Novidades no sistema de penhora online e reflexos sobre o crime de abuso de autoridade

Praticamente todo mundo conhece – não somente os operadores do Direito, credores e os devedores -, ou já ouviu falar do BACENJUD, ferramenta que agilizou o cumprimento de decisões judiciais ante a solicitação de informações ao Sistema Financeiro Nacional, sendo muito conhecida nas ações de cobrança para o arresto e penhora de numerários nas contas bancárias.

Além da criação de um novo sistema para o suposto aprimoramento da busca de bens do devedor, existe também eventual temor de alguns magistrados na utilização de tal sistema, conforme será explicado no presente artigo.

Iniciando a questão, o Bacenjud é sistema formado por meio do Convênio do Banco Central, as instituições bancárias e o Poder Judiciário, onde e conforme o próprio CNJ[1], o sistema funciona por ordem judicial que é repassada eletronicamente aos bancos, minorando o pedido de informações, realizando o bloqueios de numerários e outras funcionalidades.

Cumpre destacar que há nova atualização do Bacenjud, antes da migração do novo sistema Sisbajud, onde as fintechs e outros bancos digitais podem ser alvos das pesquisas, ou seja, com a expansão do sistema, o uso da fintech com o objetivo de burlar o sistema de penhora não é mais eficaz:

“Além de instituições bancárias, as corretoras de títulos de valores mobiliários e cooperativas de crédito são conveniadas ao sistema, portanto, podem ter ativos bloqueados. As ordens judiciais de bloqueio se estendem também a fintechs, por isso, contas do Nubank e outros bancos digitais também podem ser alvo do sistema.”.[2]

Considerando a evolução dos sistemas informáticos, a necessidade de aprimoramento das pesquisas judiciais, o Conselho Nacional de Justiça, a Procuradoria da Fazenda Nacional e o Banco Central lançarão dia 25/08 o novo Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário ou (Sisbajud), o qual contará com a migração dos dados do Bacenjud e automatização no Processo Judicial Eletrônico (PJE), com o intuito de aprimorar o rastreamento de ativos de devedores e penhora virtual de valores, bem como a inclusão de outras instituições ainda não abrangidas pelo Bacenjud.

Uma das mudanças positivas, aos devedores, é o desbloqueio automático quando houver várias travas do mesmo valor, ou seja, uma ordem atualmente no sistema Bacenjud 2.0 realizada bloqueio todas as contas que houver numerário, o que muitas vezes obriga os devedores requererem o desbloqueio dos valores excedentes nas demais contas, devendo ser busca sucessiva ou invés de nominal.

Outra grande novidade, o qual ainda está se aguardando o aprimoramento, é a possibilidade de pesquisas de criptomoedas dos devedores por meio do novo sistema Sisbajud, mas tal medida ainda não foi veiculada pelos órgãos oficiais.

Conforme texto[3] publicado pela Alice Aquino, citando comentário do Dr. Thiago José Vieira de Sousa na revista Estadão, é possível verificar algumas novidades do novo sistema:

“É perceptível que há nesta mudança um grande ganho às empresas, pois o desbloqueio de valores redundantes ocorrerá de forma automática e, consequentemente, bem mais ágil. O que reduz consideravelmente o risco de prejuízo maiores com a indisponibilidade de bens. Trocando em miúdos, quando a justiça promove a penhora de determinado valor, o sistema do Banco Central “trava” a mesma quantia em todas as contas correntes que possuírem saldo e, para que ocorra o desbloqueio, é necessário um novo comando do judiciário e uma nova ação do Bacenjud. E isso demanda tempo, chegando a demorar meses, podendo inclusive resultar em falência da empresa. E é justamente neste ponto que se identifica o progresso representado pelo Sisbajud: A agilidade no desbloqueio. Além disso, com a inovação do sistema, poderá ocorrer também penhora de moedas virtuais, o significará um aumento gigantesco, tanto em valores quanto em possibilidades de recebimento. Sobre a penhora de criptomoedas, não podemos negar que esta é a mudança mais esperada e necessária, pois muitos devedores utilizam as moedas virtuais para frustrar a execução, ou seja, para “esconder dinheiro onde poucos alcançam”

Visto que o sistema ainda não está operando, é impossível eventual comparação entre as plataformas atuais e o novo sistema prometido para aprimorar a pesquisa de bens.

Agora, suponhamos que tal sistema seja realmente mais eficiente que o atual Bacenjud e que a busca de valores seja realmente mais eficaz, poderíamos então ter outro entrave, a possibilidade de os magistrados não realizarem a ordem de bloqueio sob a hipótese de responsabilização de crime de abuso de autoridade.

