, existem vários documentos que precisam ser armazenados diante das obrigações legais delimitadas por diversos órgãos públicos e, há ainda, a necessidade de guarda para comprovação das informações relacionadas ao período em que o colaborador esteve vinculado a empresa.

É preciso então observar os prazos prescricionais de cada obrigação para elaboração da política de eliminação de dados que deve abarcar os dados dos colaboradores, sem que isso possa representar prejuízo posterior para instituição.

CONTRATAÇÃO: PRESTADOR DE SERVIÇOS X CLT

Com as delimitações trazidas pela LGPD quanto às responsabilidades do Controlador, uma discussão necessária é a escolha da modalidade de contratação.

É preciso analisar se o formato escolhido proporciona a possibilidade de fiscalização e privacidade dos dados a serem tratados em determinados setores.

Para que se compreenda a questão, basta um exemplo simples: se terei uma determinada função em minha empresa em que a pessoa, ou a empresa que irá exercer, terá acesso a todos os dados pessoais e sensíveis dos meus colaboradores e/ou clientes, qual modalidade de contratação irá proporcionar maior segurança ao empregador?

Em ambas as possibilidades surgem novos pontos de atenção que precisam ser ajustados no momento da contratação, seja via contrato regulamentado pelo Código Civil, ou por uma contratação regulamentada pela CLT.

Término do tratamento de dados

O artigo 15 da LGPD prevê que o término do tratamento de dados pessoais ocorrerá nas seguintes hipóteses:

I – Verificação de que a finalidade foi alcançada ou de que os dados deixaram de ser necessários ou pertinentes ao alcance da finalidade específica almejada; (controlador)

II – Fim do período de tratamento; (controlador ou lei, regimento)

III – Comunicação do titular, inclusive no exercício de seu direito de revogação do consentimento conforme disposto no § 5º do artigo 8º desta lei, resguardado o interesse público; (titular)

IV – Determinação da autoridade nacional, quando houver violação ao disposto nesta lei.

Considerações finais

A autoridade responsável pela fiscalização da LGPD será a ANPD – Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Contudo, a fiscalização não está restrita à ANPD e poderá ser exercida por outras entidades fiscalizadoras, como os órgãos de proteção ao trabalhador (MPT, MPF, Auditor Fiscal etc.).

Estão entre as sanções administrativas para a prática de infrações à LGPD a aplicação de advertências, de multas simples ou diárias que podem chegar à quantia expressiva de R$ 50 milhões, e ainda publicização da infração e bloqueio e eliminação dos dados pessoais.

Como elencado nos próprios fundamentos da LGPD, esta tem como escopo a garantia das liberdades e direitos fundamentais da pessoa humana (já previstos no artigo 5º da CF/88), bem como o uso de dados pessoais (sensíveis ou não) com o propósito de trazer segurança jurídica tanto para quem fornece os dados (titular) quanto para aqueles que captam esses dados (controlador/operador).

A adequação à LGPD é de extrema urgência, posto que as relações de coleta e armazenamento de dados são praticamente diárias e estão, a partir de então, sujeitas às regulamentações previstas na LGPD.

Dentro do cenário das relações trabalhistas, como vimos, as mudanças também adquirem contornos específicos, principalmente durante a vigência do contrato de trabalho, com atenção especial aos contratos já vigentes antes da promulgação da LGPD.

A adequação à LGPD passará pela existência de boas práticas, treinamentos, normas internas e revisão de contratos e manuais a fim de garantir que os controladores busquem se adequar à lei visando minimizar ou mesmo eliminar os riscos de não observância aos preceitos da Lei Geral de Proteção de Dados.

o direito de retirada dos sócios na sociedade limitada

A sociedade limitada pode ser razoavelmente definida como uma sociedade empresária de natureza contratual e dotada intuitu personae onde os sócios obrigam-se somente pelo pagamento do valor de suas quotas e pela efetiva integralização do capital social, não sendo responsáveis pelas obrigações sociais em seu conjunto.

Dessa forma, uma das características mais relevantes que deve ser mencionada inicialmente é o intuitu personae. Esta expressão quer dizer que a sociedade limitada é caracterizada, preponderantemente, como uma sociedade de pessoas. É bem verdade que a sociedade limitada possui traços significativos das sociedades de capitais, o que faz com que sua classificação seja entendida como intermediária entre as sociedades de capitais e de pessoas.

