As criptomoedas e o direito tributário

fundos de criptomoedas

Em continuação ao tema abordado no artigo A (não) regulamentação de criptoativos no mercado de valores mobiliários nacional, sua emissão e posicionamento da CVM quanto à posição por fundos de investimentos”, o presente artigo abordará os aspectos tributários relativos em relação às criptomoedas.

Nos últimos anos muitos foram os veículos por meio dos quais os brasileiros se valeram para investir seu dinheiro, em busca de “segurança” e rentabilidade para multiplicar os seus vencimentos, como exemplo podemos citar a compra e venda de ações, aportes em fundos de investimento, fundos de criptomoedas e a compra direta destas moedas.

As criptomoedas, chamadas de moedas virtuais, conquistaram o mundo. No Brasil, o cenário não é diferente e o assunto está, cada dia mais, em evidência. Por aqui, a repercussão é tanto em relação à economia como às questões jurídico-tributárias.

Porém, antes de se adentrar no mérito do presente artigo, há de se fazer uma pequena distinção entre essas moedas virtuais e moedas digitais.

Os fundos de criptomoedas são um meio de troca, que utilizam da tecnologia de blockchain (validação de dados) e da criptografia para assegurar a validade das transações. Já a moeda digital tem um conceito amplo, abarcando qualquer moeda eletrônica. Um exemplo prático deste conceito amplo que é de uso rotineiro da população na atualidade é o cartão de crédito online, gerado de forma virtual e apenas para determinada transação. Este cartão on-line nada mais é do que um tipo de moeda digital.

As moedas digitais são controladas por instituições financeiras oficiais, que, no caso do Brasil é o Banco Central (BC). Já, para as criptomoedas não existe uma autoridade específica responsável por sua criação, emissão e controle, e as transações são registradas em blockchain.

O bitcoin, por exemplo, superou a marca de US$ 50 mil em 23 de agosto, enquanto o valor total desse mercado supera US$ 900 bilhões, muito mais do que a maioria das companhias globais.

Por conta do crescimento extremamente significativo e acelerado desse mercado, a regulamentação torna-se tão necessária, com o objetivo de garantir a segurança aos investidores, ao sistema financeiro e ao funcionamento do mercado de capitais. E, pelo fato de o assunto ter sido deixado de lado, agora os reguladores e os legisladores estão correndo atrás do prejuízo.

Existe alguma regulamentação das operações com essa moeda?

Sem abordar o olhar do BACEN e CVM sobre o tema, pois já tratado em outro artigo, cabe ressaltar aqui que a Secretaria da Receita Federal do Brasil apenas editou a instrução normativa IN RFB 1.888/19, que basicamente institui às intermediadoras (exchanges) o dever de prestar informações[1] relativas às operações realizadas com cripto ativos ao Fisco Federal, ou seja, a Receita Federal deseja e precisa receber toda a movimentação de compra e venda destas moedas.

Para elucidar esse posicionamento da Receita Federal cabe trazer à discussão a definição de

Art. 5 Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, considera-se:

I – criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal;

 

A Receita Federal também não entende as criptomoedas como ativos mobiliários ou moeda de curso legal. Porém, equipara-as a ativos financeiros sujeitos a ganho de capital, que devem ser declaradas pelo valor de aquisição. Isso significa que pessoas físicas devem levar isso em conta para fins de tributação, ou seja, por meio deste entendimento a Receita Federal faz entender que nesses ganhos há uma valorização do “ativo” e por consequência um acréscimo patrimonial, portanto, sujeitos à incidência do Imposto de Renda calculado sobre esse ganho de capital.

De maneira geral, atualmente o BACEN, a CVM e a Receita Federal têm praticamente o mesmo entendimento sobre as criptomoedas e suas respectivas obrigações tributárias.

É patente destacar que sobre esse posicionamento da Receita Federal não há nenhum ato específico, existe apenas um trecho no manual de perguntas e respostas do Programa do Imposto de Renda de Pessoa Física.

Nele, encontra-se a informação de que todos os saldos em criptomoedas incluídos no ano-calendário devem ser declarados na ficha “Bens e Direitos”, com valor correspondente ao preço de custo (compra) da moeda virtual em questão.

Atualmente essa é a única disposição específica em relação ao tema abordado, e a sua tributação irá depender dos estudos sobre o tema e das definições das regras matriz de incidência tributária, ou seja, para definir se há ou não uma circulação de mercadorias nestas operações, patente de incidência do ICMS, ou se uma prestação de serviços propriamente dita, para a incidência do ISS, sobre este último imposto já existe uma profunda discussão sobre a sua incidência acerca do ato de minerar

Projetos de lei sobre tema

Existem projetos de lei tramitando no Congresso Nacional. São eles: PL 2.060/19 e PL 2.303/15, mais recentes e cujas audiências públicas encontram-se suspensas; PL 3.825/19, 3.949/19 e PL 4.207/20, que estão em curso no Senado Federal.

