A (não) regulamentação de criptoativos no mercado de valores mobiliários nacional, sua emissão e posicionamento da CVM quanto à posição por fundos de investimentos

Juntamente com o surgimento dos criptoativos em 2008, inúmeros foram os questionamentos, dúvidas e teorias sobre sua aplicação, utilização e regulamentação com relação a essa nova forma de transferência global de recursos. Especificamente no Brasil, apesar da primeira manifestação oficial por órgão competente ter se dado por volta de 2015, as dúvidas só aumentam e a utilização dos criptoativos em mercado regulado ou não parece cada vez mais próxima.

Ainda sob o aspecto global, os criptoativos não possuem uma padronização quanto à sua regulamentação e interpretação, sendo que cada país subjuga o tema diante de sua própria regulação. No momento, aproximadamente 20 países se dispuseram a propor uma regulamentação ao tema, estando dentre eles Estados Unidos, Israel, Reino Unido, Japão e Canadá. Contudo, apesar de existirem regulações nacionais sobre o tema, estamos longe de poder afirmar que existe uma uniformidade ou unanimidade na utilização ou tratamento desta espécie de ativos, principalmente considerando que em alguns países os criptoativos são considerados ilegais, como, por exemplo, na Bolívia.

Posicionamentos e entendimentos da CVM

Em 2018 a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) publicou um alerta de mercado sobre os criptoativos definindo-os como “(…) ativos virtuais, protegidos por criptografia, presentes exclusivamente em registros digitais, cujas operações são executadas e armazenadas em uma rede de computadores” (CVM, 2018a[1]). Contudo, apesar da definição trazida pela autarquia, os criptoativos não guardam nenhuma conexão com as moedas oficiais como dólar, euro ou real, uma vez que não são emitidos, controlados, garantidos ou regulados por qualquer autoridade monetária.

Apesar desta espécie de ativo ainda causar dúvidas quanto à sua natureza e regulamentação, a interpretação utilizada para atrair a competência da CVM ao assunto é baseada no artigo 2º da Lei 6.385/1976 ao estabelecer que “quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros“, tais Valores Mobiliários estariam sob a fiscalização da autarquia.

Mediante tal provocação de competência e considerando o cenário de início de realização das ICO (Initial Coin Offerings), a CVM passou a encarar o desafio de regulamentar a chamada de captação de ativos sem necessariamente adentrar na regulamentação de criptoativos em si.

Diante deste desafio, existem dois casos emblemáticos que merecem destaque e nos orientam sobre o posicionamento da autarquia, sendo eles o caso da Niobium e da Iconic. Contudo, antes de adentrar aos casos em específico, cabe mencionar o entendimento da CVM sobre a natureza dos Contratos de Investimento Coletivo (CIC).

Contrato de Investimento Coletivo (CIC)

O conceito de um Contrato de Investimento Coletivo (CIC) tem natureza instrumental e possui sua origem no direito americano, tendo seu conceito recepcionado pelo direito brasileiro. Tal recepção brasileira representou uma grande mudança no mercado mobiliário nacional, vez que o conceito americano é mais abrangente e funcional, abandonado a concepção fechada de valor mobiliário, como destacado por Luiz Antonio Sampaio Campos[2].

Desta forma, o conceito do CIC funciona para delimitar a competência do regime mobiliário e da CVM, abarcando negócios com os mais diversos formatos e setores. Como exemplo, podemos citar célebre caso do “boi gordo”, empreendimentos condo-hoteleiros e eco empreendedorismo em modelo de marketing multinível.

Casos concretos – Niobium e Iconic

Passando à análise dos casos práticos dos posicionamentos da CVM nos casos da Niobium e da Iconic, a autarquia buscou entender e, caso necessário, regulamentar a emissão dos criptoativos (ICO) sem necessariamente regulamentar o ativo em si.

