A Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para o PL 1.087/2025, que amplia a isenção do IRPF para quem ganha até R$ 5 mil mensais e permite levar o mérito direto ao Plenário. A proposta veio do Executivo em março, com promessa de vigência a partir de 2026, e prevê ainda um desconto parcial entre R$ 5 mil e R$ 7 mil (nas discussões em comissão esse teto foi aprimorado para R$ 7.350), além de um mecanismo de “tributação mínima” para altas rendas. Em termos de processo legislativo, há fato novo relevante: a urgência foi aprovada de forma simbólica, com apoio amplo de partidos, o que politicamente sinaliza avanço, mas não dispensa negociações de mérito sobre redação final e transições.
No conteúdo, o governo optou por técnica de “redução do imposto devido” em vez de simplesmente alterar a tabela, o que mantém a progressividade formal e cria percentuais de abatimento para que a renda até R$ 5 mil resulte em imposto zero e as faixas seguintes tenham redução parcial. Esse arranjo está descrito na comunicação oficial do Planalto, que inclusive trazem exemplos numéricos de quanto restará a pagar em cada patamar de renda. Para quem ganha até R$ 5 mil, a redução é de 100%; a partir de R$ 7 mil não há abatimento. A medida, segundo o Executivo, alcançará algo como 10 milhões de contribuintes adicionais e integra a promessa de campanha de ampliar o alívio na base.
Para compensar a renúncia, o projeto cria duas frentes. A primeira é um imposto mínimo progressivo para pessoas físicas cuja renda anual ultrapasse R$ 600 mil, com alíquota final que pode chegar a 10% para quem recebe R$ 1,2 milhão por ano, considerando no cômputo rendas hoje isentas, em especial dividendos. A segunda é a tributação, por retenção de 10%, dos lucros e dividendos remetidos ao exterior, tema sensível por dialogar com a rede de tratados e com a tributação societária brasileira. Documentos oficiais e relatórios de mercado estimam que a renúncia líquida de IRPF seja mais do que compensada pela nova arrecadação dessas medidas, com números positivos já em 2026 e maiores em 2027, embora tais estimativas possam variar conforme a versão do texto e a economia.
Do ponto de vista jurídico-constitucional, a proposta conversa com os princípios da capacidade contributiva e da progressividade (arts. 145, §1º, e 153, §2º, I, da Constituição) ao aliviar a base e exigir contribuição adicional de altas rendas que hoje, segundo o próprio governo, apresentam alíquota efetiva média baixa por forte peso de rendimentos isentos, argumento que é bastante questionável, sobretudo pela integração da tributação entre pessoa jurídica brasileira, que já tributa em alíquotas altíssimas a distribuição de dividendos (isenção atacada pelo Governo). Há, todavia, outros pontos de atenção. O primeiro é a observância do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal: toda renúncia de receita exige estimativa de impacto e medidas de compensação, e o projeto sustenta-se exatamente na combinação de imposto mínimo e tributação de dividendos para cumprir essa regra; na fase de execução orçamentária será preciso demonstrar essa neutralidade para evitar questionamentos em controle externo.
O segundo ponto é a técnica do “imposto mínimo” sobre renda global. A concretização exige regras claras de base de cálculo, exclusões e créditos para evitar dupla tributação econômica entre a empresa e o acionista. A minuta atual prevê um redutor para limitar a carga total combinada de IRPJ/CSLL somada ao mínimo do acionista a patamares equivalentes às alíquotas nominais (p. ex., 34% em muitos casos), o que é essencial para mitigar litígios sobre bitributação de lucros já tributados na pessoa jurídica. O desenho do crédito ou redutor, inclusive prazos e operacionalização do ressarcimento, é onde residem os maiores riscos de contencioso e de impacto de caixa para investidores.
Há ainda a dimensão internacional. A retenção de 10% sobre distribuição de lucros e dividendos ao exterior se alinha a práticas previstas em tratados (muitos permitem até 15%), mas precisa ser compatibilizada com acordos específicos e com as regras de “excedente” de carga quando a soma do IR corporativo doméstico e da retenção superar tetos previstos. A versão discutida aponta um mecanismo de crédito ou redução para não extrapolar a carga combinada, porém a experiência mostra que a transição costuma gerar dúvidas, especialmente para lucros acumulados antes da vigência da nova lei, tema que pode suscitar debates sobre irretroatividade ainda que a incidência se dê no evento distribuição.
Para empresas e pessoas físicas, o recado prático é duplo. Na base da pirâmide, o alívio tende a aumentar a renda disponível e, por consequência, consumo, o que é coerente com o discurso de neutralidade fiscal e com a aposta do Governo em efeitos macroeconômicos positivos, para altas rendas e estruturas societárias, será necessário mapear fontes de dividendos, reorganizar calendários de distribuição e simular a carga efetiva combinada com a nova camada de mínimo, inclusive verificando a interação com holdings, fundos e remessas a não residentes. Na governança pública, a aprovação da urgência acelera o rito, mas o mérito ainda pode sofrer ajustes em Plenário, inclusive quanto à faixa de desconto parcial e às cláusulas anti-excesso de tributação, que são cruciais para a segurança jurídica.
No arco desse cenário, é imprescindível que empresas e pessoas físicas com parcela substancial de seu patrimônio alocada em equity, procurem urgentemente um planejamento especializado para que, dada a celeridade da tramitação do projeto, somado ao ambiente de escassez de recursos, potencializados por uma eleição próxima, o seu patrimônio não pague por isso.
Em síntese, a ampliação da isenção até R$ 5 mil e o desconto parcial acima disso atendem a um objetivo social legítimo e alinhado à capacidade contributiva, a contrapartida pela via de imposto mínimo e tributação de dividendos é completamente incoerência diante da lógica do sistema do IR brasileiro. Até aqui, o texto avançou politicamente e conta com estimativas de neutralidade ou superávit, mas o resultado para cada contribuinte dependerá da redação que sair do Plenário e da regulamentação subsequente. Para decisões de negócio, o caminho prudente é antecipar simulações usando a versão atual do PL, acompanhando as mudanças até a aprovação definitiva.