Por: Luís Eduardo Veiga, Paulo Cesar Veiga e Cristiano Medeiros de Castro
Com a proliferação da pandemia do COVID-19, ou popularmente chamada de Corona vírus, a população mundial teve de reinventar-se para manter a noção de normalidade e a manutenção de questões essenciais a vida, visto que foi tolhida do direito de ir com as medidas de restrição e contingenciamento.
Entre diversas questões que obrigou a reinvenção de um novo estilo de vida foi a necessidade da manutenção do ensino as crianças e adolescentes, visto que a descontinuidade deste serviço seria lesionar o direito universal e constitucional à educação, consagrado em seu art. 205 da Constituição Federal:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Para a efetivação deste direito no Estado Brasileiro, é assegurado que a educação é um dever do estado incentivada pela sociedade, visando assim o aperfeiçoamento dos infantos e propagação de conhecimento a todos as camadas sociais.
Destaca-se que o Estado não detém o monopólio exclusivo do ensino, podendo a educação ser ofertada pela iniciativa privada, desde que atenda aos requisitos das normas gerais da educação, conforme descrito nos termos do art. 209 da Carta Magna de 1988:
Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I – cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
Com o acontecimento da pandemia, as escolas privadas e públicas tiveram que fechar as suas sedes, por tempo indeterminado, e as obrigou a transformar a sua forma de ensino, oferecendo aulas na modalidade online cuja efetivação é realizada por meio de videoconferências e atividades a serem efetivadas pelos alunos em suas casas, evitando assim as aglomerações e a propagação da COVID-19 na comunidade.
O ensino público, visto já ser ofertado de forma gratuita à população, não está no entrave das relações contratuais e revisões da política de preços com a aplicação do entendimento de caso fortuito e força maior.
Contudo e diferentemente das instituições públicas, as escolas de ensino privado sobrevivem pela contraprestação de seus serviços, quais sejam, as mensalidades de seus alunos, sendo diretamente afetadas pelo estado de calamidade pública.
Visto o empobrecimento da população, com a suspensão e reduções da renda média do trabalhador e empresários brasileiros, muitas instituições de ensino privada viram-se a enfrentar a uma enxurrada de pedidos administrativos, ações judiciais e reclamações dos representantes dos alunos para a revisão dos valores mensais pagos das matrículas, em especial com pedidos de aplicação de desconto sob o argumento da impossibilidade de pagamento pelos representantes dos estudantes, onerosidade excessiva que adveio pela pandemia e o corte de custos pelo não uso das locais físicos destas instituições.
O presente artigo visa a esclarecer o porquê não se poder aplicar a obrigatoriedade de descontos as instituições de ensino privada e a falta de competência do legislativo estadual e Procons tutelando tais pedidos aos consumidores.
Antes de adentrar as questões atinentes a inaplicabilidade da obrigatoriedade de descontos às instituições de ensino privado, é crível destacar que não se opera a teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva disposto no art. 393 e seguintes do Código Civil, bem como em outros diplomas legais, conforme será observado no próximo tópico.
I. Da Inaplicabilidade da Teoria da Imprevisão e Onerosidade Excessiva
O Código Civil, com o intuito de resguardar negócio jurídico originário, e o Código de Defesa do Consumidor, visando proteger a hipossuficiência do consumidor nas relações de consumo, possui ferramentas jurídicas para salvaguarda a uma das partes da relação à onerosidade excessiva ou vantagem indevida a um dos contratantes.
Em um primeiro momento, destaca-se o art. 393 do Código Civil o qual dispõem:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Em uma leitura literal do referido artigo, é crível supor que o devedor não responderá pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, estando ele livre das penalidades do inadimplemento caso seja verificado tal ponto.
Ato contínuo, o art. 478 do mesmo codex destaca que caso a prestação de contratos de execução continuada (situação mais aplicável ao caso) de um determinado negócio jurídico se torne excessivamente oneroso e com extrema vantagem a uma das partes, poderá o devedor pedir a resolução do contrato:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
(…).
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Em uma leitura dinâmica do código cível, veja que aplicação da teoria da imprevisão ou da onerosidade excessiva deverá ser aplicada com a devida parcimônia em todos os casos o qual ela é arguida, sob pena de tornar insustentável a manutenção do contrato originário a outra parte.
