Com a intensificação do uso de tecnologias digitais no ambiente corporativo e a consolidação do trabalho remoto e híbrido, emergiu o debate sobre o direito à desconexão digital, que diz respeito à possibilidade de o trabalhador se desvincular dos meios de comunicação corporativos fora do seu expediente, sem sofrer consequências negativas.
Embora ainda careça de regulamentação específica no Brasil, o tema se insere no âmbito das garantias fundamentais à saúde e ao lazer (artigo 6º, caput e artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal), consectárias do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal) e já impacta diretamente a gestão empresarial, exigindo atenção das organizações em suas práticas internas, políticas de RH e estratégias de compliance trabalhista, sobretudo em relação à jornada de trabalho e à proteção da saúde mental dos colaboradores.
O objetivo é preservar a saúde física e mental do empregado, garantir a separação entre vida pessoal e profissional e, por fim, evitar o excesso de jornada.
Cumpre salientar que a ausência de uma regulação clara não exime a empresa de responsabilidades legais e éticas, pois a Justiça do Trabalho já tem entendido pela condenação não só em horas extras, como em indenização por danos morais.
Vejamos entendimento recente do Tribunal Regional do Trabalho da 05ª Região:
“DIREITO DE DESCONEXÃO. WHATSAPP E LIGAÇÃO TELEFÔNICA EM PERÍODO DE DESCANSO. HABITUALIDADE. O acionamento de empregado fora do horário do expediente para solucionar questões relacionadas ao trabalho por WhatsApp ou ligação telefônica gera dano moral indenizável, quanto realizado habitualmente, com prejuízo aos direitos fundamentais ao repouso e lazer (artigos 6º e 7º, XIII e XV, da Constituição Federal) . Recurso provido em parte”. (TRT-5 – ROT: 00002865820245050038, Relator.: EDILTON MEIRELES DE OLIVEIRA SANTOS, Primeira Turma – Gab. Des. Edilton Meireles de Oliveira Santos)
De maneira distinta, algumas nações já regulamentaram diretamente essa questão. A França foi pioneira nesse processo, ao instituir, em 2016, a Lei El Khomri, que estabelece que, em empresas com mais de cinquenta empregados, o sindicato da categoria deve incluir o direito à desconexão como tema obrigatório de negociação. Iniciativas semelhantes foram adotadas na Espanha, por meio da Lei Orgânica nº 03/2018 e na Itália, com a promulgação da Lei nº 81/2017.
Na América Latina, o Chile promoveu alterações na regulamentação do teletrabalho com a Lei nº 21.220 de 2020, em resposta à pandemia de Covid-19, proibindo o empregador de contatar o trabalhador durante um período contínuo de 12 horas. Já a Argentina tratou do tema por meio da Lei nº 27.555/2020, que disciplina o teletrabalho e assegura o direito à desconexão. Essa norma, com linguagem mais técnica, exige que os sistemas e plataformas sejam configurados para impedir o acesso fora do horário contratual de trabalho.[1]
Sendo assim, inexistem dúvidas de que a gestão empresarial deve adotar medidas para prevenir riscos trabalhistas e promover um ambiente saudável.
Isto posto, algumas ações recomendadas incluem o estabelecimento de políticas internas claras sobre horários de comunicação, treinamento de lideranças para respeitarem os limites de jornada dos colaboradores, implementação de ferramentas de controle de jornada efetivas, mesmo em regime remoto, incentivar a cultura do equilíbrio entre vida pessoal e profissional, dentre outras.
No contexto atual, o compliance trabalhista deve incorporar o direito à desconexão como parte das boas práticas corporativas, destacando-se, por exemplo, a realização de auditorias internas para identificar condutas que gerem risco de acionamento fora do expediente.
Além de mitigar riscos, o compliance eficaz melhora a reputação da empresa, atrai talentos e contribui para a sustentabilidade das relações de trabalho, se tratando de importante investimento no âmbito empresarial, especialmente do ponto de vista jurídico, que requer assessoria direta, contínua e especializada.
Nesse contexto, como sempre salientamos, importante mapear eventuais vulnerabilidades trabalhistas, realizando uma auditoria minuciosa que identifica riscos legais e operacionais nas rotinas da empresa, permitindo a adoção de medidas preventivas, correções estratégicas e maior segurança jurídica nas relações com colaboradores.
Trata-se de uma ferramenta essencial para empresas que buscam não apenas conformidade, mas também eficiência e solidez nas suas práticas de gestão de pessoas.
Destarte, é esperado que, nos próximos anos, o Brasil avance na regulamentação do tema, seja por meio de legislação específica, seja via acordos coletivos ou jurisprudência consolidada.
[1] FERREIRA, Vanessa Rocha. SANTOS, Murielly Nunes dos. Escravidão digital e trabalho decente: os impactos da revolução 4.0 na precarização do trabalho. Pro Labore: Revista da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 19a Região, Maceió, a. 1, n. 1, p. 86-100, jun. 2022.
Nossa prática de Direito Trabalhista está à disposição para dirimir eventuais dúvidas ou prestar maiores esclarecimentos sobre o tema, pelo e-mail trabalhista@veiga.law e/ou pelo telefone (11) 4421-1010.