A penhora de numerário via instituições financeiras e outras que atuam de jeito similar, é preferencial a todas as ordens de constrições prescritas no código de processo civil, conforme os artigos 835, I e 854 dos Códigos de Processo Civil[4]:

Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;

(…)

Art. 854. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução.

§ 1º No prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar da resposta, de ofício, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade excessiva, o que deverá ser cumprido pela instituição financeira em igual prazo.

Já a lei nº 13.869 de 2019 descreve em seu artigo 36 que decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia exacerbada e, ciente da demonstração, deixá-la de corrigi-la, pode ser responsabilizado penalmente:

Art. 36.  Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi-la:

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Assim, caso o novo sistema seja realmente mais eficiente e cumpra o seu papel, é possível que muitos magistrados sejam responsabilizados penalmente pelo pedido de penhora vis Sisbajud? A resposta tutelada pelos tribunais e entendimento é negativa.

Em um caso muito emblemático, que ocorreu antes da vigência da lei de crime de abuso de autoridade, foi a negativa da juíza de 1º grau do estado de Goiás em proceder com a pesquisa de bens via Bacenjud, sob o argumento de eventualmente responsabilizar-se penalmente por abuso de autoridade.

No agravo nº 5052615.55.2020.8.09.0000 da 4º Câmara Cível, o qual reformou a decisão do magistrado de 1º grau, que destacou que os sistemas devem ser utilizados a pedido do credor e que inexiste no sistema jurídico culpa objetiva penal, motivo que não deve ser mantida a justificativa da magistrada.

Neste ano também, em abril de 2020, o pedido de pesquisa Bacenjud foi negado pelo magistrado na Ação nº 0199088-94.2012.8.19.0001 com argumento contundente de uma falha no sistema, o qual a penhora não é sucessiva, mas sim nominal.

“A falha é conhecida pelos operadores do Direito magistrados que operam o sistema. Na decisão, o juiz Alessandro Oliveira Felix explica que o desbloqueio parcial dos valores em excesso também é restrito, já que o sistema só libera essa opção 48 horas depois da ordem de bloqueio inicial.
Desde setembro de 2019 , no entanto, passou a ser crime “decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi-la”, segundo o artigo 36 da Lei de Abuso de Autoridade.”.[5]

Em que pese a ponderação, tal entendimento não pode prosperar, uma vez tornaria o Bacenjud totalmente inviável e ineficaz. Outro ponto de destaque é que tal questão será superado com o novo sistema por meio de penhora mais eficiente, evitando assim a penhora em excesso em diversas contas bancárias.

Além da inexistência de culpa objetiva neste caso, o magistrado ao utilizar-se dos sistemas judiciais de pesquisa, em especial o Bacenjud e o sucessor Sisbajud, somente incorreria na penalidade caso o bloqueio seja manifestamente excessivo e ciente, não o corrija.

“Além disso, um segundo argumento, seria o de que o tipo penal em questão exige duas condutas e não apenas uma para que haja a tipificação penal. Note-se que o dispositivo da Lei de Abuso de Autoridade exige que para a configuração do crime concorram duas ações por parte do magistrado, a saber: I) o bloqueio excessivo; II) a ausência de correção, a partir de alerta, indicação feito pela parte.

Portanto, mais um argumento que demonstra que os magistrados sérios – a imensa maioria, como já dito – não terão qualquer problema com tal dispositivo, já que, caso venham a bloquear quantia indevida, certamente corrigirão o erro cometido a partir do alerta feito pelo executado.”[6]

Assim, muitos operadores do direito aguardam as novas novidades do Sisbajud com o intuito de assistirem à satisfação de execuções e cumprimentos de sentença, com as suas novas funcionalidades, sem que tal pleito seja indeferido por motivo do magistrado entender em eventual possibilidade de responsabilização por crime de responsabilidade.

Referências

Bacenjud

Transição para novo sistema de penhora online começa neste mês

Transição para novo sistema de penhora online começa neste mês

O BACENJUD vai mudar! Entenda o que você precisa saber sobre isso

Transição para novo sistema de penhora on-line começa em agosto

TJ/GO autoriza penhora on-line antes impedida por receio da lei de abuso de autoridade

LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015.

LEI Nº 13.869, DE 5 DE SETEMBRO DE 2019

[1] Disponível em: Dificuldade de acesso de micro e pequenas empresas ao crédito é preocupante, diz ministro do TCU

[2] Disponível em: Dificuldade de acesso de micro e pequenas empresas ao crédito é preocupante, diz ministro do TCU

[3] Disponível em: O BACENJUD vai mudar! Entenda o que você precisa saber sobre isso, acesso em 17/08/2020.

[4] Disponível em: LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015.

[5] Disponível em: Juiz do Rio nega bloqueio de ativos e cita criminalização da penhora online

[6] Disponível em: Juiz do Rio nega bloqueio de ativos e cita criminalização da penhora online