Por: Ricardo Ferle
Todas as sociedades como pessoas jurídicas de existência puramente legal são incapazes de expressar e externalizar suas vontades e desejos por si mesmas, necessitando de órgãos internos e pessoas naturais que a representam, podendo dessa maneira externalizar para o mundo fático suas ações. Tal situação fez com que fosse criada a figura do Administrador da sociedade, o qual será dotado de poderes de representação, responsabilidades de governança e todas as demais atribuições que sejam necessárias para concretizar a atuação da sociedade em suas atividades econômicas pré-definidas.
Não obstante, a figura do Administrador já passou por diversas modificações antes de se consolidar da forma como está atualmente. No Brasil, tal figura já foi definida como sendo, obrigatoriamente, um diretor ou gestor da sociedade que respondesse como mandatário da sociedade, o que foi superado pelo Código Civil[1] ao definir, como mais adiante demonstrado, a figura do Administrador. Ainda, o direito norte-americano buscou relacionar a figura do administrador com a figura do trustee (administrador de um bem ou patrimônio que lhe é confiado por terceiro), sendo, contudo, tal relação rejeitada pelos tribunais americanos por entenderem que os bens da sociedade pertencem a ela e não ao trustee.
O fato é que a figura do Administrador já foi objeto de diversos debates e discussões sobre sua natureza, responsabilidades, poderes e etc., até que se estabelecesse o que hoje classifica-se como a Teoria Organicista, que nas palavras de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa classifica-se como:
“Tal qual o corpo humano, a sociedade é composta por órgãos distintos, funcionalmente diferenciados entre si. O órgão máximo, no qual se localiza o pode deliberativo da sociedade, é a assembleia geral ou reunião de sócios. Em segundo lugar vêm o órgão ou os órgãos administrativos, conforme a sociedade seja constituída dentro do sistema unitário ou dual de administração (gerência ou diretoria somente; ou, além de uma destas, o conselho de administração). Outros órgãos podem existir, exigidos por determinação legal ou criados pelo ato constitutivo, como é o caso do conselho fiscal e dos conselhos consultivos.[2]
A Administração de uma sociedade limitada será definida pelos sócios, tendo eles liberdade para definir a estrutura que entenderem adequada. Desta forma, a Administração da sociedade poderá ser realizada de forma singular por um único administrador ou de forma plural prevendo fórmulas complexas para o desempenho das atividades da sociedade, sendo possível, inclusive, a criação de diversos órgãos deliberativos colegiados em semelhança ao previsto às Sociedades Anônimas, não havendo por força de Lei nenhuma limitação, prevendo o artigo 1.060 do Código Civil[3] total liberdade aos sócios.
Dos impedimentos à função de administrador
Não há na legislação atual um rol taxativo de impedimentos à função de Administrador de empresas, tratando-se a seguir de alguns entendimentos que é possível se exprimir da legislação em vigor. De forma expressa, o Código Civil tratou de dispor que os administradores de sociedades limitadas devem ser pessoas naturais, vedando a administração por meio de pessoa jurídica, conforme pode-se extrair dos artigos abaixo transcritos:
Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:
(…)
VI – as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições;
(…)
Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.
(…)
Art. 1.062. O administrador designado em ato separado investir-se-á no cargo mediante termo de posse no livro de atas da administração.
(…)
§ 2 o Nos dez dias seguintes ao da investidura, deve o administrador requerer seja averbada sua nomeação no registro competente, mencionando o seu nome, nacionalidade, estado civil, residência, com exibição de documento de identidade, o ato e a data da nomeação e o prazo de gestão.
Ainda, a Instrução Normativa do Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI) nº 26 publicada em 10 de setembro de 2014 (atualizada pela IN DREI nº 81 publicada em 10 de junho de 2020) prevê, em seu item 1.2.23.4 que a pessoa jurídica não pode ser administradora de uma sociedade limitada.
Não obstante, conforme nos ensina o artigo 1.011, § 1º do Código Civil, não podem ser administradoras de sociedades as pessoas impedidas por lei especial de praticar o objeto social da sociedade, o que enseja em dizer que quem não pode praticar o objeto social da sociedade não pode administra-la, os condenados a pena que vede o acesso a cargos públicos, aqueles condenados por crime falimentar, prevaricação, suborno, concussão, peculato, crime contra a economia financeira, contra o sistema financeiro nacional ou contra as normas de defesa da concorrência.[4]
De forma exemplificativa, elencamos abaixo algumas restrições ao exercício da função de administrador:
Aqueles que, segundo lei especial, estão impedidos de realizar a administração de sociedades:
- Magistrados (Lei Complementar nº 35/1979);
- Membros do Ministério Público (art. 128, § 5º, II, c da Constituição Federal e art. 44, III da Lei nº 8.625/1993);
- Servidores públicos (art. 117, X da Lei nº 8.112/1990);
- Militares (art. 29 da Lei 6.880/1980);
- Empresário falido (art. 102 da Lei nº 11.101/2005);
- Os moralmente inidôneos (art. 1.011, § 1º do CC);
- Estrangeiros com visto temporário (art. 99 da Lei nº 6.815/1980).