O código de defesa do consumidor, por sua vez, estabelece em seu art. 6º, inciso V, a possibilidade de revisão de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes, conforme recorte:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(…)
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
O referido inciso, com o intuito de resguardar a manutenção contratual pelo consumidor com fatos que fogem à normalidade, não tem a sua aplicabilidade imediata pela simples onerosidade do contrato por fato superveniente do consumidor, em especial com a análise em conjunta com o sistema jurídico que o complemente, o Código Civil.
O não pagamento pela dificuldade financeira que assola a muitos da população não é requisito para a revisão dos valores à título de contraprestação as escolas, ou seja, o desemprego não é motivo suficiente para ensejar a revisão contratual dos contratos de ensino.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e do Estado do Rio Grande do Sul já tutelaram o entendimento que não é crível exigir a redução da matrícula por dificuldade financeira, frente às instituições de ensino, pois a dificuldade financeira da Contratante não configura caso fortuito ou de força maior:
AÇÃO DE COBRANÇA FUNDADA EM CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. INCONTROVERSA EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA E INADIMPLÊNCIA DE MENSALIDADES. A DIFICULDADE FINANCEIRA DA CONTRATANTE NÃO CONFIGURA CASO FORTUITO OU DE FORÇA MAIOR, NOS TERMOS DO ART. 393 DO CÓDIGO CIVIL, NEM A EXIME DA OBRIGAÇÃO DE QUITAR AS MENSALIDADES. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DO DÉBITO. RECURSO IMPROVIDO.
(TJ-SP – APL: 10210685820158260003 SP 1021068-58.2015.8.26.0003, Relator: Alberto Gosson, Data de Julgamento: 02/02/2017, 22ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/02/2017)
APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO ORDINÁRIA. REPARCELAMENTO DA DÍVIDA. DESCABIMENTO. 1. A simples diminuição de renda, ou mesmo a perda do emprego por parte do mutuário, não se trata de circunstância apta a ensejar, à luz do disposto no artigo 6º, inciso V, do CDC, a revisão do pactuado, devendo as parcelas ser adimplidas na forma ajustada. Precedente do STJ. 2. Nos termos do artigo 85, § 11, do CPC/2015, considerando o trabalho adicional desenvolvido pelo procurador da parte apelada em grau recursal, impositiva a majoração da verba honorária a ele devida. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70081289183, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mário Crespo Brum, Julgado em 30/05/2019).
(TJ-RS – AC: 70081289183 RS, Relator: Mário Crespo Brum, Data de Julgamento: 30/05/2019, Décima Quarta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 04/06/2019)
O que os referidos acórdãos têm em comum é resguardar a manutenção contratual, salvaguardando também o direito do contratado de sua contraprestação e a continuidade do serviço.
O maior óbice na aplicação dos institutos acima é torna os serviços da fornecedora insustentável, visto que a contraprestação não seria capaz de suplantar os gastos do serviço, o que acarretaria maiores danos ao próprio consumidor e por consequência a toda comunidade.
Em consonância ao próximo tópico, o serviço educacional deve ser prestado em sua totalidade, mesmo no período de pandemia, o que assegura o dever de pagar dos representantes dos alunos e a devida contraprestação ao colégio, em sua integralidade, garantindo a manutenção dos serviços educacionais e manutenção do ensino à educação da comunidade.
II. Da Continuidade do Serviço Educacional pelas Instituições Privadas
As instituições de ensino, com o intuito de preservar os serviços educacionais, necessitaram investir em materiais não previstos para a realização das aulas na modalidade online e o melhor aproveitamento dos alunos neste novo tipo de plataforma.
Em que pese os estudantes não usufruírem das estruturas físicas por conta pandemia, é certo que com o aumento das aulas na modalidade online foi necessário o uso de servidores mais capacidades, compras de licenças, notebooks e outros tipos de produtos os quais não são observados fisicamente e que aumentam os custos das instituições.
O Ministério da Educação, visando manter a validade das aulas na modalidade online ofertadas neste período, editou, em 17 de março, a Portaria nº 343/2020, o qual sofreu algumas pequenas edições e alterações para aumentar a sua vigência, dispondo sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do COVID-19.
Nos termos da portaria do MEC, as instituições de ensino superior estão autorizadas a, durante a crise da pandemia, suspender os cursos presenciais ou oferecê-los por meio de meios e tecnologias de informação e comunicação.