Sobre esta distinção, a melhor doutrina entende que  “(…) a limitada há de ser considerada um tipo intermediário entre as sociedades de capital e de pessoas, visto que possui normas que a aproximam das sociedades de capital, por cujo regime jurídico podem optar a modo supletivo (art. 1.053, parágrafo único), sem perder o caráter intuitu personae que é próprio das sociedades contratuais. Aproxima-se das sociedades contratuais por ter seu capital dividido em quotas, contrastando aí com as sociedades de capital, por não o fracionar em títulos negociáveis (ações), de circulação ampla ou restrita. (…) No entanto, chega-se às sociedades de capital, nisso afastando-se das de pessoas, no ponto em que seus sócios nenhuma responsabilidade possuem pelas obrigações da sociedade, senão pelas suas próprias.” [1]

Assim sendo, de forma a exemplificar a distinção acima mencionada, a sociedade limitada difere-se da sociedade anônima justamente no tocante à suas prioridades, resultando em dizer que a sociedade limitada possui como característica marcante o enfoque nas pessoas que a compõe, enquanto a sociedade anônima possui como característica primordial o enfoque nos resultados financeiros a serem obtidos.

Considerando a classificação acima mencionada, surge um dos componentes relevantes à constituição de uma sociedade limitada e, em contrapartida, sua ausência é um dos principais motivos para a dissolução das sociedades limitadas, o Affectio Societatis. Tal instituto é o elemento subjetivo, intencional e essencial que demonstra a intenção, por parte dos sócios, de constituir uma sociedade, de forma que, sem ele, a sociedade inevitavelmente deixará de existir.

Tendo sido realizadas todas as distinções e considerações acima mencionadas, adentramos de fato ao tema do presente artigo: o direito de retirada do sócio nas sociedades limitadas.

Tal direito é conferido ao sócio por força do artigo 1.077 do Código Civil[2] ao dizer que no caso de desentendimentos entre os sócios sobre qualquer tema que envolva alterações a serem realizadas no contrato social da empresa, independentemente de sua natureza, o sócio que dissentiu possui o direito de retira-se da sociedade nos trinta dias seguintes de tal ato.

Assim, no caso de ser realizada qualquer alteração contratual na sociedade onde haja dissenção entre os sócios, o sócio que discordou da realização da alteração poderá optar por retirar-se da sociedade sem qualquer necessidade de justificar sua discordância, bastando para que caracteriza-se o desentendimento somente a ausência de sua assinatura na determinada alteração do contrato social.

Dessa forma, o exercício de retirada não pode ser privado dos sócios, mas, sob uma interpretação restritiva, o exercício deste direito encontra-se condicionado à existência de uma divergência entre os participantes sobre qualquer alteração a ser realizada na sociedade.

Não obstante, parte da doutrina prefere optar por realizar uma interpretação abrangente com relação ao exercício do direito de retirada, baseando-se no artigo 1.029 do Código Civil[3] ao dizer que qualquer sócio pode retirar-se de sociedade de prazo indeterminado, em qualquer momento sem necessidade de justa causa, sendo necessário somente uma notificação aos sócios remanescentes com uma antecedência mínima de 60 dias.

Assim, a mera decisão de retirada, acompanhada de uma notificação prévia de no mínimo 60 dias, concede ao sócio o direito de retira-se da sociedade. Tal interpretação se justifica pois uma vez que ele não possui mais a vontade de permanecer na sociedade, isso confronta diretamente os princípios da sociedade de pessoas bem como resulta no rompimento do Affectio societatis entre os sócios, razão pela qual deverá se optar pela dissolução parcial da sociedade com relação ao sócio retirante.

Assim, levando em consideração a disposição acima mencionada, sob uma interpretação abrangente, o sócio pode optar-se por retirar da sociedade a qualquer momento em que deseje, sem ser necessário o acontecimento de uma divergência entre os sócios para tanto.

