O direito de retirada dos sócios na sociedade limitada

A sociedade limitada pode ser razoavelmente definida como uma sociedade empresária de natureza contratual e dotada intuitu personae onde os sócios obrigam-se somente pelo pagamento do valor de suas quotas e pela efetiva integralização do capital social, não sendo responsáveis pelas obrigações sociais em seu conjunto.

Dessa forma, uma das características mais relevantes que deve ser mencionada inicialmente é o intuitu personae. Esta expressão quer dizer que a sociedade limitada é caracterizada, preponderantemente, como uma sociedade de pessoas. É bem verdade que a sociedade limitada possui traços significativos das sociedades de capitais, o que faz com que sua classificação seja entendida como intermediária entre as sociedades de capitais e de pessoas.

Sobre esta distinção, a melhor doutrina entende que  “(…) a limitada há de ser considerada um tipo intermediário entre as sociedades de capital e de pessoas, visto que possui normas que a aproximam das sociedades de capital, por cujo regime jurídico podem optar a modo supletivo (art. 1.053, parágrafo único), sem perder o caráter intuitu personae que é próprio das sociedades contratuais. Aproxima-se das sociedades contratuais por ter seu capital dividido em quotas, contrastando aí com as sociedades de capital, por não o fracionar em títulos negociáveis (ações), de circulação ampla ou restrita. (…) No entanto, chega-se às sociedades de capital, nisso afastando-se das de pessoas, no ponto em que seus sócios nenhuma responsabilidade possuem pelas obrigações da sociedade, senão pelas suas próprias.” [1]

Assim sendo, de forma a exemplificar a distinção acima mencionada, a sociedade limitada difere-se da sociedade anônima justamente no tocante à suas prioridades, resultando em dizer que a sociedade limitada possui como característica marcante o enfoque nas pessoas que a compõe, enquanto a sociedade anônima possui como característica primordial o enfoque nos resultados financeiros a serem obtidos.

Considerando a classificação acima mencionada, surge um dos componentes relevantes à constituição de uma sociedade limitada e, em contrapartida, sua ausência é um dos principais motivos para a dissolução das sociedades limitadas, o Affectio Societatis. Tal instituto é o elemento subjetivo, intencional e essencial que demonstra a intenção, por parte dos sócios, de constituir uma sociedade, de forma que, sem ele, a sociedade inevitavelmente deixará de existir.

Tendo sido realizadas todas as distinções e considerações acima mencionadas, adentramos de fato ao tema do presente artigo: o direito de retirada do sócio nas sociedades limitadas.

Tal direito é conferido ao sócio por força do artigo 1.077 do Código Civil[2] ao dizer que no caso de desentendimentos entre os sócios sobre qualquer tema que envolva alterações a serem realizadas no contrato social da empresa, independentemente de sua natureza, o sócio que dissentiu possui o direito de retira-se da sociedade nos trinta dias seguintes de tal ato.

Assim, no caso de ser realizada qualquer alteração contratual na sociedade onde haja dissenção entre os sócios, o sócio que discordou da realização da alteração poderá optar por retirar-se da sociedade sem qualquer necessidade de justificar sua discordância, bastando para que caracteriza-se o desentendimento somente a ausência de sua assinatura na determinada alteração do contrato social.

Dessa forma, o exercício de retirada não pode ser privado dos sócios, mas, sob uma interpretação restritiva, o exercício deste direito encontra-se condicionado à existência de uma divergência entre os participantes sobre qualquer alteração a ser realizada na sociedade.

Não obstante, parte da doutrina prefere optar por realizar uma interpretação abrangente com relação ao exercício do direito de retirada, baseando-se no artigo 1.029 do Código Civil[3] ao dizer que qualquer sócio pode retirar-se de sociedade de prazo indeterminado, em qualquer momento sem necessidade de justa causa, sendo necessário somente uma notificação aos sócios remanescentes com uma antecedência mínima de 60 dias.

Assim, a mera decisão de retirada, acompanhada de uma notificação prévia de no mínimo 60 dias, concede ao sócio o direito de retira-se da sociedade. Tal interpretação se justifica pois uma vez que ele não possui mais a vontade de permanecer na sociedade, isso confronta diretamente os princípios da sociedade de pessoas bem como resulta no rompimento do Affectio societatis entre os sócios, razão pela qual deverá se optar pela dissolução parcial da sociedade com relação ao sócio retirante.

Assim, levando em consideração a disposição acima mencionada, sob uma interpretação abrangente, o sócio pode optar-se por retirar da sociedade a qualquer momento em que deseje, sem ser necessário o acontecimento de uma divergência entre os sócios para tanto.

