Uma mudança histórica na legislação processual brasileira aconteceu no último dia 14 de julho: a promulgação da Emenda Constitucional 125 e, com ela, a aprovação do chamado filtro de relevância do Superior Tribunal de Justiça. No que consiste este filtro? De onde veio sua necessidade de aprovação?
Qualquer defensor da democracia e do devido processo legal sabe da importância dos recursos em um processo judicial. Sem dúvidas, é primordial que nosso sistema jurídico garanta a revisão das decisões de primeira instância. Justamente por isso, de modo geral, adotamos no Brasil o princípio do duplo grau de jurisdição.
Muito se fala, porém, da existência de uma suposta terceira instância – o Superior Tribunal de Justiça. Apesar da fama, o STJ não foi originalmente criado para ser, de fato, uma terceira instância, mas sim, para uniformizar a jurisprudência nacional e garantir o cumprimento de leis federais infraconstitucionais. Até mesmo porque, em tese, não se é permitido discutir questões de fato perante a corte, sendo vedado o reexame das provas produzidas nos autos.
Ainda assim, na prática, as partes tinham maneiras de interpor o chamado “recurso especial”, direcionado ao STJ, sobre os mais diversos assuntos. Em verdade, todos os anos, o STJ recebe cerca de 10 mil novos recursos a serem julgados por ministro. Só em 2020, foram recebidos no total 354.398 recursos[1]. Por certo, essa quantidade extraordinária de processos inviabiliza o julgamento com maior rigor, além de implicar em maior lentidão para o julgamento de cada um dos casos.
O chamado “filtro de relevância” do Superior Tribunal de Justiça promete mudar este cenário. Com a promulgação da Emenda Constitucional 125, o texto constitucional foi alterado, sendo determinado que, para ser admitido um recurso especial, a parte recorrente deverá comprovar a relevância das questões abordadas para além da relação entre as partes. A ideia é que este filtro seja semelhante à “repercussão geral”, que já é requisito para a admissibilidade de recursos extraordinários no Supremo Tribunal Federal.
Caso o STJ entenda que o recurso especial não tem relevância para ser examinado pela corte, bastará que 2/3 dos ministros votem neste sentido e o recurso não será admitido. Confira o texto constitucional na íntegra:
“Art. 105, §2º, CF: No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento”.
Todavia, a mudança não valerá para todos os recursos especiais. O novo parágrafo 3º do artigo 105 da Constituição Federal determina que serão obrigatoriamente considerados relevantes os recursos envolvendo os seguintes temas:
“Art. 105, § 3º, CF: Haverá a relevância de que trata o § 2º deste artigo nos seguintes casos:
I – ações penais;
II – ações de improbidade administrativa;
III – ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos;
IV – ações que possam gerar inelegibilidade;
V – hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de Justiça;
VI – outras hipóteses previstas em lei”.
Sobre a importância deste novo requisito, bem destacou o Ministro Presidente do STJ, Humberto Martins[2]:
“A PEC corrige uma distorção do sistema, ao permitir que o STJ se concentre em sua missão constitucional de uniformizar a interpretação da legislação federal. O STJ, uma vez implementada a emenda constitucional, exercerá de maneira mais efetiva seu papel constitucional, deixando de atuar como terceira instância revisora de processos que não ultrapassam o interesse subjetivo das partes”
Ainda, o Ministro Mauro Campbell Marques destacou que a qualidade dos julgamentos na Corte Superior deve aumentar com a aplicação do filtro[3]:
“O filtro vai dar maior qualidade aos feitos que aportam no STJ. É absolutamente inconsequente o que nós temos hoje, em que a 2ª Seção se reúne para discutir se cachorros podem subir no elevador de serviço ou social. Ou a gente se reunir para discutir a execução fiscal de R$ 1,27. Esse tipo de processo não vai aportar no STJ. Não há como julgar bem e qualificadamente com esse volume processual. E a PEC corrige na raiz esse problema”.
Não há dúvidas de que o filtro de relevância trará inúmeros benefícios ao poder judiciário, garantindo um melhor uso do STJ, além de contribuir para a razoável duração dos processos. Ainda assim, pairam algumas dúvidas sobre o tema: sobre quais assuntos, precisamente, o recurso especial precisa tratar para ser considerado relevante? O quanto a emenda efetivamente reduzirá em termos de recursos julgados no STJ? Só o tempo poderá dar as respostas.
Ainda assim, desde já, para os operadores do direito, vale destacar que a mudança já está vigente! O recurso especial interposto depois da promulgação da Emenda Constitucional 125, ou seja, depois de 14/07/2022 têm de comprovar sua relevância, sob pena de não conhecimento.
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[1] Fonte: https://www.poder360.com.br/congresso/camara-aprova-pec-que-cria-filtro-para-stj-aceitar-recursos/, acesso em 17/07/2022
[2] Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/14072022-Filtro-de-relevancia-do-recurso-especial-vira-realidade-com-a-promulgacao-da-Emenda-Constitucional-125.aspx, acesso em 17/07/2022
[3] Fonte: https://www.poder360.com.br/congresso/camara-aprova-pec-que-cria-filtro-para-stj-aceitar-recursos/, acesso em 17/07/2022.
Escrito por Andrey Ventura