Com a popularização das cirurgias estéticas, cada vez mais consumidores buscam clínicas e hospitais para realizar os mais diversos procedimentos, que vão desde lipoaspirações, aplicações de botox até as mais radicais harmonizações faciais. Entretanto, pode o Consumidor exigir indenização do médico se não ficar satisfeito com o resultado e o pagamento de novo procedimento?
RECENTE JULGADO DO STJ
Recentemente, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou um caso interessante que tratava justamente deste tema[1]. No processo, a Consumidora alegava que foram cometidos erros em seu procedimento estético, o que impediu que fossem alcançados os resultados pretendidos.
Por conta disso, a Consumidora pleiteou o ressarcimento do quanto gastou na operação, além do pagamento de novo procedimento estético para corrigir os erros supostamente cometidos.
No julgamento, o STJ entendeu que não seria cabível a condenação ao pagamento do novo procedimento, sendo mantida apenas a determinação do reembolso da cirurgia já realizada. Em seu voto, a Ministra Nancy Andrigui explicou que, no caso de cirurgias estéticas, quando o resultado prometido pelo cirurgião não é atingido, configura-se o inadimplemento contratual, sendo que, nestes casos, deve-se ressarcir o consumidor pelo quanto gasto.
Entretanto, a Ministra explicou que não há cabimento no pedido cumulativo de ressarcimento do valor gasto no procedimento estético e o pagamento de nova cirurgia:
“Na hipótese em julgamento, a recorrida formulou, na petição inicial, tanto pedido de condenação do recorrente à restituição do montante pago para a realização do procedimento cirúrgico, quanto pleito de condenação do recorrente a arcar com os custos de nova cirurgia, a ser realizada por médico de sua escolha.
As premissas acima assentadas conduzem à conclusão de que os pedidos são incompatíveis entre si.
A opção pela restituição da quantia paga nada mais é do que o exercício do direito de resolver o contrato e funda-se no inadimplemento absoluto. A seu turno, o requerimento de realização de nova cirurgia estética às expensas do recorrente corresponde à exigência da tutela específica da obrigação, está amparada no inadimplemento relativo (mora) e, diversamente da resolução, não extingue o vínculo contratual”.
“A cumulação das condenações tal qual determinado pelo Tribunal local acarretaria, consoante considerações supramencionadas, enriquecimento ilícito da recorrida, pois lhe permitiria obter a prestação (cirurgia plástica estética), sem o pagamento de contraprestação, rompendo-se o sinalagma contratual.
Nessa situação, não tendo a recorrida manifestado preferência entre os pedidos, a devolução do valor pago, acrescido dos encargos moratórios, revela-se mais adequada, pois possibilitará que a lesada obtenha o montante correspondente ao procedimento de forma mais célere e, consequentemente, realize nova cirurgia plástica”.
Nota-se, portanto, que o entendimento do STJ neste caso é de que as cirurgias estéticas devem atingir os resultados prometidos, caso contrário, será constatado inadimplemento contratual. Porém, não pode o consumidor pedir condenação cumulativa, isto é, o reembolso do valor pago na cirurgia e o pagamento de novo procedimento.
OBRIGAÇÃO DE MEIO VS. OBRIGAÇÃO DE FIM
Podemos dizer, assim, que este tipo de procedimento é enquadrado como obrigação de fim, aquela na qual o Fornecedor se compromete com o resultado prometido.
Um outro caso são as obrigações de meio. Nestas, o Fornecedor oferece seu serviço, mas não garante um resultado certo. Por exemplo, dentro da medicina, o médico que diagnostica doença de seu paciente fará de tudo para curá-lo. Pode ser que este sugira determinado medicamento ou cirurgia. Nestes casos, se não houver cura, pode o Consumidor pleitear o ressarcimento do tratamento? Vejamos o entendimento do STJ nestes casos:
“CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA E REPARADORA. NATUREZA OBRIGACIONAL MISTA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS (CDC, ART. 14, § 4º). IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO REPARATÓRIO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Pela valoração do contexto fático extraído do v. aresto recorrido constata-se que na cirurgia plástica a que se submeteu a autora havia finalidade não apenas estética, mas também reparadora, de natureza terapêutica, sobressaindo, assim, a natureza mista da intervenção. 2. A relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral, obrigação de meio, salvo em casos de cirurgias plásticas de natureza exclusivamente estética. 3. “Nas cirurgias de natureza mista – estética e reparadora -, a responsabilidade do médico não pode ser generalizada, devendo ser analisada de forma fracionada, sendo de resultado em relação à sua parcela estética e de meio em relação à sua parcela reparadora” (REsp 1.097.955/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/9/2011, DJe de 3/10/2011). 4. Recurso especial provido.” (REsp 819.008/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 04/10/2012, DJe 29/10/2012)
“ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. OBRIGAÇÃO DE MEIO, E NÃO DE RESULTADO. ERRO MÉDICO. REEXAME DE PROVAS. SUMULA 07/STJ. 1. O Superior Tribunal de Justiça entende que a relação entre médico e paciente é de meio, e não de fim (exceto nas cirurgias plásticas embelezadoras), o que torna imprescindível para a responsabilização do profissional a demonstração de ele ter agido com culpa e existir o nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano causado – responsabilidade subjetiva, portanto. (…) 5. Agravo regimental não provido.” (AgRg no Ag 1269116/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, DJe 14/04/2010). E ainda: REsp 992821/SC, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 27/08/2012)
Assim, quando o caso não se tratar de cirurgia estética, apenas será devido o ressarcimento ao Consumidor caso seja constatada culpa ou dolo do médico em tratamento mal-sucedido.
Portanto, vê-se que entender o tipo de obrigação assumida pelo Fornecedor é essencial para prevenir litígios e, quando estes forem instalados, para se definir a melhor estratégia a ser seguida.
Escrito por: Andrey Ventura
[1] Vide https://www.conjur.com.br/2022-set-20/stj-veta-condenacao-medico-restituir-valor-pagar-cirurgia. Acesso em 26/09/2022.