A prevalência do negociado sobre o legislado e o julgamento do STF

De plano, é importante esclarecer que a negociação coletiva é um dos mais importantes métodos autocompositivos na seara trabalhista; ou seja, de maneira democrática, regulamentam-se interesses profissionais e econômicos. Elas foram muito importantes durante a Minirreforma Trabalhista aplicada em 2021. Como resultado, temos a criação dos Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho, que sempre devem ser observados pelas categorias para as quais se destinam, sendo certo que, a inobservância dos referidos instrumentos pode ensejar condenação perante a Justiça do Trabalho, caso seja efetivada a prevalência do negociado sobre o legislado erroneamente ferindo direitos com previsão constitucional.

A Constituição Federal estabelece, em seu art. 8º, a obrigatoriedade da participação dos Sindicatos no processo de negociação coletiva, vejamos:

“Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (…) VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; (…)”.

A negociação coletiva é tão relevante que possui, inclusive, previsão na Convenção 154 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ratificada pelo Brasil em 1992.

Neste sentido, antes mesmo da promulgação da chamada Reforma Trabalhista, Lei nº 13.467/2017, já se aplicava a negociação coletiva para regular as relações trabalhistas, em especial, nas hipóteses em que inexistia previsão legal ou, ainda, nos casos em que a lei regulamentadora precisava de complemento.

Frisa-se que os instrumentos de negociação coletiva não poderiam “retirar direitos” dos trabalhadores. Desta forma, de maneira clara permitia-se a flexibilização prejudicial em duas hipóteses, sendo elas redução salarial e jornada de trabalho, desde que, por óbvio, existissem fundamentos para tanto.

A divergência entre os tribunais
Entretanto, os Tribunais se posicionavam de forma divergente quando a discussão era a validade das normas coletivas que “retiravam” direitos. Por exemplo, o Tribunal Superior do Trabalho – TST se posicionava a favor das aludidas normas desde que existissem contrapartidas compensatórias ao trabalhador. Portanto, na ausência das contrapartidas, o entendimento majoritário invalidava as cláusulas em que havia a flexibilização.

Já para o Supremo Tribunal Federal – STF, o negociado sempre prevalecia sobre o legislado, sob a ótica de que foram as partes que, em comum acordo, chegaram àquela conclusão. Para o STF, não existia hipossuficiência do trabalhador quando o assunto era a negociação coletiva. Empregado e empregador, neste entendimento, encontravam-se em “pé de igualdade”, motivo pelo qual incabível invalidar as cláusulas se foram as partes que pactuaram de tal maneira.

Visando dirimir a lacuna e acabar com os conflitos supracitados, a Reforma Trabalhista introduziu, à CLT, os arts. 611-A e 611-B, que disciplinam a prevalência do que for pactuado sobre o legislado de maneira exemplificativa.

Confira os artigos 611-A e 611-B na íntegra:

“Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:

I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;

II – banco de horas anual;

III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;

IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015

V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;

VI – regulamento empresarial;

VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho;

VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;

IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;

X – modalidade de registro de jornada de trabalho;

XI – troca do dia de feriado;

XII – enquadramento do grau de insalubridade;

XIII – prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;

XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;

XV – participação nos lucros ou resultados da empresa. (…)”.

“Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:

I – normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social;

II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;

III – valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);

IV – salário mínimo;

V – valor nominal do décimo terceiro salário;

VI – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;

VII – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

VIII – salário-família;

IX – repouso semanal remunerado;

X – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal;

XI – número de dias de férias devidas ao empregado;

XII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

XIII – licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias;

XIV – licença-paternidade nos termos fixados em lei;

XV – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;

XVI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;

XVII – normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;

XVIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas;

XIX – aposentadoria;

XX – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador;

XXI – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;

XXII – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência;

XXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

XXIV – medidas de proteção legal de crianças e adolescentes;

XXV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso;

XXVI – liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho;

XXVII – direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender;

XXVIII – definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve;

XXIX – tributos e outros créditos de terceiros;

XXX – as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação.

Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo”.

Nota-se que o legislador buscou clarear as hipóteses em que é possível ou não a flexibilização dos direitos através da negociação coletiva, contudo, a permissão legal em comento contemplada pela Reforma Trabalhista, ocasionou inúmeras discussões sobre a retirada de direitos dos trabalhadores, pois, a princípio, poderia levar os empregados a condições precárias de trabalho, mesmo porque o rol celetista é meramente exemplificativo e não taxativo.

Sobre o julgamento do STF e a determinação de Gilmar Mendes

À vista do exposto, inúmeras foram as ações judiciais que versavam sobre o assunto, o que culminou com o surgimento do Tema 1046 junto ao STF. Consequentemente, o ministro relator, Gilmar Mendes, determinou o sobrestamento de todos os casos envolvendo a temática da negociação coletiva, cujo leading case abordou as chamadas horas in itinere.

Pois bem, no último dia 02/06, o plenário do STF finalmente concluiu o julgamento do Tema 1046, fixando a tese de que “são constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.

Na prática, significa que o negociado prevalecerá sobre o legislado, ratificando o quanto trazido pela Reforma Trabalhista, como exposto. O principal fundamento do relator foi de que a Constituição Federal reconhece os acordos e convenções coletivas como direito fundamental do trabalhador, de modo que empregado e empregador podem pactuar aquilo que melhor se aplicar à relação de trabalho existente.