Não se sabe ainda exatamente qual será o caminho das criptomoedas no Brasil e no mundo, e muito menos quando estas serão regulamentadas e tributações definidas, porém, uma coisa é certa: as moedas digitais vieram para ficar.

Sendo assim, é possível adquiri-las e negociá-las, desde que declarando os ganhos mensais com esse investimento. Além disso, fica o alerta: devemos monitorar os próximos passos e orientações referentes às regulamentações e às tributações que podem ser estabelecidas nos próximos meses.[2]

[1] Art. 6º Fica obrigada à prestação das informações a que se refere o art. 1º:

I – a exchange de criptoativos domiciliada para fins tributários no Brasil;

II – a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil quando:

a) as operações forem realizadas em exchange domiciliada no exterior; ou

b) as operações não forem realizadas em exchange.

    • 1º No caso previsto no inciso II do caput, as informações deverão ser prestadas sempre que o valor mensal das operações, isolado ou conjuntamente, ultrapassar R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
    • 2º A obrigatoriedade de prestar informações aplica-se à pessoa física ou jurídica que realizar quaisquer das operações com criptoativos relacionadas a seguir:
      1.  compra e venda;
      2.  permuta;
      3. doação;
      4.  transferência de criptoativo para a exchange;
      5.  retirada de criptoativo da exchange;
      6.  cessão temporária (aluguel);
      7.  dação em pagamento;
      8.  emissão; e
      9.  outras operações que impliquem em transferência de criptoativos.

Para mais dúvidas sobre aspectos juridico-tributários de fundos de criptomoedas entre em contato conosco!

Escrito por Richard Búffalo

[2] CRYPTOLAW, Inovação, Direito e Desenvolvimento

A (não) regulamentação de criptoativos no mercado de valores mobiliários nacional, sua emissão e posicionamento da CVM quanto à posição por fundos de investimentos

regulamentação de criptoativos

Juntamente com o surgimento dos criptoativos em 2008, inúmeros foram os questionamentos, dúvidas e teorias sobre sua aplicação, utilização e regulamentação com relação a essa nova forma de transferência global de recursos. Especificamente no Brasil, apesar da primeira manifestação oficial por órgão competente ter se dado por volta de 2015, as dúvidas só aumentam e a utilização dos criptoativos em mercado regulado ou não parece cada vez mais próxima.

 

Ainda sob o aspecto global, os criptoativos não possuem uma padronização quanto à sua regulamentação e interpretação, sendo que cada país subjuga o tema diante de sua própria regulação. No momento, aproximadamente 20 países se dispuseram a propor uma regulamentação ao tema, estando dentre eles Estados Unidos, Israel, Reino Unido, Japão e Canadá. Contudo, apesar de existirem regulações nacionais sobre o tema, estamos longe de poder afirmar que existe uma uniformidade ou unanimidade na utilização ou tratamento desta espécie de ativos, principalmente considerando que em alguns países os criptoativos são considerados ilegais, como, por exemplo, na Bolívia.

 

Posicionamentos e entendimentos da CVM

 

Em 2018 a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) publicou um alerta de mercado sobre os criptoativos definindo-os como “(…) ativos virtuais, protegidos por criptografia, presentes exclusivamente em registros digitais, cujas operações são executadas e armazenadas em uma rede de computadores” (CVM, 2018a[1]). Contudo, apesar da definição trazida pela autarquia, os criptoativos não guardam nenhuma conexão com as moedas oficiais como dólar, euro ou real, uma vez que não são emitidos, controlados, garantidos ou regulados por qualquer autoridade monetária.

 

Apesar desta espécie de ativo ainda causar dúvidas quanto à sua natureza e regulamentação, a interpretação utilizada para atrair a competência da CVM ao assunto é baseada no artigo 2º da Lei 6.385/1976 ao estabelecer que “quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros“, tais Valores Mobiliários estariam sob a fiscalização da autarquia.

 

Mediante tal provocação de competência e considerando o cenário de início de realização das ICO (Initial Coin Offerings), a CVM passou a encarar o desafio de regulamentar a chamada de captação de ativos sem necessariamente adentrar na regulamentação de criptoativos em si.

 

Diante deste desafio, existem dois casos emblemáticos que merecem destaque e nos orientam sobre o posicionamento da autarquia, sendo eles o caso da Niobium e da Iconic. Contudo, antes de adentrar aos casos em específico, cabe mencionar o entendimento da CVM sobre a natureza dos Contratos de Investimento Coletivo (CIC).

 

Contrato de Investimento Coletivo (CIC)

 

O conceito de um Contrato de Investimento Coletivo (CIC) tem natureza instrumental e possui sua origem no direito americano, tendo seu conceito recepcionado pelo direito brasileiro. Tal recepção brasileira representou uma grande mudança no mercado mobiliário nacional, vez que o conceito americano é mais abrangente e funcional, abandonado a concepção fechada de valor mobiliário, como destacado por Luiz Antonio Sampaio Campos[2].