Sob esta finalidade, no caso do ICO da Niobium a entidade se valeu dos precedentes constituídos em processo administrativo julgado anteriormente[3] para determinar os requisitos/critérios a serem analisados para constatar-se a existência ou não de um CIC. Dito isso, os critérios analisados neste caso foram os seguintes:

a existência de um investimento;
a formalização do investimento em um título ou contrato, pouco importando, contudo, a natureza jurídica deste;
o investimento deve possuir caráter coletivo;
o investimento deve dar direito a alguma forma de remuneração;
A remuneração não pode ser oriunda de atividade do investidor, mas sim do gestor, empreendedor ou terceiros; e
Os títulos ou contratos ofertados devem ser objeto de oferta pública.

Os requisitos acima apresentados tem sido basilares na análise da CVM sobre a emissão de stop orders em casos de ICO que se caracterizem como oferta de valores mobiliários ao mercado normalmente sob a forma de CIC, como no caso da Atlas Quantum[4].

Na análise de caso da Iconic, o relator da CVM complementou a questão por meio da definição dos elementos caracterizadores de um CIC, partindo do inciso IX do já mencionado artigo 2º da Lei nº 6.385/76. Assim, estes foram os questionamentos estabelecidos pela autarquia no Processo Administrativo Sancionado CVM nº 19957.003406/2019-91:

Buscou-se captar recursos de investidores por meio de uma oferta pública?
Os investidores aportaram (ou foram chamados a aportar) dinheiro ou outro bem suscetível de avaliação econômica?
Os recursos captados na oferta (ou que se buscava obter com a oferta) foram (ou seriam) aplicados em um empreendimento coletivo?
O aporte foi (ou seria) feito na expectativa de lucros, decorrentes de um direito de participação, de parceria ou alguma forma de remuneração (inclusive resultante de prestação de serviços)?
Os resultados esperados do investimento adviriam, exclusiva ou preponderantemente, dos esforços do empreendedor ou de terceiros?
Assim, por meio da resposta aos questionamentos acima elaborados, a autarquia decidiu em entender o ICO realizado como oferta irregular de valores mobiliários e multar o emissor pela irregularidade cometida.

Tendo em vista os requisitos e questionamentos estabelecidos pela CVM, pode-se concluir que a entidade ainda não possui um entendimento/regulamentação sobre os criptoativos em si, muito embora fiscalize com rigor a espécie e forma de emissão dos valores para captação de mercado.

Criptoativos em Fundos de Investimento regulado

Em Ofício-Circular publicado em 2018, a CVM, questionada sobre a possibilidade de investimento em criptoativos por Fundos de Investimento, posicionou-se a definir que os fundos regulados pela autarquia não podem realizar investimentos diretos nesta espécie de ativos por não serem ativos financeiros.

Contudo, via comunicado encaminhado aos administradores e gestores de fundos regulados em setembro do mesmo ano, a autarquia ponderou sobre o investimento indireto nesses ativos, desde que observadas alguns cuidados e diligências específicas dos administradores e gestores dos respectivos fundos.

Desta forma, aplica-se o disposto no artigo 23 da Instrução CVM nº 558/2015 ao estabelecer que “O gestor de recursos deve implementar e manter política escrita de gestão de riscos que permita o monitoramento, a mensuração e o ajuste permanentes dos riscos inerentes a cada uma das carteiras de valores mobiliários”.

Por fim, cabe-se considerar que, apesar de todas as nuances e discussões acerca da natureza e regulamentação de criptoativos, estes ativos ainda carregam incerteza e desregulamentação quanto à sua utilização, investimento e finalidade, restringindo-se, por hora, a CVM a posicionar-se sobre a forma da emissão de captação de recursos em mercado, permitindo ainda a realização de investimentos indiretos em criptoativos por Fundos de Investimento regulamentados pela CVM.

Possui dúvidas ou gostaria de saber mais sobre assuntos relacionados a regulamentação de criptoativos? Entre em contato.

Escrito por Ricardo Ferle.

[1] https://www.investidor.gov.br/publicacao/Alertas/alerta_CVM_CRIPTOATIVOS_10052018.pdf

[2] PA CVM nº RJ2003/0499

[3] Processo Administrativo nº RJ 2007/11593

[4] Deliberação CVM Nº 826 de 13 de agosto de 2019

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