Nos últimos dias, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) voltou ao centro do debate econômico no Brasil. Com o objetivo de reforçar a arrecadação e cumprir as metas fiscais, o governo anunciou, por meio de decreto, a elevação do IOF sobre diversas operações financeiras, como operações de crédito — incluindo risco sacado e empresas —, aportes em planos de previdência (como o VGBL) e aplicações de maior valor.
A justificativa apresentada foi a necessidade urgente de ajuste fiscal, tendo em vista o compromisso com o superávit primário de 2025. Contudo, a reação foi imediata. Setores como o agronegócio, o imobiliário, o setor bancário e grandes investidores se mobilizaram contra a medida. Diante da forte pressão, o governo recuou parcialmente.
Veja o que muda
As alíquotas do IOF nas operações de crédito retornaram aos patamares anteriores, sendo mantida a incidência de 0,38% fixa, somada a 0,0082% ao dia. Quanto aos aportes em planos de previdência do tipo VGBL, houve mudança no critério de incidência: antes prevista para valores mensais superiores a R$ 50 mil, a regra passou a se aplicar a aportes anuais superiores a R$ 600 mil, e apenas sobre o valor excedente. A proposta foi redesenhada para preservar 99,2% dos CPFs com planos de previdência privada, atingindo apenas investidores de alta renda. Também foi estabelecida uma fase de transição até 31 de dezembro de 2025 para ajustes operacionais.
Pacote Fiscal Alternativo
Para compensar a arrecadação que seria gerada com o IOF, o governo iniciou a negociação de um pacote fiscal alternativo, elaborado pela equipe econômica com apoio de lideranças do Congresso.
Entre as principais propostas, destaca-se:
- O fim da isenção de imposto de renda sobre títulos incentivados como LCI, LCA, CRI, CRA e debêntures incentivadas. Esses papéis, até então isentos para pessoas físicas, passariam a ser tributados à alíquota de 5%, a partir de 2026, somente para os títulos emitidos após a mudança. Os papéis já existentes manteriam a isenção.
- Além disso, propõe-se a criação de uma alíquota única de 17,5% de imposto de renda sobre investimentos, substituindo a atual tabela regressiva. Essa nova alíquota incidiria sobre ganhos em renda fixa (como CDBs e Tesouro Direto), renda variável (ações e fundos), além de criptomoedas.
- Os ganhos com criptoativos, como Bitcoin e Ethereum, passariam a ser tributados diretamente a essa mesma alíquota. O governo ainda avalia a extensão do IOF para stablecoins, decisão que depende de aprovação do Banco Central.
- Outras medidas previstas no pacote incluem o aumento da tributação sobre juros sobre capital próprio (de 15% para 20%), elevação da taxa sobre apostas online (de 12% para 18%) e aumento da CSLL de fintechs e instituições financeiras (de 9% para 15%).
Essas mudanças afetam diretamente setores estratégicos. No agronegócio, a taxação da LCA pode encarecer o crédito rural e desestimular a produção, segundo alertas da Frente Parlamentar da Agropecuária.
No mercado imobiliário, a tributação da LCI pode pressionar o custo dos financiamentos, sobretudo para imóveis de maior valor, o que motivou manifestações de preocupação por parte da Abecip.
Embora o novo limite de isenção para aportes em VGBL proteja a maioria dos investidores, os de alta renda passarão a ser diretamente impactados. O setor financeiro também será atingido com a elevação da CSLL e a tributação mais agressiva dos JCP, medida que afeta bancos e empresas que utilizam esse mecanismo para distribuição de lucros. Investidores em ações e criptoativos terão seus ganhos submetidos à nova alíquota fixa, o que pode desestimular estratégias de longo prazo, antes beneficiadas por taxas menores. A resistência política também é intensa. Entidades representativas de mercado alertam para o possível impacto negativo das medidas sobre crédito e confiança dos investidores.
O presidente da Câmara, Hugo Motta, afirmou que o Congresso não aceitará aumentos de tributos sem cortes de gastos públicos, cobrando do Executivo uma atuação mais eficaz na contenção de despesas. Partidos da base aliada, como PP e União Brasil, também já se posicionaram contra o pacote, exigindo garantias de que o agronegócio e o setor imobiliário não serão prejudicados. O governo, por sua vez, sustenta que as medidas atingem majoritariamente os contribuintes de maior renda, e que a unificação da alíquota do imposto de renda sobre investimentos é uma proposta justa e estrutural. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defende que o novo modelo está alinhado aos compromissos fiscais e busca corrigir distorções do sistema atual. No entanto, a complexidade da proposta exige uma articulação política delicada. A substituição do ajuste via IOF por um pacote tributário mais amplo e estruturado tem potencial para gerar maior previsibilidade e justiça fiscal, mas também provoca forte reação dos setores atingidos.
Os principais pontos de tensão envolvem a tributação dos títulos que financiam o agro e o setor imobiliário, a padronização da alíquota de IR sobre investimentos, e o impacto sobre segmentos emergentes como criptoativos e fintechs. Se as medidas forem aprovadas sem um plano crível de contenção de gastos, há risco de instabilidade política e econômica. Por outro lado, se vierem acompanhadas de reformas e cortes de despesas obrigatórias, podem representar um avanço no equilíbrio das contas públicas.
Para investidores e analistas, o horizonte inclui reprecificação de ativos de renda fixa e fundos imobiliários, menor atratividade da previdência complementar para aportes mais elevados, e aumento da carga fiscal sobre ativos digitais. O desafio, agora, é encontrar um ponto de equilíbrio entre responsabilidade fiscal, justiça tributária e estímulo ao crescimento. Os próximos dias serão decisivos para os rumos dessa reestruturação.