Neste sentido, analisando a aplicação prática deste direito pelos sócios retirantes, temos as seguintes decisões em casos em que os sócios retirantes ajuizaram ação na justiça pleiteando sua própria retirada do quadro de sócios da sociedade:

“Não custa lembrar que o direito de o sócio se retirar da sociedade empresária é praticamente absoluto quando se rompe a affectio societatis. Tendo em vista que a entidade personificada no comércio somente desenvolve suas atividades regulamentares quando os sócios dão empenho pessoal e de capital para que a união de propósitos de projete além das intenções que se reuniram, não teria sentido exigir que isso ocorresse naturalmente com o ambiente desagregado pelos desentendimentos. Está evidenciado que o autor perdeu espaço que manteve no grupo de sócios e não convém discutir a causa da deterioração do relacionamento, pois não está em pauta a expulsão por conduta anti-social, mas, sim, o direito de se retirar por conveniência.” [4]

“O direito de retirada decorre da garantia constitucional de que ninguém é obrigado a permanecer associado (art. 5º, XX, da CF). É ato unilateral do sócio, bastando para o desligamento, no caso de sociedade limitada por prazo indeterminado, a notificação dos demais sócios com antecedência mínima de 60 dias, consoante disposto no art. 1.029 do Código Civil.” [5]

“A propósito do disposto no art. 1.029 do CC, ensina a doutrina que, tratando-se de sociedade contratada por prazo indeterminado, a vontade de extinguir o liame societário é soberana, “pois ninguém pode ser constrangido a permanecer, indefinidamente, associado. Basta seja providenciada a notificação dos demais sócios, estabelecida uma antecedência mínima de sessenta dias, visando à necessária reorganização do quadro social” (cf. MARCELO FORTES BARBOSA FILHO. Código civil comentado. Coord. Min. Cezar Peluso. 3a Ed., São Paulo/Barueri: Ed. Manole, 2009, p. 982; ARNOLD WALD. Comentários ao novo código civil. Coord. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2005, p. 228).”[6]

Considerando os julgados acima mencionados, podemos concluir que a aplicação prática do instituto de direito de retirada tem sido aplicada segundo sua interpretação mais abrangente, fazendo com que o mero desejo de retirada do sócio, sem necessidade de muitas justificativas, seja suficiente para que seja concedido seu desejo de retirar-se da sociedade.

Contudo, cabe ressaltar ainda que existem aqueles que defendem a interpretação restritiva ao uso do direito de retirada do sócio, o que nos leva a dizer que no caso de eventual necessidade de ingresso com ação para retirada de sócio, sob uma conduta conservadora, seja sempre anexado ao processo documentos e provas relevantes que, além de demonstrar a quebra do affectio societatis entre os sócios, demonstre a desavença existente entre os sócios com relação à qualquer alteração a ser realizada na sociedade.

Com relação à apuração dos haveres do sócio retirante, o artigo 1.077 do Código Civil faz menção no sentido de que, no caso do Contrato Social não dispor sobre a forma de apuração dos haveres do sócio retirante, o valor de sua quota será calculado com base na situação patrimonial da sociedade no momento de sua retirada, por meio de um balanço especialmente levantado para isso, conforme nos demonstra o artigo 1.031 do Código Civil[7].

Assim, no caso do Contrato Social ser silente com relação a este tema, será levantado balanço patrimonial especialmente com essa finalidade para liquidar sua participação societária com base na situação patrimonial da sociedade.

Por fim, no caso de eventuais dúvidas ou questionamentos sobre o tema, entre em contato conosco para que possamos auxiliá-los.

Autores do artigo:
Ricardo Ferle Castilho
Luís Eduardo Veiga

Referências:

[1] CARVALHOSA, Modesto, Tratado de Direito Empresarial, Volume III, Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 405.

² Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.

³Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.

4 Apelação / 9125815-10.2007.8.26.0000 / Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 4ª Câmara de Direito Privado. Julgado por Enio Zuliani em 31/08/2008.

5 Agravo de Instrumento / 2042049-71.2013.8.26.0000 / Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Julgado por Maia da Cunha em 05/12/2013.

6  Agravo de Instrumento / 0496523-63.2010.8.26.0000 / Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 8ª Câmara de Direito Privado. Julgado por Thedureto Camargo em 15/12/2010. 7   Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado


[1] CARVALHOSA, Modesto, Tratado de Direito Empresarial, Volume III, Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 405

[2] Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.

[3] Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.

[4] Apelação / 9125815-10.2007.8.26.0000 / Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 4ª Câmara de Direito Privado. Julgado por Enio Zuliani em 31/08/2008.

[5] Agravo de Instrumento / 2042049-71.2013.8.26.0000 / Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Julgado por Maia da Cunha em 05/12/2013.

[6] Agravo de Instrumento / 0496523-63.2010.8.26.0000 / Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 8ª Câmara de Direito Privado. Julgado por Thedureto Camargo em 15/12/2010.

[7] Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

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