Aqueles condenados aos seguintes crimes:
- Crime que, como pena, vede acesso a cargo público;
- Crime falimentar;
- Crime de prevaricação;
- Crime de peita ou suborno;
- Crime de concussão;
- Crime de peculato;
- Crime contra a economia popular;
- Crime contra o sistema financeiro nacional;
- Crime contra as normas de defesa da concorrência;
- Crime contra as relacoes de consumo; e
- Crime contra a fé pública ou a propriedade.
Das formas de designação dos administradores
Como nos orienta o Código Civil em seu artigo 1.060[5], a designação de administrador pode se dar de duas formas: no ato do contrato social ou em instrumento ato a parte, sendo indispensável que, caso o registro do administrador seja feito em documento separado, tal documento deverá ser averbado no registro competente para que possa ter validade. Por ato separado, entende-se que qualquer instrumento que não o contrato social, tal como uma ata de reunião, assembleia geral de eleição ou ainda documento público ou privado que comprove tal nomeação.
Partindo das premissas acima mencionadas, existem as seguintes modalidades de designação de administradores nas sociedades limitadas, conforme nos orienta Modesto Carvalhosa[6]:
Administrador sócio nomeado no contrato social: Referida hipótese pode ocorrer em dois momentos, sendo o primeiro na constituição da sociedade ou em posterior Alteração de Contrato Social. No momento de constituição da sociedade, deverá haver o consentimento unânime dos sócios, ao passo em que no momento de alteração de administrador, se faz necessário a aprovação de, no mínimo, ¾ do capital social da sociedade, conforme nos orientam os artigos 1.071, V e 1.076, I do Código Civil[7].
Administrador sócio nomeado em instrumento apartado: No caso de designação de administrador em ato separado, deverá ser realizado um termo de posse no livro de atas da administração, sob pena de tornar-se sem efeito algum. Neste caso, o quórum para aprovação da nomeação de administrador é de mais da metade do capital social da sociedade (50% + 1) nos termos dos artigos 1.071, II e 1.076, II do Código Civil[8]. Ainda, quando o Contrato Social tiver feito opção expressa pela indicação de administrador por meio de ato separado, porém referido instrumento não for registrado no órgão de registro competente, entende-se que a sociedade está impedida de dar início às suas atividades.
Administrador não sócio nomeado no contrato social: Nesta hipótese o Código Civil é expresso ao dizer em seu artigo 1.061 que “A designação de administradores não sócios dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de 2/3 (dois terços), no mínimo, após a integralização.”, sendo tal medida necessária em virtude de, no caso das sociedades limitadas, os sócios responderem solidariamente pela quantia ainda não integralizada do capital social.
Administrador não sócio nomeado em instrumento apartado: Neste caso, aplicam-se as mesmas regras ao administrador sócio nomeado em instrumento apartado.
As atribuições dos administradores
O Código Civil é silente com relação a uma lista ou rol de atividades que devam ser praticas pelo administrador, utilizando-se para tanto da expressão “atos de gestão” para denominar as ações que podem ser tomadas pelo administrador, como é possível se extrair do trecho abaixo do artigo 1.015 do Código Civil:
Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.
Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:
I – se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;
II – provando-se que era conhecida do terceiro;
III – tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.
Tal conduta do legislador de generalizar as atribuições do administrador encontra respaldo ao se compreender que tentar elaborar uma lista ou um descritivo das atividades do administrador seria um esforço sem resultado, uma vez considerada a pluralidade e as diversas formas de se realizar atividade empresarial, o que torna impossível prever todas elas.
Desta forma, pautando-se pelo trecho acima mencionado, as atribuições do administrador ficam tratadas de forma genérica e restritas aos negócios da sociedade, de forma que seu parâmetro de conduta se encontra mencionado no artigo 1.011 do Código Civil[9].
Mediante a generalidade prevista pelo legislador, o contrato social pode regular os atos de gestão a serem desempenhados pelo administrador, a fim de, em caráter preventivo, impedir a execução de atos que não sejam do interesse da sociedade.
Da responsabilidade do administrador
Como já dito anteriormente, a sociedade é constituída com uma atividade econômica específica e um objeto social claro e distinto, sendo que ao administrador cabe a responsabilidade de seguir as diretrizes da sociedade e representá-la, isto é, fazer valer seus desejos e atos no mundo fático.
Dito isso, de forma inicial, podemos sustentar que quando o administrador estiver agindo dentro da atividade econômica proposta pela sociedade e respeitando seu objeto social na medida e em conformidade com os poderes que lhe foram atribuídos, independente da forma de sua nomeação, ele não estará sujeito a nenhuma espécie de responsabilidade pelos atos praticados, conforme nos instrui o caput do artigo 158 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76)[10], sendo eventuais perdas caracterizadas como o risco econômico da operação empresarial.
Não obstante, os próprios incisos I e II do artigo supramencionados já preveem as hipóteses onde haverá a responsabilização dos administradores, sendo elas as seguintes:
Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:
I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;
II – com violação da lei ou do estatuto.
