Comentários sobre a lei 2.630/20 e o combate às fake news

O projeto de lei nº 2.630/20 que institui a lei brasileira de liberdade, responsabilidade e transparência na internet, altera de forma substancial os ditames contidos na lei do marco civil da internet e questões sobre a liberdade de expressão na rede mundial de computadores.

Como noticiado em todas as mídias brasileiras, atualmente entrou em pauta a questão que envolve o combate as notícias falsas, visando assim evitar a desinformação e simplificar a era super informativa. Contudo, o tema deve ser analisado com a devida parcimônia, visto que a depender da situação e do cenário a ser escolhido pelo legislador estar-se-ia a incorrer em censura prévia e a violação ao direito à liberdade de expressão.

Antes de adentrar ao tema, é imperioso destacar algumas problematizações quando o assunto e divulgação de notícia e opinião, quais sejam: (i) uma notícia verídica é derrubada por ser considerada falsa; (ii) uma notícia falsa é mantida no provedor de aplicação, por equivoco ou por ser considerada verdadeira; e (iii) uma opinião de um cidadão ou parlamentar sobre determinado fato é considerada notícia e se entendida como falsa, removida.

Analisando tais hipóteses, sem adentrar no mundo jurídico ainda, vejam que todas possuem consequências sérias por envolver a liberdade de expressão, a vedação à censura e a capacidade de ferir a dignidade de terceiros quando a uma notícia falsa.

Na primeira e segunda hipóteses, a notícia verídica seria equivocadamente removida e a notícia falsa mantida, gerando assim a desinformação desenfreada e a manutenção de uma inverdade. Na terceira hipótese, estar-se-á a vedar opiniões, mesmo que equivocadas de um determinado assunto, diminuindo a primazia dos debates e intercâmbio de ideias.

Em todas as hipóteses existem violações de direitos, tanto daquele que foi alvo da notícia falso, àquele que teve a notícia verdadeira removida e a pessoa que apenas exprimiu a sua opinião e foi censurada.

No tempo em que a propagação de notícia falsas não era palco de discussões, mas somente existia em eventuais batalhas jurídicas, um dos debates principais era a responsabilização dos provedores de aplicação (Facebook, Instagram, Twitter e outros) na manutenção de conteúdo injurioso ou inverídico em suas redes.

A vasta jurisprudência, se debruçando nos casos concretos, resolve a questão aplicando a Lei 12.965/2014[1], principalmente os seus artigos 19 e 21 que dispõem:

“Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
(…)
Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.”.

Nos termos dos artigos retro, os provedores de aplicação somente se responsabilizariam por conteúdos de terceiros quando: (i) após ordem judicial específica não remover o conteúdo; ou (ii) quando o conteúdo contiver nudez ou atos sexuais privativos, não o remover após cientificado pelo usuário.

Em casos práticos, caso um usuário veja algum conteúdo desabonador, inverídico ou não, deve indicar a URL[2] (Universal Resourcer Loucator) do conteúdo para, após análise do judiciário, o mesmo possa ser removido, consoante entendimento do STJ exarado no RESP[3] 1698647.

Consoante o entendimento acima, os provedores de conteúdo não são responsabilizados por conteúdos postados por terceiros, exceto nas situações legais.

O projeto de Lei nº 2.630/20 do Senado Federal em seu texto original, com a ressalva que o texto já possui mais de 60 emendas, descreve que os provedores de aplicação com mais de 2 (dois) milhões de usuários ativos devem tomar todas as medidas necessárias a evitar a propagação de informações inverídicas, conforme artigos em destaque:

“Art. 9º Aos provedores de aplicação de que trata esta Lei, cabe a tomada de medidas necessárias para proteger a sociedade contra a disseminação de desinformação por meio de seus serviços, informando-as conforme o disposto nos artigos 6º e 7º desta Lei
Art. 10. Consideram-se boas práticas para proteção da sociedade contra a desinformação:

I – o uso de verificações provenientes dos verificadores de fatos independentes com ênfase nos fatos;
II – desabilitar os recursos de transmissão do conteúdo desinformativo para mais de um usuário por vez, quando aplicável;
III – rotular o conteúdo desinformativo como tal;
IV – interromper imediatamente a promoção paga ou a promoção gratuita artificial do conteúdo, seja por mecanismo de recomendação ou outros mecanismos de ampliação de alcance do conteúdo na plataforma.
V – assegurar o envio da informação verificada a todos os usuários alcançados pelo conteúdo desde sua publicação.”.

Conforme o trecho, o provedor de aplicação deverá filtrar os conteúdos informativos de seus usuários e verificar as informações, assegurando a veracidade das informações em sua rede.

Aqui é possível verificar uma exceção criada ao Marco Cível da Internet, ante a remoção de conteúdo sem o crivo do judiciário, excetuada as hipóteses aos termos de uso, e a filtragem da informação pelos provedores de aplicação.

Em que pese a melhor da intenção em criar o projeto de lei, infelizmente tal como disposto no texto, os provedores de aplicação se tornarão verdadeiro órgão censor de informações, julgando-as falsas ou verdadeiras, o que pode levar a censura prévia da internet e a minoração do debate de ideias.