Assim, as escolas devem manter o seu sistema de ensino, em especial na modalidade online, garantindo a manutenção dos serviços educacionais aos estudantes. Outro ponto que é importante salientar é que os gastos com funcionários ainda se mantêm e muitas vezes em sua integralidade, ante a ausência da redução dos salários de seus colaboradores nos termos da MP nº 936/2020, ante a necessidade de oferecer a integralidade do serviço contratado e o cumprimento total da carga horária para a validação do ano letivo.
Visando tornar a questão menos litigiosa e equalizar o entendimento dos diversos Procons, foi formulada a Nota Técnica n.º 14/2020/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ, com as cooperações para sua formulação dos Procons do Estado do Rio de Janeiro, Procon do Estado do Pernambuco, Fundação Procon do Estado de São Paulo e Procons Brasil, o qual destacou que não se pode exigir a redução da mensalidade ou o abatimento de valores das mensalidades, visto que as instituições de ensino oferecerão a totalidade de seus serviços, independentemente da crise financeira oriunda da pandemia. Para tanto, recortam-se alguns trechos:
2.11.As soluções têm se baseado em dois fundamentos: i) garantir a prestação do serviço, ainda que de forma alternativa, quando for o caso, como primeira alternativa de solução; ii) garantirão consumidor que, nos casos em que não houver outra possibilidade, seja feito o cancelamento ou desconto do contrato com a restituição parcial ou total dos valores devidos, com uma sistemática de pagamento que preserve o direito do consumidor mas não comprometa economicamente o prestador de serviço.
2.12. O primeiro fundamento vem do entendimento de que, se houver meios de efetuar a prestação de serviço com qualidade equivalente ou semelhante àquela contratada inicialmente, essa é a melhor alternava. No caso da prestação de serviços educacionais, isso significa: a) oferecer as aulas presenciais em período posterior, com a consequente modificação do calendário de aulas e de férias ou; b) oferecer a prestação das aulas na modalidade à distância, garantida o seu adimplemento nos termos da legislação vigente do Ministério da Educação que prevê carga horária mínima e cumprimento do conteúdo estabelecido.
2.13. Nos dois casos, fica evidente que não é cabível a redução de valor das mensalidades, nem a postergação de seu pagamento. É preciso ter claro que as mensalidades escolares são um parcelamento definido em contrato, de modo a viabilizar uma prestação de serviço semestral ou anual. O pagamento poderia ocorrer em parcela única, ou em número reduzido de parcelas, mas essas opções tornariam mais difícil o pagamento pela maior parte das famílias.
2.14. Assim, opta-se por um pagamento parcelado, ao longo do semestre ou do ano, usualmente com periodicidade mensal. Essa questão é importante porque o pagamento corresponde a uma prestação de serviço que ocorrerá ao longo do ano. Não faz sentido, nessa lógica, abater das mensalidades uma eventual redução de custo, em um momento específico, em função da interrupção das aulas, pois elas terão que ser repostas em momento posterior e o custo ocorrerá de qualquer forma.
A referida Nota Técnica, visando garantir a mesma qualidade de ensino pelas instituições de ensino e a preservação das escolas privadas, destacou que não se pode obrigar desconto as escolas, em especial com a possibilidade de precarização dos serviços inicialmente contratados e sobrevivências da própria instituição de ensino.
Com o mesmo raciocínio, com o intuito de garantir a continuidade do serviço de prestação de ensino educacional, foi editada a MP nº 934 que alterou os termos dispostos: no inciso I do caput e parágrafo 1º do art. 24, bem como o inciso II caput do art. 31 da Lei nº 9.394 de 1996 (educação básica); e caput do §3o do art. 47 da Lei nº 9.394, de 1996 (ensino superior), que referem-se ao cumprimento das horas e dias letivos para que seja considerado cumprido o ano letivo e o ingresso ao ano superior.
O inciso I do art. 24 da Lei dispõem que a carga horária mínima para a educação básica será de 800 (oitocentos) horas distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver.
Já o §1º do art. 24 descreve que a ampliação das horas de forma progressiva ao ensino médio, para mil e quatrocentas horas, devendo os sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo menos mil horas anuais de carga horária.
Já o art. 31 da Lei dispõem que a educação infantil deverá ter a carga horário mínima anual de 800 (oitocentas) horas, distribuída por um mínimo de 200 (duzentos) dias de trabalho educacional.