Neste sentido, analisando a aplicação prática deste direito pelos sócios retirantes, temos as seguintes decisões em casos em que os sócios retirantes ajuizaram ação na justiça pleiteando sua própria retirada do quadro de sócios da sociedade:

“Não custa lembrar que o direito de o sócio se retirar da sociedade empresária é praticamente absoluto quando se rompe a affectio societatis. Tendo em vista que a entidade personificada no comércio somente desenvolve suas atividades regulamentares quando os sócios dão empenho pessoal e de capital para que a união de propósitos de projete além das intenções que se reuniram, não teria sentido exigir que isso ocorresse naturalmente com o ambiente desagregado pelos desentendimentos. Está evidenciado que o autor perdeu espaço que manteve no grupo de sócios e não convém discutir a causa da deterioração do relacionamento, pois não está em pauta a expulsão por conduta anti-social, mas, sim, o direito de se retirar por conveniência.” [4]

“O direito de retirada decorre da garantia constitucional de que ninguém é obrigado a permanecer associado (art. 5º, XX, da CF). É ato unilateral do sócio, bastando para o desligamento, no caso de sociedade limitada por prazo indeterminado, a notificação dos demais sócios com antecedência mínima de 60 dias, consoante disposto no art. 1.029 do Código Civil.” [5]

“A propósito do disposto no art. 1.029 do CC, ensina a doutrina que, tratando-se de sociedade contratada por prazo indeterminado, a vontade de extinguir o liame societário é soberana, “pois ninguém pode ser constrangido a permanecer, indefinidamente, associado. Basta seja providenciada a notificação dos demais sócios, estabelecida uma antecedência mínima de sessenta dias, visando à necessária reorganização do quadro social” (cf. MARCELO FORTES BARBOSA FILHO. Código civil comentado. Coord. Min. Cezar Peluso. 3a Ed., São Paulo/Barueri: Ed. Manole, 2009, p. 982; ARNOLD WALD. Comentários ao novo código civil. Coord. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2005, p. 228).”[6]

Considerando os julgados acima mencionados, podemos concluir que a aplicação prática do instituto de direito de retirada tem sido aplicada segundo sua interpretação mais abrangente, fazendo com que o mero desejo de retirada do sócio, sem necessidade de muitas justificativas, seja suficiente para que seja concedido seu desejo de retirar-se da sociedade.

Contudo, cabe ressaltar ainda que existem aqueles que defendem a interpretação restritiva ao uso do direito de retirada do sócio, o que nos leva a dizer que no caso de eventual necessidade de ingresso com ação para retirada de sócio, sob uma conduta conservadora, seja sempre anexado ao processo documentos e provas relevantes que, além de demonstrar a quebra do affectio societatis entre os sócios, demonstre a desavença existente entre os sócios com relação à qualquer alteração a ser realizada na sociedade.

Com relação à apuração dos haveres do sócio retirante, o artigo 1.077 do Código Civil faz menção no sentido de que, no caso do Contrato Social não dispor sobre a forma de apuração dos haveres do sócio retirante, o valor de sua quota será calculado com base na situação patrimonial da sociedade no momento de sua retirada, por meio de um balanço especialmente levantado para isso, conforme nos demonstra o artigo 1.031 do Código Civil[7].

Assim, no caso do Contrato Social ser silente com relação a este tema, será levantado balanço patrimonial especialmente com essa finalidade para liquidar sua participação societária com base na situação patrimonial da sociedade.

Por fim, no caso de eventuais dúvidas ou questionamentos sobre o tema, entre em contato conosco para que possamos auxiliá-los.

Autores do artigo: Ricardo Ferle Castilho e Luís Eduardo Veiga

Referências:

[1] CARVALHOSA, Modesto, Tratado de Direito Empresarial, Volume III, Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 405.

² Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.

³Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.

4 Apelação / 9125815-10.2007.8.26.0000 / Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 4ª Câmara de Direito Privado. Julgado por Enio Zuliani em 31/08/2008.

5 Agravo de Instrumento / 2042049-71.2013.8.26.0000 / Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Julgado por Maia da Cunha em 05/12/2013.

6  Agravo de Instrumento / 0496523-63.2010.8.26.0000 / Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 8ª Câmara de Direito Privado. Julgado por Thedureto Camargo em 15/12/2010. 7   Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado

[1] CARVALHOSA, Modesto, Tratado de Direito Empresarial, Volume III, Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 405

[2] Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.

[3] Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.

[4] Apelação / 9125815-10.2007.8.26.0000 / Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 4ª Câmara de Direito Privado. Julgado por Enio Zuliani em 31/08/2008.

[5] Agravo de Instrumento / 2042049-71.2013.8.26.0000 / Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Julgado por Maia da Cunha em 05/12/2013.

[6] Agravo de Instrumento / 0496523-63.2010.8.26.0000 / Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 8ª Câmara de Direito Privado. Julgado por Thedureto Camargo em 15/12/2010.

[7] Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

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