Caso não cumpram o seu papel fiscalizar, poderão responsabilizar-se, conforme dispõe o artigo 28 do projeto de lei:

“Art. 28. Sem prejuízo das demais sanções civis, criminais ou administrativas, os provedores de aplicação ficam sujeitos às seguintes penalidades a serem aplicadas pelo Poder Judiciário, assegurados o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório (…)”.

A partir deste momento, questiona-se como deverá ser a filtragem destes conteúdos e quais notícias serão checadas, visto que algumas opiniões são sátiras ou ao menos posições de mundo e de vida de um indivíduo, não sendo neste caso notícias de fato.

Tal como disposto, os provedores de aplicação estarão entre uma espada de dois gumes, ante a possibilidade de se responsabilizarem pela não remoção da notícia falsa ou pela remoção de uma notícia que, posteriormente, mostrou-se verdadeira.

Para evitar que tal situação exista, uma das emendas apresentadas no projeto é a exclusão desta hipótese de checagem pelos provedores com a criação de boas práticas nas redes de aplicação.

Entre as diversas alterações também está a criação de um sistema de notificação das notícias pelos provedores de conteúdo para a remoção da notícia falsa, sendo que a verificação do cumprimento destas obrigações ocorrerá pelo comitê que fiscalizará os provedores de aplicação.

O Comitê proposto será misto, contando com a participação de membros dos provedores de aplicação, sociedade cível, acadêmicos e pessoas especializadas em comunicação social.

Assim, o projeto de lei tal como disposto e muitas de de suas emendas aumentam o grau de responsabilização dos provedores de aplicação, em consequência o seu grau de controle de remoção de conteúdo, o que pode gerar em muitos casos equívocos, em especial em uma sociedade hiper informativa atualmente.

Uma das graves consequências que podem existir é o uso político da checagem e filtragem, visto que caso um parlamentar expresse uma opinião sobre determinado fato, discordando ou desmentindo uma notícia, poderá ter o seu conteúdo removido pela filtragem da rede, censurando a opinião política de parlamentares e o debate de ideias.

Existe atualmente a remoção administrativa de conteúdos e contas pelos provedores, quando estes violarem os termos de uso de suas respectivas plataformas, contudo é possível a restauração da conta ou conteúdo, via judicial ou apelação na própria plataforma, a depender de caso a caso.

À título de exemplo, destaca-se a existência de filtro de veracidade no provedor de aplicação Twitter[4] quanto a questões de veracidade atinentes ao voto, conforme o trecho retirado dos termos de uso da plataforma:

“As Regras do Twitter proíbem a publicação de conteúdo que forneça informações falsas sobre a votação ou o registro para a votar.

Se você denunciar esse tipo de conteúdo, analisaremos o Tweet denunciado. Se determinarmos que o Tweet viola nossas políticas, tomaremos providências (desde a exigência da retirada do conteúdo proibido até a suspensão permanente da conta). Você receberá uma notificação de acompanhamento de nossa parte se precisarmos de informações adicionais ou se tomarmos providências com relação ao Tweet denunciado.”.

Tal hipótese[5] gerou desconforto no Presidente dos Estados Unidos que teve uma de suas publicações verificada como publicação sem fonte de veracidade.

Por fim, a grande questão é o sobrepeso do direito de liberdade de expressão com demais direitos, políticos, pessoais e a intimidade.

Não é possível prever qual será a escolha legislativa e como será o cenário caso existam os filtros pelos provedores de aplicação, motivo que para a aprovação do projeto de lei é necessário grande debate da academia, sociedade, manifestação dos provedores de aplicação e dos parlamentares para, assim, a tomada de uma posição mais consciente e evitando a levar-se pelos ânimos das constantes crises que assolam o Estado Brasileiro.

Talvez, em um cenário ideal e sugestão, é a hipótese da criação de ferramenta de notificação para a remoção de tais conteúdos falsos ou supostamente falsos e, após a notificação ao provedor de aplicação, seja assegurada a contraprova de fonte segura ao notificado. Acatada a remoção, é aplicada a criação de filtro do conteúdo já verificado com fonte, evitando assim a indicação infinita de URLs para a remoção do mesmo conteúdo nos provedores de aplicação.

Na dúvida da veracidade, a questão poderá ser analisada por um comitê e o que evitaria a remoção desenfreada de conteúdo, diminuindo o poder de vetar conteúdos dado aos provedores de aplicação.

Caso não seja possível aferir a veracidade, ou quando se tratar de mera opinião, deve o conteúdo ser mantido na plataforma.

Veja que tal cenário seria o sistema intermediário de remoção (notice and take down) com a possibilidade de recurso administrativo da questão na própria plataforma, evitando a filtragem automática de conteúdos e minorando equívocos.

Outro benefício de tal sistema seria evitar o uso político dos provedores de aplicação, pois caso diversos canais veiculem uma informação equivocada, esta poderia se sobrepor a informação correta que deixaria de existir, o que prejudicaria o debate de ideias e lesaria o próprio instituto que o criou, a minoração do trafego de notícias falsas.

Em que pese o turbulento cenário político o qual o Brasil vive, é certo que a criação de um sistema de checagem é o mais correto, mas deve ser criado com a devida parcimônia a se evitar abusos e injustiças na remoção de conteúdos e opiniões pessoais.

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