Com essas considerações ao ensino infantil e básico, o art. 1º da Medida Provisório dispensa, em caráter excepcional ante ao período de quarentena causado pela proliferação do COVID-19, o cumprimento dos dias efetivos do trabalho escolar, desde que cumprida a carga horária mínima anual.
Ou seja, verifica-se que as instituições de ensino básico e infantil deverão cumprir a carga horária mínima instituída pela Lei nº 9.394 de 1996, contudo em uma quantidade menor de dias letivos, o que obrigaria a extensão do horário nos dias comuns e a produção de mais atividades por parte das instituições de ensino, visando garantir o ano letivo aos estudantes.
Nos termos da Nota Técnica e da Medida Provisória, as instituições de ensino devem manter a qualidade de ensino, carga horário, investir em formas de ensino e outros atos, o que torna justa o pagamento das mensalidades da totalidade para a manutenção dos serviços de ensino.
Assim, as instituições devem manter a integralidade de seus serviços, mesmo que outra forma, bem como a manutenção da carga horário original, motivo que a minoração da contraprestação afeta estas instituições.
Portanto, sendo a contraprestação devida para a manutenção das instituições de ensino privada, não se pode obrigar descontos as escolas, seja por via legal ou administrativas (Procons), nos termos do seguinte tópico.
III. Da Ilegalidade de Obrigatoriedade da Política de Descontos as Instituições
Diversos órgãos e instituições, visando que as instituições deem descontos aos representantes dos estudantes, tem criado leis e atos que tornam insustentável a manutenção das próprias instituições de ensino e a ofertar do ensino educacional pelas instituições.
Á título de exemplo, o governador Wilson Witzel assinou no dia 04 de junho a Lei estadual 8.864/2020 que determina que creches, escolas e universidades concedam 30% de desconto nas mensalidades — como uma forma de compensação por não haver aulas presenciais.
Já o governador do estado do maranhão também sancionou a Lei nº 11.259, que dispõe sobre a redução proporcional das mensalidades da rede privada de ensino durante o período de vigência da Declaração de Emergência pela OMS ou do Decreto n° 35.677 de 2020.
De forma individual, os Procons também têm instados as instituições a ofertarem descontos nas mensalidades, sob pena de multas administrativas e demais cominações legais.
Infelizmente, todas as medidas não podem vigorar, visto que se relacionam a questões contratuais de caráter privado, afetam a sobrevivências das instituições de ensino privada e violam o princípio da reserva legal, já que tal questão cabe a União Legislar, não aos estados e aos Procons.
Não foi de forma diferente que foi impetrado mandado de segurança nº 0120089-49.2020.8.19.0001 em face ao poder fiscalizatório oriundo da Lei estadual 8.864/2020 do estado do Rio de Janeiro.
A juíza, com fulcro no pensamento acima, analisou em sede de tutela que o poder fiscalizatório de imposição da obrigatoriedade de desconto supera matéria de competência estadual, decidindo do seguinte modo:
“A leitura dos artigos da lei impugnada, especialmente os cinco primeiros, demonstram a incompatibilidade formal e material com diversas normas constitucionais, especialmente quanto à usurpação de competência privativa da União para legislar sobre normas de Direito Civil, estatuída no art. 22, inciso I, da Constituição da República/88.
(…)
Assim é que, justificada por uma regra de exceção, o estado de calamidade decretado no Estado, pretende a Assembleia Legislativa obrigar às escolas particulares de todos os níveis, a concederem descontos variados, de acordo com faixas de preço desde que submetidos à uma pretensa Mesa de Negociações.
E, nesse ponto, novamente agride o texto constitucional ao desrespeitar o princípio da livre iniciativa a viger em um Estado de Direito, princípio fundamental previsto no art. 1º., inciso IV, da mesma Constituição da República, ao prever:
“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(……)
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”
A Constituição da República é o documento estruturante do Estado Brasil e seus princípios e normas não podem ter o seu cumprimento afastado nem por uma pandemia. Devem ser aplicados de forma irrestrita, sob pena de absoluta nulidade.
Por tais razões, DEFIRO A LIMINAR, afastando a aplicação da Lei Federal 8.864/2020, desobrigando todas as instituições de ensino privadas ao seu cumprimento, vedada qualquer autuação dela decorrente.”.