No caso do inciso I, constatada a presença do dolo é evidente a caracterização de responsabilidade, sendo que, nos casos onde haja culpa (negligência, imperícia e imprudência) o administrador estará em desacordo com o parâmetro de conduta previsto anteriormente, o que enseja a responsabilização.
Com relação ao inciso II, é razoável a compreensão de que, nos casos em que o administrador viole disposições legais ou estatutárias/contratuais no exercício de sua função, este deverá ser responsabilizado pelas consequências destes atos.
Como já mencionado, as sociedades possuem atividades econômicas a serem perseguidas, de forma que isso gera limitações legais e convencionas a sua atuação. As limitações legais surgem a medida em que se dispõe que os objetos de atuações na sociedades não podem ser contrários à lei, ao passo em que as limitações convencionais são aquelas impostas e oriundas de seus sócios, que direcionam a sociedade a uma ou mais atividade específica e não permite sua atuação em um ramo distinto.
Neste cenário, surgem as figuras do excesso e do abuso de poder que se caracterizam quando o administrador dirige a sociedade para um objeto/atividade diferente daquela para qual a sociedade foi originalmente constituída. Como bem elencado por Alfredo de Assis Gonçalves Neto[11]:
Sendo assim, se a sociedade atua fora daquilo que constitui seu objeto, há de se concluir que não atuou. É a teoria dos atos ultra vires (do latim, além das forças) – que se desenvolveu no direito inglês e que ressoou noutros sistemas jurídicos, como o francês, por meio do denominado princípio da especialidade, segundo o qual a capacidade de obrigar-se da pessoa jurídica só existe enquanto ela atua em busca dos fins para os quais foi constituída. Como consequência – sustenta-se –, se a pessoa jurídica não deve responder por atos praticados fora do objeto social que se propõe realizar (como no caso da compra de um lote de animais por uma sociedade dedicada ao comércio de tecidos).
Ainda sobre este tema, o mesmo autor sustenta que referida teoria encontra resistência de aplicação no direito brasileiro, o que resulta na falta de interesse de distinção dos institutos do excesso e do abuso de poder. Corroborando este entendimento, Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa[12] sustenta que:
Observando-se o panorama das decisões judiciais, verifica-se que tem ocorrido um sensível e progressivo aumento da responsabilização aos administradores das sociedades limitadas, especialmente nos planos trabalhista e fiscal, não sendo possível identificar a existência de parâmetros lógicos e abstratos que pudessem permitir a construção de uma visão unificada.
Ainda neste sentido, o Código Tributário Nacional prevê a responsabilização fiscal dos administradores no caso de atos praticados com excesso de poderes ou no caso de infração legal ou estatutária, como abaixo descrito:
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior;
II – os mandatários, prepostos e empregados;
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
Conclusão
Em termos finais, “o administrador é aquele que executa a vontade da sociedade; é quem se apresenta pela sociedade nas relações jurídicas que ela mantém com terceiros”[13], sendo, portanto, o responsável por externalizar e efetuas as ações pretendidas pela sociedade, podendo ser nomeado em contrato social ou em ato distinto, possuindo sobre si a reponsabilidade sobre os atos praticados que forem contra lei, contra os estatutos da sociedade que representa e aqueles que forem estranhos ao objeto social da sociedade.
[1] Lei 10.406/2002
Artigos 1.010 ao 1.021 e 1.060 ao 1.065.
[2] VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc, DIREITO COMERCIAL; V. 2 – SOCIEDADES, 3ª ed., Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 166.
[3] Art. 1.060. A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado.
[4] Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.
§ 1 o Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação.
[5] Art. 1.060. A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado.
[6] Comentários ao Código Civil… cit., (art. 1.060), p. 111.
[7] Art. 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato:
(…)
V – a modificação do contrato social;
(…)
Art. 1.076. Ressalvado o disposto no art. 1.061, as deliberações dos sócios serão tomadas
I – pelos votos correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social, nos casos previstos nos incisos V e VI do art. 1.071;
[8] Art. 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato:
(…)
II – a designação dos administradores, quando feita em ato separado;
(…)
Art. 1.076. Ressalvado o disposto no art. 1.061, as deliberações dos sócios serão tomadas
(…)
II – pelos votos correspondentes a mais de metade do capital social, nos casos previstos nos incisos II, III, IV e VIII do art. 1.071;
[9] Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.
[10] Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:
[11] NETO, Alfredo de Assis Gonçalves, TRATADO DE DIREITO EMPRESARIAL, v. 2 (EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA E SOCIEDADE DE PESSOAS), Editora Revista dos Tribunais Ltda., p. 522.
[12] VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc, DIREITO COMERCIAL; V. 2 – SOCIEDADES, 3ª ed., Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 417.
[13] NETO, Alfredo de Assis Gonçalves, TRATADO DE DIREITO EMPRESARIAL, v. 2 (EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA E SOCIEDADE DE PESSOAS), Editora Revista dos Tribunais Ltda., p. 503.