 

Desta forma, o conceito do CIC funciona para delimitar a competência do regime mobiliário e da CVM, abarcando negócios com os mais diversos formatos e setores. Como exemplo, podemos citar célebre caso do “boi gordo”, empreendimentos condo-hoteleiros e eco empreendedorismo em modelo de marketing multinível.

 

Casos concretos – Niobium e Iconic

 

Passando à análise dos casos práticos dos posicionamentos da CVM nos casos da Niobium e da Iconic, a autarquia buscou entender e, caso necessário, regulamentar a emissão dos criptoativos (ICO) sem necessariamente regulamentar o ativo em si.

 

Sob esta finalidade, no caso do ICO da Niobium a entidade se valeu dos precedentes constituídos em processo administrativo julgado anteriormente[3] para determinar os requisitos/critérios a serem analisados para constatar-se a existência ou não de um CIC. Dito isso, os critérios analisados neste caso foram os seguintes:

      • a existência de um investimento;
      • a formalização do investimento em um título ou contrato, pouco importando, contudo, a natureza jurídica deste;
      • o investimento deve possuir caráter coletivo;
      • o investimento deve dar direito a alguma forma de remuneração;
      • A remuneração não pode ser oriunda de atividade do investidor, mas sim do gestor, empreendedor ou terceiros; e
      • Os títulos ou contratos ofertados devem ser objeto de oferta pública.

Os requisitos acima apresentados tem sido basilares na análise da CVM sobre a emissão de stop orders em casos de ICO que se caracterizem como oferta de valores mobiliários ao mercado normalmente sob a forma de CIC, como no caso da Atlas Quantum[4].

 

Na análise de caso da Iconic, o relator da CVM complementou a questão por meio da definição dos elementos caracterizadores de um CIC, partindo do inciso IX do já mencionado artigo 2º da Lei nº 6.385/76. Assim, estes foram os questionamentos estabelecidos pela autarquia no Processo Administrativo Sancionado CVM nº 19957.003406/2019-91:

      • Buscou-se captar recursos de investidores por meio de uma oferta pública?
      • Os investidores aportaram (ou foram chamados a aportar) dinheiro ou outro bem suscetível de avaliação econômica?
      • Os recursos captados na oferta (ou que se buscava obter com a oferta) foram (ou seriam) aplicados em um empreendimento coletivo?
      • O aporte foi (ou seria) feito na expectativa de lucros, decorrentes de um direito de participação, de parceria ou alguma forma de remuneração (inclusive resultante de prestação de serviços)?
      • Os resultados esperados do investimento adviriam, exclusiva ou preponderantemente, dos esforços do empreendedor ou de terceiros?
      • Assim, por meio da resposta aos questionamentos acima elaborados, a autarquia decidiu em entender o ICO realizado como oferta irregular de valores mobiliários e multar o emissor pela irregularidade cometida.

Tendo em vista os requisitos e questionamentos estabelecidos pela CVM, pode-se concluir que a entidade ainda não possui um entendimento/regulamentação sobre os criptoativos em si, muito embora fiscalize com rigor a espécie e forma de emissão dos valores para captação de mercado.

 

Criptoativos em Fundos de Investimento regulado

 

Em Ofício-Circular publicado em 2018, a CVM, questionada sobre a possibilidade de investimento em criptoativos por Fundos de Investimento, posicionou-se a definir que os fundos regulados pela autarquia não podem realizar investimentos diretos nesta espécie de ativos por não serem ativos financeiros.

 

Contudo, via comunicado encaminhado aos administradores e gestores de fundos regulados em setembro do mesmo ano, a autarquia ponderou sobre o investimento indireto nesses ativos, desde que observadas alguns cuidados e diligências específicas dos administradores e gestores dos respectivos fundos.

 

Desta forma, aplica-se o disposto no artigo 23 da Instrução CVM nº 558/2015 ao estabelecer que “O gestor de recursos deve implementar e manter política escrita de gestão de riscos que permita o monitoramento, a mensuração e o ajuste permanentes dos riscos inerentes a cada uma das carteiras de valores mobiliários”.

 

Por fim, cabe-se considerar que, apesar de todas as nuances e discussões acerca da natureza e regulamentação de criptoativos, estes ativos ainda carregam incerteza e desregulamentação quanto à sua utilização, investimento e finalidade, restringindo-se, por hora, a CVM a posicionar-se sobre a forma da emissão de captação de recursos em mercado, permitindo ainda a realização de investimentos indiretos em criptoativos por Fundos de Investimento regulamentados pela CVM.

 

Possui dúvidas ou gostaria de saber mais sobre assuntos relacionados a regulamentação de criptoativos? Entre em contato.

 

Escrito por Ricardo Ferle.

 

[1] https://www.investidor.gov.br/publicacao/Alertas/alerta_CVM_CRIPTOATIVOS_10052018.pdf

[2] PA CVM nº RJ2003/0499

[3] Processo Administrativo nº RJ 2007/11593

[4] Deliberação CVM Nº 826 de 13 de agosto de 2019

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