Conforme entendimento acima, não cabem aos estados a edição de leis que obriguem as instituições de ensino a aplicaram descontos aos estudantes, por patente violação à reserva legal da União Federal, nos termos do art. 22 I da Constituição Federal.
Destaca-se também que foi impetrados Ações Diretas de Inconstitucionalidade visando afastar leis que obriguem a obrigatoriedade dos descontos as instituições de ensino privada, como pode ser visto na ADI nº 6435 e ADI nº 6.423.
Consequentemente, se não cabem aos legislativos estaduais com a sanção dos seus respectivos estados obrigarem a aplicação dos descontos, o mesmo pode ser dito pelos Procons.
Veja que a tutela de muitos Procon, sobre o argumento de defesa dos direitos dispostos no Código de Defesa do Consumidor é genérico e que pode levar a abusos por parte destas instituições a extrapolarem as suas competências.
A caracterização da violação da competência dos Procons e dos Legislativos Estaduais em regular preços de contratos individuais de cada instituição de ensino, sem analisar a questão orçamentária e da possibilidade de desconto de forma individual, é ato nulo e ilegal.
Neste sentido, não compete ao Procon e ao Legislativo Estadual adentrar em tais questões, vista a sua incompetência em legislar sobre a matéria (violação ao princípio da reserva legal). Por fim, caso o desconto seja obrigatório nos moldes das legislações estaduais e definidos por alguns Procons, muitas instituições não sobreviverão, conforme próximo tópico.
IV. Das Consequências da Obrigatoriedade de Descontos e dos Efeitos da COVID-19.
Após a devida análise dos pressupostos acima, as escolas de ensino privado continuam a manter os custos operacionais, sofrem com inadimplência deste período e ainda correm o risco de ser obrigados a aplicar descontos a todos os estudantes em margens insustentáveis para a sobrevivência do negócio.
Caso a situação do Brasil se mantenha, a pesquisa realizada pela Edição Brasil, demonstra que até 50% das instituições de ensino privada correm o risco de falir, conforme recorte da reportagem:
“Ausência de socorro das autoridades e uma concorrência predatória são algumas das causas que aparecem no “Manifesto pela sobrevivência das Escolas Particulares”, divulgado pela União pelas Escolas Particulares de Pequeno e Médio Porte, como prenúncio do colapso econômico do setor. Segundo a pesquisa “Megatendências”, encomendada pela categoria, entre 30% e 50% das instituições de ensino privado do país correm risco de falir até o final deste ano devido à pandemia do novo coronavírus.
Segundo o estudo realizado com donos de mais de 400 escolas de 83 cidades brasileiras, incluindo Belo Horizonte, 95% declararam ter casos de cancelamento de matrículas e que essa perda de alunos significa 10% do corpo discente. Mas não é só isso: inadimplência, atrasos e pedidos de desconto levam essas instituições de ensino a perdas na casa dos 50%, número que chegava apenas a 20% em março. Os colégios entrevistados na pesquisa têm entre 150 alunos e 20 professores, abrangendo todos os níveis da educação básica. Escolas com esse perfil representam quase 80% da rede privada de ensino do Brasil.
Dentre os motivos apontados pelos colégios, os pais relataram o desemprego, a redução de salário e outras questões financeiras. Outros pontos apontados também são a transferência de residência, o medo em relação à pandemia ou a justificativa de que retornariam “quando a situação voltar ao normal”.”.
Em que pese a boa vontade dos Procons e do Legislativo ao criar medidas para salvaguardar o consumidor, a obrigatoriedade dos descontos sem qualquer medida de salvar as instituições é controversa, em especial com a possibilidade de falências destas instituições.
Consequentemente, o poder público não terá mãos para absorver todos os alunos que migrarão para a rede pública, o que enfraquecerá o pilar constitucional à educação à aquelas que buscam o ensino público.
Neste sentido, a obrigatoriedade de descontos as instituições de ensino privado, além de fugir as competências estaduais e dos Procons, lesionam indiretamente a população, ante a possibilidade de falências das Instituições de Ensino Privado e a impossibilidade dos órgãos públicos em absorverem os novos alunos oriundos destas instituições.
Conclui-se assim que os descontos cabem as instituições de ensino, bem como a possibilidade de ofertar outros meios de pagamento aos representantes dos estudantes, evitando a falência destas instituições e o colapso do sistema de ensino privado e público do Estado Brasileiro.