Porém, o ministro destacou o que a lei já prevê através do art. 611-B da CLT: há exceções para essa negociação, uma vez que existem direitos trabalhistas absolutamente indispensáveis, a exemplo do salário-mínimo, da anotação da CTPS, do Seguro-Desemprego, dentre outros.

Destarte, a decisão do STF terá repercussão geral e, em tese, acabará com as discussões a respeito desta questão.

Assim, conclui-se que a negociação coletiva tem força sobre a lei e deve ser amplamente observada, exigindo cautela quanto aos direitos trabalhistas que não podem ser flexibilizados.

O Veiga Law se dispõe para dirimir dúvidas no âmbito trabalhista com uma equipe especializada. Entre em contato.

Escrito por Carolina Tavares.

× Whatsapp
Política de Cookies

Nós utilizamos cookies em nosso site para melhorar o desempenho e as funcionalidades que podemos oferecer a você.

Com isto o nosso objetivo é melhorar a sua experiência durante a utilização de nosso site.

Mas o que são Cookies?

Apesar do nome sugerir um alimento, os cookies dos quais tratamos aqui não tem nenhuma relação com os biscoitos.
São chamados de cookies, pequenos arquivos de texto, que um site utiliza quando visitado.

Estes cookies colocam no computador do usuário ou em seu dispositivo móvel, através de seu navegador de internet (browser), dispositivos que reconhecem ele em uma próxima visita ao nosso site.

Estes cookies não recolhem informações que identificam o usuário, no entanto, se este usuário já for um cliente nosso, podemos monitorar as suas visitas.

Para que estas visitas ao nosso site sejam monitoradas, será necessário que o usuário, em algum momento, tenha nos enviado um e-mail, SMS ou outro tipo de mensagem de texto.

Nossos cookies recolhem informações genéricas, relacionadas com as suas preferências, visando, principalmente, identificar a forma como estes visitantes nos encontram na internet.

São exemplos de assuntos de nosso interesse, dentre outros, a região do país/países que visitam nosso site etc.

É muito importante que você saiba que você pode, a qualquer momento, alterar a forma como os cookies interagem com o seu aparelho.

Portanto, a qualquer instante, você pode bloquear a entrada de nossos cookies em seu sistema.

Também temos o dever de lhe informar que o bloqueio da utilização dos cookies pode, eventualmente, impossibilitando que você utilize algumas áreas de nosso site, ou de receber informações personalizadas de assuntos de seu interesse.

Quais tipos de Cookies utilizamos?

Cookies Necessários: São aqueles que são estritamente necessários para que o site funcione corretamente, e para que você possa utilizar todos os recursos disponíveis.

Estes cookies não coletam informações sobre você, que poderiam vir a ser utilizadas em nossas campanhas de marketing, ou rastrear por onde você navegou na internet.

Cookies Analíticos: Estes cookies coletam algumas informações sobre os visitantes que utilizam o nosso site.
Podemos trazer como exemplo, meramente ilustrativo, quais são as páginas mais visitadas.

Importante destacar que estes cookies não coletam informações que identificam o usuário ou visitante.

Estas informações são anônimas.

Nosso site utiliza a tecnologia do Google Analytics, portanto, esses cookies terão as informações coletadas, transferidas e armazenadas pelo Google em seus servidores nos EUA.

Para mais informações do uso destas informações por parte do Googles, acesse os sites abaixo:

  • Google Analytics privacy overview
  • Opt out of Google Analytics tracking

Cookies de Funcionalidade: Esta categoria de cookies permite que nós saibamos as preferências do usuário.

Estes cookies, em linhas gerais, guardam as preferências dos usuários, evitando, por exemplo, que você tenha que reconfigurar o site a cada visita.

Cookies de Terceiros: Como já citamos acima, utilizamos aplicativos do Google Analytics, e estes Cookies são utilizados para avaliar a eficiência da publicidade de terceiros em nosso site.

Cookies de Publicidade: Estes cookies têm por finalidade, tomando como base as preferências do usuário, incluindo nesta análise, por exemplo, o número de visitas, para exibição de anúncios.

Outra da função deste tipo de cookies é avaliar quanto os métodos de publicidade estão sendo efetivos.

Estes cookies podem ser

Permanentes: Estes tipos de cookie ficam armazenados no navegador de internet do usuário (browser) dos dispositivos utilizados para acesso a nossa página (pode ser um pc, celular ou tablet, por exemplo), e comunicam-se com o nosso site a cada visita, e são utilizados para direcionamento da navegação, tomando como base as preferências do usuário.

De sessão: Estes cookies são temporários, e permanecem no seu browser (ou navegador de internet), até o final de sua visita ao nosso site.

As informações captadas por estes cookies têm como principal objetivo oferecer a você usuário, uma melhor experiência em site.

Orientações Gerais

Os navegadores de internet (browsers), em regra geral, permitem que o usuário possa recusar, apagar, aceitar os cookies.

Esta opção, de tratamento dos cookies, está nas definições, configurações ou opções do seu navegador (browsers).

Uma vez que o usuário autorizar o uso de cookies, a qualquer momento ele pode desativar esta opção, parcial ou totalmente.

Destacamos que, uma vez desativados os cookies, eventualmente, algumas áreas de nosso site podem não funcionar adequadamente.